NFJ#458 🍂 Cai o entusiasmo com a IA generativa
IA exacerba dependência jornalismo - plataformas | Highlights do 25° ISOJ | As “notas decisivas” do Clarín | No Canadá, memes tomam lugar de notícias no Facebook
E aí, gente. Tudo em cima?
Por aqui, céus de abril convidando à contemplação no privilégio que é viver em latitudes baixas durante o outono. Aliás, os mais atentos vêm acompanhando as mudanças no céu aqui no paralelo 30 há mais de 100 semanas – desde que comecei esse singelo projeto de registrar o firmamento porto-alegrense no banner da news como uma maneira de marcar a passagem do tempo e contemplar a beleza da vida. Aqui, as sexta-feiras sempre estão no clima de Dias Perfeitos.
Antes, conheçam, no blog dos nossos parceiros da serverdo.in, a importância da cobertura eleitoral regional e local.
Hoje é Lívia (LV), Giuliander (GC) e eu (MO) assinando os tópicos.
🍂 Entusiasmo com a IA generativa em queda. Há alguns meses, o professor, cientista e empreendedor Gary Marcus tem publicado em sua newsletter alguns textos que expressam pessimismo em relação ao futuro da inteligência artificial. Para ele, aquele cenário em que a IA vai substituir a maior parte dos trabalhadores parece bastante improvável - até porque, segundo John Naughton, colunista do Guardian, corremos o risco real de estarmos vivendo uma grande bolha. A newsletter The Shift elencou, na semana passada, uma série de outros textos na mesma linha, inclusive outro de Marcus em que ele prevê até data para o estouro da bolha: os próximos 12 meses.
Vamos acompanhar.
Em geral, esses autores questionam a viabilidade da IA generativa a longo prazo dados os altos investimentos que foram feitos, o uso em aparente estagnação e as receitas tímidas que produtos como o ChatGPT e afins têm gerado. Problemas fundamentais, como as alucinações dos grandes modelos de linguagem (LLMs), não mostram sinais de resolução iminente. "Enquanto isso, o próprio hype está se tornando uma espécie de fator de risco. Quanto maior o hype, maior a queda, se as expectativas não forem atendidas", escreveu Marcus. Naughton conta que perguntou para um modelo se estávamos vivendo uma bolha de IA. Foi direcionado para um artigo da Investopedia que listava as cinco fases de uma bolha: deslocamento, boom, euforia, realização de lucros e pânico. Segundo as análises, estaríamos no quarto estágio, às portas do último. Isso não quer dizer, no entanto, que será o fim da IA generativa, Marcus alerta: "A IAGen ainda vai existir e encontrará alguma utilidade, mas as avaliações e o entusiasmo poderão dissipar-se, ressurgindo apenas quando forem feitos avanços genuínos".
Se as próprias big techs que gastam bilhões de dólares para desenvolvê-los estão com problemas para viabilizá-los financeiramente, vale mesmo a pena para uma organização de notícias construir o seu próprio LLM? Num texto para o projeto Generative AI in the Newsroom, da Northwestern University (Chicago), Mowafak Allaham argumenta que, provavelmente, não. Os custos não são tão baixos quanto se chegou a pensar. Estima-se, por exemplo, que o BloombergGPT, LLM de finanças, tenha custado cerca de US$ 1 milhão, uma cifra inviável para a maioria dos veículos de comunicação hoje em dia. O autor recomenda realizar tarefas com os LLMs já existentes através da otimização de prompts e integração de outras ferramentas de IA de terceiros. O problema, aí, é o que aponta o artigo que o Moreno analisa nesta edição da NFJ. Vivemos entre a cruz e a espada (há umas três décadas, pelo menos).
Outros links sobre IA e (não necessariamente) jornalismo:
A Newsweek está tornando a IA generativa um elemento fixo em sua redação: publicação foca em produção de vídeos, uma nova equipe de breaking news e e primeiros rascunhos de algumas histórias (Nieman Lab);
Saiu a sétima edição do AI Index Report, da Universidade de Stanford, que destacou suas 10 principais conclusões na página oficial do lançamento ;
OpenAI teria contratado duas dúzias de advogados para lutar por sua sobrevivência enquanto os processos nos tribunais vão aumentando (The Washington Post);
OpenAI e Meta preparam lançamento de modelos que seriam capazes de "raciocinar" (Financial Times);
IA tem um problema de medição (The New York Times);
Cada vez mais gente está reavaliando a posição do Google na "corrida do ouro" da IA (Big Technology)
(GC)
🍂 IA exacerba dependência do jornalismo em relação às plataformas. O paper saiu no final do ano passado, mas vale a pena a gente trazer à luz porque, né, IA tá tomando conta de tudo. E de vez em quando vale a pena pensar pra onde a gente tá indo. E eu diria que estamos sendo engolidos pelas plataformas. E o mais maluco é que estamos nadando de braçadas em direção à boca desses monstrengos. Neste artigo publicado na Digital Journalism em novembro passado, o pesquisador Felix M. Simon argumenta que a inteligência artificial "remodela a dependência dos publishers em relação às empresas de plataforma, exacerbando as dependências existentes no lado da distribuição e introduzindo novas dependências no lado da produção" jornalística. Para chegar a esta conclusão, ele entrevistou 121 pessoas de veículos importantes de Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha – onde a IA é utilizada de maneira direta (tradutores, análise de documentos, reconhecimento de caracteres, etc) e indireta (especialmente em cloud services baseados em IA). Ao perguntar por que os publishers contam com essas plataformas de IA, Simon ouviu que, em geral, os custos de desenvolver algo parecido é o principal motivo para se jogar no colo dessas empresas. Um dos resultados é uma lacuna cada vez maior, em termos de domínio da IA, entre publishers e plataformas. Além disso, os entrevistados afirmaram que não é missão dos seus veículos desenvolver modelos de IA, e que é melhor deixar esse trabalho "para quem sabe". Um chefe de dados de um veículo alemão disse o seguinte: "[...] se você realmente deseja transformar os dados em algo, precisa de consistência ao longo de anos e talvez até décadas. E isso sempre fala a favor de se comprometer de alguma forma com um sistema [fornecidos pelas plataformas]". A dependência gera preocupação, claro. Mas, no geral, galera não vê muita saída. Escreveu Simon:
"A maioria dos entrevistados em todos os países, organizações e departamentos, no entanto, dizem que estão preocupados com o aumento das dependências existentes nas empresas de plataforma devido ao uso de IA pelos editores, tanto na distribuição como na produção. [...] muitos vêem tal desenvolvimento como inevitável, especialmente se as organizações noticiosas quiserem aproveitar as oportunidades proporcionadas pela IA."
À dependência, somam-se outras preocupações, como a falta de controle sobre os sistemas de IA – especialmente em relação a eventuais erros ou vieses, mudanças arbitrárias nos sistemas e o aumento de poder das plataformas e o consequente avanço sobre o campo jornalístico (em bom inglês, winner-takes-all). Na discussão final, Simon afirma que não há almoço grátis: ao usar a infraestrutura e a tecnologia das plataformas, os publishers cedem parte do controle que possuem sobre sua própria capacidade de ação. Além disso, o pesquisador sublinha um aspecto interessante, a partir de sua análise, do movimento do jornalismo em direção à IA: isomorfismo institucional. Em bom português, o medo de ficar pra trás. “A incerteza e o medo de ficar para trás também são fortes motivadores para usar a IA das plataformas: é algo que os mais bem-sucedidos entre os pares fazem, algo que produz resultados e, portanto, é visto como algo que vale a pena imitar", escreveu Simon. (MO)
🍂 Highlights do 25° ISOJ. Na semana passada, aconteceu em Austin (EUA) a 25ª edição do Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), organizado pelo professor e jornalista brasileiro Rosental Alves, do Knight Center. Os números atestam a importância do evento: quase 1.000 participantes de 74 países, 79 palestrantes e 11 painéis. Selecionamos alguns textos da cobertura do simpósio, começando pela palestra da CEO do New York Times, Meredith Kopit Levien, sobre a busca por um modelo de negócios sustentável. Com mais de 10 milhões de assinantes, ela tem LUGAR DE FALA, não é mesmo? Para ela, o segredo é "fazer um produto tão bom que pessoas em grande número o procuram e o procuram regularmente, abrem espaço para ele em suas vidas, e fazem isso diariamente". Gostei dessa síntese, que só parece ser simples. Meredith elencou 5 coisas que o Times fez para ser rentável:
Faça algo pelo qual valha a pena pagar, destacando o jornalismo de qualidade e a decisão pelo paywall, no ar desde 2012.
Tome as decisões difíceis, no caso do Times, baseadas em quatro premissas – digital first, subscription first, relações diretas com a audiência e múltiplos fluxos de receita. E vejam vocês. 65% das receitas atuais vêm do digital, e apenas 30% do impresso. Além disso, três quartos dessa receita vêm de assinantes.
Não deixe que a tradição sufoque a inovação – como exemplo, Meredith afirmou que a tradição da pirâmide invertida foi quebrada para possibilitar novas formas e formatos de contar histórias.
Para mudar o negócio, é preciso mudar a forma como trabalhamos – hoje, a operação comercial do Times é parecida com a de grandes plataformas como Spotify e Netflix.
Liderar com ambição – "Nossa ideia para o New York Times é ser a assinatura essencial para toda pessoa curiosa que quer entender e se envolver com o mundo", disse a CEO.
Do global para o local, destacamos também o painel de Wendi C. Thomas, fundadora do site sem fins lucrativos “MLK50: Justice through Journalism”, criado em 2017 com a meta de ser uma redação centrada nas "pessoas tradicionalmente empurradas para as margens". A ideia surgiu após decepções, assédios e ameaças em seus anos de trabalho na mídia tradicional de Memphis, no Tennessee (EUA). Vejam que forte essa declaração dela:
"Eu costumava pensar que as redações tradicionais poderiam ser reformadas – uma pequena mudança aqui, mais alguns tomadores de decisão negros ali, mas não acho mais isso. Acho que fazer justiça com o jornalismo requer que você reimagine completamente o que é uma redação e o que ela poderia ser”.
A redação do MLK50, liderada por pessoas negras, representa a audiência que atende. Segundo a jornalistas, dois terços dos moradores de Memphis são negros e mais de 50% são mulheres. Após alguns anos difíceis financeiramente, a primeira doação de US$ 100 mil fez seu negócio começar a fluir. Hoje, a equipe tem 10 pessoas e vai aumentar para 14 até o fim do ano.
Para quem quiser se aprofundar no fim de semana, indicamos mais alguns resumos de painéis do ISOJ:
Sobre jornalismo e IA
“O componente humano está sempre no meio” – Sebastián Auyanet Torres, estrategista de audiência da NowThis.
Estruturação de dados e design colaborativo – usos de IA nas redações para melhorar o jornalismo.
Sobre relacionamento com a audiência
Os meios de comunicação precisam atender o público onde ele estiver – desafios de suprir as necessidades da audiência.
Elementos que jornalistas podem aprender com influenciadores – transparência, conexão com o público, informações compreensíveis e uso de emoções.
Sobre cobertura de guerra
Missão impossível: as estratégias do Meduza, veículo independente russo, para fugir da censura do Kremlin.
Técnicas OSINT e SOCMINT se mostram eficazes na reportagem investigativa em contextos de guerra, e estão cada vez mais acessíveis aos jornalistas.
Sobre jornalismo local
Num mundo cada vez mais polarizado, o jornalismo pode oferecer uma forma de enfrentar este desafio? Jornalismo local e jornalismo de soluções podem ser a saída.
Estratégias para melhorar as receitas dos meios de comunicação e projetos locais. (LV)
🍂 As “notas decisivas” do Clarín. Com mais de 700 mil assinantes, o jornal argentino Clarín, um dos mais importantes em língua espanhola do mundo, criou uma estratégia jornalística interessante para a conversão de assinaturas digitais. Batizada internamente de “nota decisiva”, a ideia é impulsionar a aquisição de assinantes com material jornalístico que os faça tomar a decisão de pagar pelo conteúdo do Clarín. A estratégia está detalhada no livro “Clarín, atualizado”, do jornalista e consultor Ismael Nafría, e resumida neste texto para a Revista de Innovación en Periodismo, da Universidad Miguel Hernández. As editorias envolvidas na produção desse tipo de conteúdo são as de Política, Economia, Sociedade, Opinião (colunistas), Mundo, Esportes e Serviços. Os artigos preparados como "notas decisivas" são fechados a não assinantes e decididos nas reuniões de pauta. Uma nota é considerada com valor diferenciado quando gera mais de cinco novos assinantes. E quais são as características básicas destas notas ou artigos?
Exclusividade
Quando algo não é exclusivo, o leitor pode facilmente optar por procurá-lo em outro lugar. Na avaliação do Clarín, uma boa nota decisiva é aquela que o leitor acredita que encontrará "apenas no jornal" e "gera impulso suficiente para o leitor assinar". Por exemplo, colunas de determinadas pessoas, algumas análises políticas ou as pesquisas políticas exclusivas do Clarín.
Qualidade e profundidade
Independentemente do gênero jornalístico, uma nota decisiva deve ter qualidade e profundidade, uma vez que "a conversão é potencializada por peças bem elaboradas, rigorosas e completas".
Ótima experiência digital
Esse tipo de conteúdo deve cumprir os requisitos básicos de SEO e desenvolver ao máximo a narrativa digital, porque "as peças que apresentam a melhor experiência digital conseguem melhores resultados".
Utilidade para o leitor
Outro conceito essencial que torna uma nota decisiva é o de "utilidade imediata" para o leitor. As notas da editoria de Serviços, que são práticas e úteis para a audiência, são um bom exemplo disso. Ou seja, o fato de a informação trazer um claro benefício para o leitor também é um elemento definidor de uma nota decisiva efetiva.
Um estudo interno realizado pelo Clarín com base nos 600 artigos que mais geraram assinantes entre maio de 2021 e maio de 2022 identificou nove características dominantes nas histórias decisivas: são exclusivas, assinadas, ligadas a acontecimentos atuais, com títulos persuasivos, foco definido, com mais de 1.000 palavras, sobre questões que afetam diretamente a vida das pessoas, com profundidade e das editorias de opinião e serviços. (LV)
🍂 No Canadá, memes tomam lugar de notícias no Facebook. A legislação do Canadá, vocês sabem, exige que as plataformas paguem aos publishers pelas notícias que circulam em seus ambientes. Em resposta à lei, a firma de Mark decidiu banir links de veículos noticiosos do Face. O resultado? As pessoas estão se informando por memes. É o que nos conta esta matéria da Reuters, que analisou resultados de dois estudos ainda não publicados (pezinho atrás, mas ok) para afirmar que o "bloqueio de links de notícias levou a mudanças profundas e perturbadoras na forma como os usuários canadenses do Facebook interagem com informações sobre política". Segundo o autor de um dos estudos, Taylor Owen, fundador e diretor do Centro de Mídia, Tecnologia e Democracia da McGill University, de Montreal, “as notícias comentadas nos grupos políticos estão a ser substituídas por memes". Ele acrescenta ainda que "a presença do jornalismo e de informações verdadeiras" nos feeds [monitorados por eles] já era. Antes da treta, postagens de notícias recebiam entre 5 e 8 milhões de visualizações por dia no Facebook. Agora, quem postar um link de um canal jornalístico na rede azul do Mark vai receber uma mensagem informando que notícias estão proibidas de circular na plataforma. Um dos efeitos colaterais foi o aumento das audiência de grupos e sites de influenciadores e comentaristas políticos. A Reuters entrevistou um deles: Jeff Ballingall, produtor de memes de direita do canal Canada Proud, viu seu número de seguidores disparar. “A mídia vai se tornar mais tribal e de nicho”, disse ele à reportagem. (MO)
🍂 Diversos. UOL muda linha editorial e demite jornalistas (Portal dos Jornalistas) | Jornalista, professora e escritora Fabiana Moraes será a homenageada do 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo (Abraji) | Knight Center lança curso massivo e gratuito sobre jornalismo de soluções (Knight Center) | Inscrições abertas para webinar do Redação Aberta sobre uso de inteligência artificial nas redações em 30/4 (Redação Aberta) | Dicas de um podcaster iniciante para uma boa captação e edição de programas (IJNet) | Quer diversificar suas fontes? Busque variadas associações (IJNet) | As narrativas jornalísticas mais destacadas de 2023 - parte 1 (Revista de Innovación en Periodismo) | Cinco dicas para gerenciar melhor o seu tempo de telas como jornalista (Journalism.co.uk).
É isso, gente!
Bom final de semana e até sexta que vem.
Moreno Osório, Lívia Vieira e Giuliander Carpes
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Caio Maia, Cristiane Lindemann, Edimilson do Amaral Donini, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Luiza Bandeira, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Marcel Netzel, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Regina Bochicchio, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Rose Angélica do Nascimento, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Simone Cunha, Suzana Oliveira Barbosa, Sylvio Romero Corrêa da Costa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Washington José de Souza Filho.
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https://www.linkedin.com/posts/pedro-burgos-1b3424a_quando-sugiro-a-jornalistas-que-experimentem-activity-7188184417050202112-y09r?utm_source=share&utm_medium=member_desktop queria deixar uma recomendação de link para a próxima edição da news. muito legal como o Pedro Burgos utilizou o ChatGPT para desenvolver uma notícia sem vieses.