NFJ#455 🍂 O ecossistema de notícias em tempos de IA
O que a IA do Google tem a oferecer para o jornalismo | Jornalismo, IA e ética: reflexões e modelos | Complexificando o “news avoidance” | Novo curso do Knight Center sobre IA e eleições
Olá!
Moreno aqui, chegando com mais uma Newsletter Farol Jornalismo. Vamos direto ao ponto porque é feriado e, na real, todo mundo tem coisa mais importante pra fazer. Aliás, tudo bem deixar pra ler a news na segunda-feira. 😉
⚓ Leiam O mínimo que um jornalista precisa saber sobre inteligência artificial para começar 2024, produzido e editado pelo Giuliander Carpes. Aliás, trocamos uma ideia sobre a importância do guia e o que nos motivou a produzi-lo. Leiam também.
💡 Mais uma coisa. Lembrem também de explorar as nossas projeções. A oitava edição do especial O jornalismo no Brasil foi publicada na metade de dezembro.
E ainda, leiam no blog dos nossos parceiros da serverdo.in qual é o melhor plugin para SEO do WordPress.
Hoje é Lívia (LV), Giuliander (GC) e eu (MO) assinando os tópicos.
🍂 O que a IA do Google quer oferecer para o jornalismo. O Google tá vindo forte para ~ajudar~ o jornalismo nesse lance de IA. O projeto é grande, segundo apurou o jornalista Alex Kantrowitz, em um post na newsletter Big Technology (aqui, o post aberto), que cobre as grandes plataformas e seus efeitos na sociedade. Ele disse ter tido acesso a informações de bastidores e deu uma mastigada no que parece vir por aí. Vejam o que ele escreveu sobre como a IA for journalism do Google funciona:
"Um jornalista primeiro seleciona uma fonte primária, como uma prefeitura, o departamento de parques, escola local, etc., que planeja cobrir. Com um link dessa única fonte – seja um relise, um relatório de 500 páginas ou até mesmo um tweet – o software de IA generativo do Google produz um primeiro rascunho da história, com lide, contexto, citações e o todo resto. (O objetivo é eventualmente permitir múltiplas fontes de informação.) A ideia é que um jornalista possa contribuir para esse rascunho com reportagens e verificação e, eventualmente, publicar uma história completa."
Kantrowitz afirma que o Google está testando essa IA com alguns pequenos veículos, que estão recebendo uns pilas para experimentar e dar feedback. O plano, segue ele, não é liberar pra todo mundo. E pra que tipo de jornalismo a ferramenta vai servir? Não exatamente para jornalismo investigativo, ele diz. “Estamos focados em jornalismo de serviço", disse uma das fontes do Google à qual Kantrowitz teve acesso. Mas não é só isso. A IA também vai ajudar a criar campanhas de email e posts de rede social, o que pode ajudar os veículos a gerarem receita ao promoverem seus produtos. Querem mais? O editor IA avisa de onde tirou as informações que constam no rascunho de matéria e marca (com cores) as frases que utilizam essas informações – uma forma de avisar o jornalista onde ele deve atuar fazendo a verificação, edição, etc.
Por fim, a grande questão:
"[...] este projeto será avaliado por sua capacidade de gerar melhores histórias, liberar os jornalistas para fazerem investigações mais aprofundadas, ou melhorar a qualidade de publicações corriqueiras. Existe o risco de encher a web com lixo gerado pela IA, que então vai competir com conteúdo gerado por humanos em busca de publicidade e atenção – degradando a experiência de pesquisa. O Google está ciente do risco e tenta mitigá-lo. Se terá sucesso ainda é uma questão em aberto. Mas provavelmente descobriremos em breve."
Vamos ver o que vem por aí. Não dá pra saber ainda. (MO)
🍂 Jornalismo, IA e ética: reflexões e modelos. Enquanto isso, vale a pena dar uma olhada neste post de Paul Bradshaw sobre os dilemas éticos envolvendo o uso da IA pelo jornalismo. Bradshaw argumenta que um bom ponto de partida para avaliar os impactos da entrada de uma nova tecnologia na ética jornalística é dar uma olhada no que a nossa literatura já diz sobre o assunto – e sugere o cânone Elementos do Jornalismo, de Bill Kovach and Tom Rosenstiel para começar. O professor da Universidade de Birmingham e faixa da nossa querida Lívia Vieira discute a influência da IA em questões como precisão, objetividade, interesse público, entre outros. Vejam o que ele diz sobre a relação IA x objetividade jornalística, por exemplo. A partir da definição básica de que a objetividade possível é obtida a partir da inclusão do maior número de vozes em uma história, um dos desafios no uso da IA é garantir que esse princípio faça parte dos modelos de inteligência generativa – o que, na maioria das vezes, não acontece. Cabe aos jornalistas, escreve Bradshaw, ter a responsabilidade de "estar conscientes das vozes que não estão presentes" no material oferecido pela IA, assim como "o peso das evidências factuais" por trás do que os modelos de inteligência artificial estão oferecendo. Ainda sobre o assunto, o Poynter criou um modelinho de guia de política de uso de IA para pequenas redações. Tem até um documento para baixar e basta preencher as lacunas do tipo "your newsroom here".
Outros links de IA que vimos por aí:
Tem mais um chatbot usando IA na praça. O Laboratorio de Periodismo fez uma matéria sobre o robô do jornal El Espectador, da Colômbia.
Ouçam o podcast do Journalism.co.uk para dicas sobre como criar um workflow de IA generativa em uma redação.
Jeremy Caplan testou três novas ferramentas de IA free que o Google disponibilizou.
Em vídeo, Paul Bradshaw também dá dicas sobre o uso do ChatGPT e outras IAs generativas no jornalismo. (MO)
🍂 Como será o novo ecossistema de notícias em tempos de IA. Em artigo publicado no começo da semana, o diretor do Reuters Institute, Rasmus Kleis Nielsen, se arriscou a projetar as mudanças que a IA generativa vai causar no ecossistema de notícias e do jornalismo. Segundo ele, o que vai mover os meios de comunicação em direção a um ecossistema de informação medidado pela IA vai ser a aceitação do público. Isso significa, segue ele, que pouco adianta todo frenesi em torno das novas tecnologias se o público não entra na onda. Levando em conta anos de pesquisas a respeito da relação das pessoas com outras tecnologias digitais, Nielsen aposta naquilo que ele chama de "IA pragmatism", ou seja, uma relação pragmática com a IA. Esse conceito está estruturado em três pontos: preocupação abstrata, ceticismo generalizado e apreciação prática. Explicando melhor:
"A maioria das pessoas não gosta de nenhuma dessas coisas [IA] e não é cega às imperfeições ou ao interesse próprio daqueles que estão por trás do que é oferecido, mas elas vão usá-las de qualquer maneira – provavelmente porque, no geral, as consideram úteis e que vale a pena o esforço (ao contrário da realidade virtual, por exemplo)."
É um pragmatismo, argumenta Nielsen, muito parecido com o que já existe em relação à distribuição de notícias via algoritmos: as pessoas sabem que existem limitações, mas usam igual – e saber que existe muito lixo circulando por aí não as faz automaticamente reconhecer o valor do conteúdo jornalístico, e essa é uma má notícia. Em outras palavras, as pessoas não necessariamente confiam nas "ofertas digitais" que consomem, mas é isso não as impede de consumi-las. Na outra ponta, produtores de conteúdo, observando esse comportamento, vão seguir soterrando a galera com materiais gerados por esse tipo de tecnologia. "O fato de as pessoas estarem preocupadas com as desvantagens de algo não significa necessariamente que não irão utilizá-lo se as vantagens forem claras e tangíveis", escreveu o diretor do Reuters Institute. É como se as pessoas soubessem que existem revezes e riscos, mas dissessem "azar", vambora mesmo assim, porque alguma coisa estou ganhando.
"Tirando os casos em que as empresas envolvidas deixem os termos claros, a IA generativa pode muito bem se tornar normalizada a ponto de ser naturalizada ou mesmo quase invisível, não mais perceptível ou digna de nota para a maioria de nós. Mais ou menos como o uso atual, por exemplo, dos resultado dos mecanismos de busca ou os componentes de redes neurais dinâmicas que estão por trás das recomendações das redes sociais."
Segundo, Nielsen as facilidades oferecidas pela IA para vão aguçar a "comoditização" do conteúdo jornalístico, reduzindo ainda mais o seu valor comercial daquilo. E ainda, as necessidades dos usuários tendem a aumentar a relevância e a participação de segmentos não jornalísticos na dieta informacional das pessoas, já que alguns deles vão utilizar a IA de forma muito mais agressiva que o jornalismo – que, em geral, tende a ter uma postura defensiva em relação à IA, pois num primeiro momento ela vai representar uma ameaça à existência do jornalismo como negócio. (MO)
🍂 Não existem prompts mágicos para o jornalismo no ChatGPT. Na última quinta-feira (28/3), o Farol Jornalismo marcou presença no último de uma série de quatro webinários que marcaram o lançamento de mais um programa de fortalecimento do jornalismo do ICFJ: o Empowering the Truth, que abre inscrições para grants e mentorias com foco no desenvolvimento de projetos multimídia inovadores para potencializar o alcance de informação factual. O assunto desse encontro virtual foi como tirar vantagem da IA para potencializar o jornalismo. Eu, Giuliander Carpes, fiquei feliz com a boa participação de colegas jornalistas. Logo depois da apresentação de um caso mostrado pelo diretor de IA do New York Times, Zach Seward, no SXSW, surgiram as perguntas que já antecipava: “você sabe quais prompts do ChatGPT que foram usados? Que prompt deveríamos usar para distribuição de conteúdo nas redes sociais?” Pulei então para os últimos slides da minha apresentação (sobre “engenharia de prompts”) e talvez tenha frustrado alguns colegas: Não, eu não sabia que prompts foram usados naquele caso (que, basicamente, faziam resumos de políticas públicas específicas e de livros banidos de presídios estaduais nos EUA). E eu não acho que exista um prompt mágico capaz de dar conta da distribuição de conteúdo em redes sociais para todo mundo: existem muitas variáveis. Segundo Edney Souza, que participou de um curso do Canal Meio sobre IA e jornalismo, são pelo menos 16 os atributos de um prompt que devem ser levados em consideração na criação de ordens eficientes para o ChatGPT. Os seis primeiros me parecem os mais importantes: (é possível pedir para a ferramenta emular uma) persona; dar o máximo detalhamento possível da tarefa; explicar contexto, restrições e objetivos; usar modificadores, pedindo para o ChatGPT ser, por exemplo, mais crítico ou mais favorável no seu texto; estabelecer já de partida um formato de resposta esperado (por exemplo, formato de post do Instagram); e usar expressões que deem espaço para a máquina oferecer um retorno 'criativo' (por exemplo, "e outros argumentos fortes para tornar meu conteúdo mais convincente”). A cada dia que passa a engenharia de prompts ganha mais ares de ciência com artigos acadêmicos, livros e cursos sendo disponibilizados por aí. Tem muita enganação também. O que eu tenho percebido por experiência própria e falei no webinário: é um processo que demanda muita tentativa e erro e, muitas vezes, não vale tanto a pena criar um prompt enorme, super detalhado, para pedir que o ChatGPT realize diversas funções em sequência. Tem sido mais fácil e eficiente escrever vários prompts claros e objetivos e ir guiando a ferramenta na construção do resultado desejado. (GC)
🍂 Complexificando o “news avoidance”. Está em alta na academia pesquisa ssobre o ato de evitar notícias e alguns resultados bem interessantes começam a aparecer. Os professores Mark Coddington e Seth Lewis destacaram, na newsletter RQ1, este estudo liderado por Dominika Betakova, que investigou a relação entre o baixo consumo de notícias e o ato de evitá-las. Não seria difícil imaginar que, quanto menor o consumo, maior a evitação de notícias. Mas não foi isso que os pesquisadores descobriram. Na verdade, a maioria das pessoas que evitam as notícias estão, na verdade, consumindo bastante conteúdo informativo. E a maioria que consome poucas notícias não as evita ativamente. As entrevistas feitas com 1.000 austríacos adultos mostraram que:
70% dos que evitam notícias intencionalmente relataram um consumo médio ou alto;
70% das pessoas com baixo consumo de notícias também relataram uma evitação intencional baixa ou média.
Talvez a boa notícia aqui seja: as pessoas que evitam intencionalmente as notícias e não as consomem muito constituem um grupo muito pequeno dentro da amostra dos pesquisadores. E tem mais. A evitação intencional de notícias foi percebida entre os mais jovens, com maior insatisfação com a negatividade das notícias e (surpreendentemente) um maior senso de eficácia política. O baixo consumo de notícias foi encontrado entre aqueles com menor confiança nos meios de comunicação e na política, e com menor poder aquisitivo.
Assim, poderíamos resumir o estudo da seguinte maneira:
O baixo consumo de notícias reflete um distanciamento geral da mídia e da política. Esse comportamento poderia ser melhorado por meio do aumento da confiança, da transparência e de uma abordagem mais inclusiva às notícias.
Já o ato de evitar intencionalmente as notícias decorre da necessidade de fazer uma pausa nas informações emocionalmente pesadas. Uma possível abordagem seria um jornalismo construtivo que enfatize mais as soluções. (LV)
🍂 Links diversos. Bora para nossa ronda semanal de assuntos quentes.
“O impacto da IA nas eleições e na liberdade de expressão” é o novo curso do Knight Center. Online, gratuito e em cinco idiomas. [LJR]
Últimos dias de inscrição presencial no 25º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), em Austin (EUA). [LJR]
Conheçam os ganhadores do 4º Prêmio “Não Aceito Corrupção”, de reconhecimento ao jornalismo investigativo e local. [Abraji]
Agora vocês podem ouvir as colunas da Agência Pública pelo Spotify, na voz dos colunistas. [Pública]
O podcast 'Pulitzer on the Road' analisa como são feitas as histórias vencedoras do Prêmio Pulitzer. [Poynter]
A Rádio Nacional produziu uma série de reportagens para fazer um balanço da cobertura midiática e dos desdobramentos jurídicos e políticos da Operação Lava-Jato, 10 anos depois. Neste episódio, o professor Rogério Christofoletti afirma que a imprensa brasileira tratou a Lava-Jato como um espetáculo. Para ele, o noticiário acabou interferindo na condução das investigações e nos resultados. [Agência Brasil]
Porcentagem de mulheres e pessoas negras liderando redações na América Latina está estagnada: leiam este resumo do estudo do Reuters Institute. [LJR]
Como construir redes para alcançar público e gerar impacto. [ijnet]
Esta pesquisa de mercado descobriu que a Páscoa pode ser o momento ideal para os meios de comunicação lançarem ofertas de assinatura, pois há uma sensibilidade especial neste período. [Laboratorio de Periodismo]
Mais pesquisa, agora com os profissionais do Financial Times: para eles, diversidade ainda não é prioridade na prática no setor de notícias. [Press Gazette]
Recado da União Europeia para as empresas de tecnologia: contratem factcheckers para combater fake news eleitorais. [Guardian] (LV)
É isso, gente!
Bom feriado a todos e todas.
Moreno Osório, Lívia Vieira e Giuliander Carpes
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Caio Maia, Cristiane Lindemann, Edimilson do Amaral Donini, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Luiza Bandeira, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Marcel Netzel, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Regina Bochicchio, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Rose Angélica do Nascimento, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Simone Cunha, Suzana Oliveira Barbosa, Sylvio Romero Corrêa da Costa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Washington José de Souza Filho.
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