NFJ#486 🌱 O preço do não-endosso editorial na eleição dos EUA
Quando a imprensa divulga fakes | Imprensa libera conteúdo para treinar IA de graça | Proteção de jornalistas é tarefa das empresas | Jornalistas prezam pela objetividade. E a audiência? 💎
E aí, gente!
Moreno aqui, e o Natal taí. Engata a quinta e bora!
No fim da newsletter há um diamante (💎). Hoje eu faço a leitura de um artigo publicado na Journalism Practice sobre a percepção de jornalistas e público chilenos sobre quais as características de um jornalismo de qualidade. Spoiler: profissionais e audiência concordam em um ponto: os valores canônicos da atividade. Mas tem um aspecto trazido pelo público que não costuma estar no nosso horizonte. Vocês imaginam qual é? Nossos apoiadores aqui e no Apoia-se saberão.
Quem aposta financeiramente no nosso trabalho também tem acesso às rodadas semanais de links sobre IA e jornalismo – escolhidos a dedo pelo Giu – no nosso banco de dados sobre o assunto, acessível via Centro de recursos.
TÁ CHEGANDO O PIX DAY DO FAROL JORNALISMO. ANTECIPE SEU AMOR PELA NFJ
Hoje estamos eu (MO), a Lívia (LV) e o Giuliander (GC).
Bora.
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Antônio Laranjeira, Antonio Simões Menezes, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Carlos Alberto Silva, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Rose Angélica do Nascimento, Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvia Franz Marcuzzo, Silvio Sodré, Simone Cunha, Suzana Oliveira Barbosa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
Quer fazer parte dessa seleta lista? Apoie o Farol Jornalismo no Apoia-se ou escolha o plano Conselheiros, no Substack. Essas modalidades de apoio dão direito a informar uma URL para inserir um link ativo no seu nome.
🌱 Quando a própria imprensa de referência divulga notícias falsas. Olha, dá um desânimo. Na antevéspera do primeiro turno das eleições municipais, o candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) publicou nas redes sociais um laudo falso que atestaria a internação do adversário Guilherme Boulos (PSOL) numa clínica em 2021 com um suposto "surto psicótico grave" causado por cocaína. Nesse caso, a imprensa foi rápida e constatou inconsistências do documento rapidamente. O ex-coach acabou ficando fora do segundo turno e deve responder a processos. Mas algo semelhante ocorreu logo na manhã da votação definitiva: o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) deu uma entrevista logo após votar dizendo que o PCC havia orientado o voto em Boulos. E a Folha de S. Paulo se apressou em divulgar a "bomba" com uma manchete que não questionava a veracidade da declaração, print que deve ter sido usado à exaustão pela máquina de divulgação de desinformação da extrema direita. A manchete e a postagem foram corrigidas mais tarde, mas o estrago já estava feito (não que Boulos tivesse qualquer chance de se eleger nesse segundo turno, diga-se). No Instagram, Cecília Oliveira (The Intercept Brasil e Fogo Cruzado), desabafou: "O jornalismo declaratório é o antijornalismo: espalha fake news como quem diz combater, manipula a opinião pública, não apresenta provas. Não é novidade, claro, mas é preciso sempre apontar os erros por dois motivos: pra se diferenciar disso - eu sou jornalista mas não desse tipo aí - e porque criticando a gente vai mostrando para os leitores que há diferença e que isenção jornalística é um mito". Até agora, pelo menos, o assunto não foi abordado pela ombudsman do jornal. Nada deve acontecer com Tarcísio. Ou com a Folha. Coincidência ou não, SP registrou recorde de abstenção (31%), um sintoma que demonstra o desânimo dos eleitores com a política, segundo analistas. O que não é uma exclusividade brasileira, diga-se. De acordo com um estudo do Blue Owl Group, que avaliou o cenário em cinco eleições (Taiwan, Indonésia, África do Sul, México e União Europeia), a desinformação tem sido utilizada cada vez mais não apenas para atacar candidatos como para minar as fundações democráticas. "Em Taiwan, narrativas retratando a democracia como 'bagunçada, ineficaz e caótica' ganharam força, corroendo a confiança pública nas instituições democráticas. No México, observamos como a desinformação alimentou um clima de medo, desconfiança e danos no mundo real — mais de 130 incidentes de violência contra candidatos políticos foram registrados", escreveu o consultor Ian Plunkett. Vamos ladeira abaixo. (GC)
🌱 Imprensa brasileira libera conteúdo para treinar IA de graça. Em algumas edições passadas da NFJ abordamos a questão das disputas dos veículos de comunicação gringos com as plataformas para a permissão de uso de conteúdo noticioso para o treinamento de sistemas de inteligência artificial. Em suma, um grupo de publishers cujo membro mais notável é o New York Times preferiu acionar judicialmente a OpenAI, dona do ChatGPT, pelo uso supostamente indevido de material original. Já outro grupo, liderado pela News Corp de Rupert Murdoch (dona do Wall Street Journal e do Times, entre outras publicações) e por agências de notícias como Reuters e Associated Press, tem assinado acordos (secretos) liberando a utilização do conteúdo mediante uma compensação financeira. Aqui no Farol a gente ficava se perguntando porque nenhum veículo brasileiro havia anunciado ainda nem um processo nem um acordo desses (até consultamos a ANJ a respeito) e a resposta pode estar implícita nesse levantamento do Núcleo. Ele aponta que 99% dos 4 mil sites de jornalismo brasileiros catalogados no Atlas da Notícia não tomaram nenhuma atitude para bloquear o uso de seus conteúdos para treinamento de sistemas de IA - o que se dá pela disponibilização de regras dentro do arquivo robots.txt na arquitetura dos sites. 35% dos veículos brasileiros sequer possuem esse arquivo e apenas 1,2% deles apresentam regras de bloqueio em suas diretrizes. Justiça seja feita, a maior parte dos veículos mais conhecidos (como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, G1, etc.) faz o bloqueio e mantém a possibilidade de negociar um acordo e receber alguma compensação. Mas alguns estão comendo bola - é o caso, por exemplo, da rádio Globo e dos jornais Valor e O Globo, esse último tendo lançado o projeto Irineu recentemente para tocar a inovação em produtos que usam IA para a audiência. Vai entender. A propósito, a OpenAI lançou nesta quinta-feira (31/10) o ChatGPT Search, que segundo a empresa oferece respostas mais rápidas às pesquisas na web com links para fontes relevantes. E usou os acordos com grandes provedores de notícias como uma espécie de avalista da qualidade da atualização, inclusive destacando frases de diretores de grandes publishers como Le Monde, Vox e Axel Springer elogiando a novidade e demonstrando grande expectativa de que ela vai ser positiva para a mídia. É ver para crer. (GC)
🌱 Proteção de jornalistas é responsabilidade das empresas. Não é novidade a violência externa contra jornalistas. Os casos de políticos, empresários e até juízes que assediam profissionais da imprensa se acumulam (e neste bloco vamos citar exemplos). Mas pouco se fala da violência interna, a do nível organizacional, que acontece dentro das redações e se insere num contexto mais geral de intensa precarização do trabalho jornalístico. Neste artigo para o ObjEthos, a professora Janara Nicoletti enfatiza que, não só as empresas são negligentes quando a violência externa acontece – não desenvolvem protocolos de suporte e por vezes revitimizam os profissionais – como também fecham os olhos para os diversos tipos e níveis de violências internas cotidianas. Levanta a mão quem já vivenciou ou presenciou o que Janara descreve a seguir:
“Em debates, entrevistas e comentários de jornalistas, conseguimos identificar violações individuais e coletivas que ocorrem dentro das redações, mas são muito difíceis de serem mensuradas em estudos ou monitoramentos. Podemos destacar aqui (...) regras editoriais que incentivam a competitividade de forma exagerada e resultam em práticas hostis entre colegas de trabalho; pressão por produtividade e metas incompatíveis de se alcançar, resultando em um ambiente no qual gritos, comentários vexatórios ou ofensivos passam a fazer parte da rotina; o ritmo acelerado que às vezes impede até ações biológicas como ir ao banheiro ou comer; além de práticas discriminatórias, bullying, assédio moral e sexual comuns em alguns locais”.
Mas e quando o (a) jornalista não faz parte de uma empresa? É aí que a violência externa encontra seu lado mais maléfico, já que, mesmo que assédios não resultem em condenação, cumprem o papel de intimidar o profissional independente. É o que discute este episódio do podcast “Vozes em risco”, da Artigo 19, a partir do caso de Amanda Miranda, que foi alvo de assédio judicial pela deputada federal do PL Julia Zanatta. Neste texto, a Abraji, que acolheu a jornalista pelo “Programa de Proteção Legal para Jornalistas”, explica que Zanatta questiona uma publicação feita por Amanda em sua conta no X, a partir de dados públicos. A jornalista é alvo de duas ações, uma de natureza civil, e outra que pede sua condenação criminal.
Para vocês terem uma ideia, na reta final do segundo turno das eleições municipais, o monitoramento de ataques online contra a imprensa da Fenaj encontrou 799 ofensas ao trabalho de jornalistas e meios de comunicação. Os números evidenciam “o retorno do X/Twitter como principal plataforma de agressões a jornalistas”, diz o texto. E mais: a rede social de Elon Musk pediu o desbloqueio do perfil do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que felizmente foi negado nesta quinta pela Primeira Turma do STF. “O pedido foi feito pelo X no âmbito do processo movido pela jornalista Juliana Dal Piva, após o influenciador publicar prints falsos com uma conversa forjada para ligar a jornalista a irregularidades em investigações da PF contra integrantes do governo Bolsonaro”, informa esta matéria do ICL Notícias. “A principal fundamentação da Primeira Turma foi a de que a rede social não poderia postular em nome de direito alheio, ou seja, em defesa de Alan dos Santos”, afirma o advogado da jornalista, André Matheus. Agora vejam que perigo se essa moda pega. (LV)
🌱 O preço do não-endosso editorial. Endossar candidatos em editoriais é uma prática histórica em veículos jornalísticos dos EUA mas, nesta eleição presidencial, muita coisa mudou. Na reta final, Will Lewis, publisher do Washington Post, anunciou que o jornal não apoiará mais as disputas presidenciais daqui em diante, defendendo que os leitores deveriam tomar suas próprias decisões. Jeff Bezos, dono do Post, afirmou que o endosso a candidatos não muda voto e afeta a imagem de imparcialidade do jornal. De acordo com Hamish McKenzie, cofundador do Substack, Bezos é coerente ao dizer que “os americanos confiam menos na mídia do que confiam até mesmo no Congresso, e qualquer organização de notícias nos dias de hoje que se apresente como imparcial prejudica sua própria credibilidade ao parecer tomar partido”. No entanto, ele afirma que o Post é uma instituição fora do lugar e fora de seu tempo. Em movimento muito semelhante, o Los Angeles Times também anunciou o não-endosso, decisão que, de acordo com o proprietário do jornal, Patrick Soon-Shiong, “seria menos polêmica em um ano eleitoral tumultuado”.
Nos bastidores, no entanto, as informações que circulam são bem diferentes. O jornalista Tim Redmond conta que tanto o Post quanto o LA Times já tinham endossos prontos a Kamala Harris, que foram vetados pelos donos dos jornais no último minuto. Para entender as decisões, Redmond lembra que se trata de dois bilionários (Jeff Bezos é fundador da Amazon e Patrick Soon-Shiong fez fortuna na indústria farmacêutica), e “Trump tem sido muito bom para os ricos, diminuiu seus impostos e prometeu cortar ainda mais”. Ele lembra que Soon-Shiong buscou um cargo de gabinete na administração Trump e que Bezos também comanda a Blue Horizon, “uma empresa espacial que está buscando contratos federais”. Segundo o Daily Beast, uma reunião entre Bezos e Trump levou o jornal a retirar seu apoio a Harris.
Jon Allsop enumera as consequências das duas decisões, neste texto para a CJR: Bob Woodward e Carl Bernstein, os repórteres do Watergate, se disseram surpresos e decepcionados. Marty Baron, ex-editor do Post, classificou como "covardia". Dezenove colunistas protestaram, nas próprias páginas do jornal, lamentando o abandono das suas "convicções editoriais fundamentais". Dois deles se demitiram e o número impressionante de 250.000 leitores cancelaram a assinatura do Post (o que representa cerca de 10% dos assinantes digitais). No LA Times, a editora Mariel Garza pediu demissão, por “não concordar com o silêncio”, e foi seguida por dois membros do conselho editorial. Também houve milhares de cancelamentos de assinaturas. Na avaliação de Jon Allsop, a “aparência de interesse próprio” entra no debate sobre a morte – ou não – do endosso editorial. Para ele, os dois casos acabaram por mostrar que ele ainda tem muita força.
Mas e o New York Times? No fim de setembro, o conselho editorial do jornal publicou seu endosso a Kamala Harris, afirmando que trata-se da “única escolha patriótica para presidente”. Esta semana, um novo editorial foi ainda mais contundente, elencando o que Trump disse que irá fazer – como perseguir inimigos e ordenar deportações em massa – e pedindo para que os leitores acreditem nele. Mas também há turbulências no Times: os profissionais de tecnologia estão ameaçando uma paralisação que pode colocar em risco a atualização da “agulha eleitoral”, produto de muito sucesso do jornal (nesta entrevista para o Reuters Institute, o editor Wilson Andrews detalha o planejamento dessa previsão em tempo real). Nesta reta final, com ou sem endosso editorial, o analista de mídia da CNN Brian Stelter defende que “a coisa mais importante que a imprensa deve comunicar é a incerteza”. (LV)
🌱 Quatro notícias da indústria e um evento
O La Nación clonou a voz dos seus jornalistas para que os leitores escutem artigos de opinião com a voz de seus colunistas. Os profissionais participaram de sessões de gravação para que a IA captasse o tom, cadência e pronúncia de cada um.
Jornalismo acumula perda de 962 postos formais de trabalho entre janeiro de 2023 e agosto deste ano. Segundo dados do Caged compilados pela Fenaj, somente em 2023, o saldo foi negativo em 867 postos. Em 2024, de janeiro a agosto, o resultado entre admitidos e desligados ficou negativo em 95 vagas.
Jornalista faz da Lei de Acesso à Informação arma por direitos e democracia. "Nenhuma organização é capaz de suprir todas as necessidades da população, só o Estado. A gente faz com que ele entregue o que tem que entregar à sociedade”, diz Maria Vitória Launberg Ramos, da Fiquem Sabendo.
Resumos de final de ano podem ser uma boa oportunidade para estreitar laços com os assinantes. Tal como faz o Spotify com os dados dos hábitos de seus usuários, veículos de imprensa também podem incentivar a interação com seus leitores a partir da gamificação.
Webinar: Eleições no Brasil 2024 – Investigando candidatos eleitos. Iniciativa da GIJN reunirá “quatro jornalistas experientes para trazer dicas, técnicas e ferramentas para repórteres interessados em investigar diferentes aspectos dos candidatos eleitos durante a eleição brasileira de 2024”. Vai ser no dia 7/11, 18h. (MO)
💎 Jornalistas prezam pela objetividade. A audiência quer jornalistas que ouçam. Pelo menos no Chile. Na real, em todo lugar, né, galera. Mas foi a esta conclusão que as pesquisadoras chilenas Claudia Mellado e Constanza Gajardo chegaram ao entrevistar 30 jornalistas e 64 representantes da audiência sobre o que, na percepção do público, “constitui o bom jornalismo” e como “jornalistas e audiência veem uns aos outros”. As aspas são de Mark Coddington e Seth Lewis, que repercutiram, na newsletter RQ1, o paper publicado na Journalism Practice. A seguir, usando o que foi sublinhado pelos pesquisadores norte-americanos, vamos dar uma olhada nos principais achados de Mellado e Gajardo, inclusive o porquê de haver essa distância entre o que nós queremos dizer e o que a audiência quer ouvir. Vamos? (MO)
Keep reading with a 7-day free trial
Subscribe to Newsletter Farol Jornalismo to keep reading this post and get 7 days of free access to the full post archives.