É hora de reconquistar o público capaz de garantir a sobrevivência do jornalismo
Em 2024, mais do que métricas de audiência, se seguirmos as indicações que as crianças e os jovens nos dão ao falar sobre as notícias, as narrativas jornalísticas ganharão qualidade e relevância
“Quem aqui já leu um jornal impresso no papel?”, perguntamos para os nossos alunos iniciantes do curso de Jornalismo em 2023. A resposta, já imaginávamos, foi óbvia: nenhum. Nem em Porto Alegre, nem em Campinas, cidades onde lecionamos, os universitários que escolheram ser jornalistas têm o hábito de folhear páginas para se informar. A diferença é que os futuros repórteres gaúchos disseram que nunca tinham visto uma Folha de S. Paulo ou outro jornal impresso em formato standart. A referência para eles são os tabloides, comuns no estado, misturados com brinquedos, balas e outras bugigangas que enxergam de longe nas poucas bancas de revista que restam.
Se o jornalismo no papel ficou em um passado muito, muito distante para as novas gerações, a consulta a portais de notícia também já não interessa mais. A edição de 2023 do Digital News Report, pesquisa anual publicada pelo Instituto Reuters, aponta que a maioria das pessoas com menos de 35 anos usa as redes sociais, mecanismos de pesquisa ou agregadores de conteúdos para ler notícias. Algumas análises sobre essas tendências chegam a dizer que o desinteresse dos jovens por notícias sempre existiu. Será? Para compreendermos melhor essa relação e refletirmos como ela se dará em 2024, é preciso antes pensar em outras questões, como quem abandonou quem primeiro e o que é notícia para os jovens de hoje.
O fato é que qualquer grupo só é reconhecido socialmente no mundo capitalista quando consome. Para o jornalismo — sempre com um olho nos valores da profissão e outro no mercado —, os jovens, pelo menos os com certo poder aquisitivo, só começaram a interessar quando, entre os anos 1950 e 1960, passaram a formar uma categoria social distinta das outras, com características próprias e com necessidades específicas de consumo. Eram as culturas juvenis que surgiam, representadas no cinema, na música, na literatura, nos quadrinhos, nas artes visuais e, consequentemente, no jornalismo. No mundo todo, jovens passaram a ser relacionados com um estilo de vida marcado pelo desejo de liberdade, diversão, aventura e pelo interesse por entretenimento. E todas essas ambições se transformaram em produtos.
A descoberta da juventude pelo jornalismo
Foi a partir dessa época que a imprensa direcionada aos jovens cresceu, já que parte desse público ganhou maior poder de consumo. Foi também o momento em que o jornalismo passou a ser segmentado por faixas etárias – entre outros nichos. A primeira revista brasileira voltada para adolescentes foi a Pop, lançada pela Editora Abril em 1972 e que se dizia direcionada para “rapazes e moças” de 14 a 20 anos. Depois dela, uma série de revistas passou a mirar essa faixa etária, acompanhando o crescimento desse mercado também no cinema, na música, na televisão.
Nos anos 1980 e 1990, o jornalismo para os jovens cresceu ainda mais. Foram criados os cadernos especializados, como a Folhateen, da Folha de S. Paulo, e o Suplemento Juvenil, no Estadão. Passou também a existir uma preocupação com linguagens e estéticas que agradassem especificamente aos jovens. A revista Capricho é um exemplo disso: em 1985, conseguiu mudar a imagem que carregava como publicação de fotonovelas para se tornar uma confidente das meninas, que buscavam na revista informações sobre sexo, por exemplo, e não se sentiam à vontade para falar com suas mães e mesmo com suas amigas sobre o assunto. A tiragem média de 80 mil exemplares do início daquele ano pulou para 330 mil em 1987.
Todo esse contexto já não faz mais sentido hoje, é claro, e uma grande preocupação de quem produz jornalismo para jovens é justamente que a adolescência e a juventude são períodos de muitas mudanças e, portanto, difíceis de acompanhar, ainda mais com as mutações culturais de cada época. Além disso, as transformações tecnológicas e de formatos de produção de conteúdo são cada vez mais rápidas. E o mercado, tradicionalmente, lança dispositivos digitais com foco nos mais novos, de modo a associar o uso desses aparelhos com as ideias de modernidade, de renovação.
Mas, afinal, se os jovens se interessavam por jornalismo no passado, por que atualmente não se interessam? É evidente que essa questão é muito complexa e não tem resposta única. A maioria das pesquisas de mercado indica que a solução para as grandes empresas se aproximarem dos mais jovens é explorar esses formatos que lhes interessam mais, ou seja, é produzir notícias, por exemplo, no TikTok. Nossos estudos têm indicado, no entanto, que isso, ainda que interessante, não é uma receita infalível. Ao contrário.
O jornalismo se afasta dos mais jovens
Em primeiro lugar, entendemos que os jornalistas precisam incluir as vozes dos mais novos em suas notícias e reportagens. E isso inclui as crianças. Em consonância com outros autores, temos identificado que raramente elas (e também os adolescentes) têm seu direito de participação respeitado pelo jornalismo. Normalmente não são entrevistados e, quando são, suas falas aparecem de modo estereotipado, enquadrando a infância e a adolescência repetidamente em algumas poucas representações – como inocentes, ou consumidoras, ou vítimas, por exemplo. Além disso, é comum os adultos darem entrevistas pelas crianças e adolescentes, falando em seu nome.
Analisando os manuais de redação dos cinco maiores jornais brasileiros, identificamos que as crianças são citadas apenas como pessoas protegidas pela lei. É o receio da punição que rege a redação dos verbetes, ressaltando o descumprimento da legislação que a reportagem pode gerar, e não a preocupação com a criança como cidadã a quem o jornalismo deve servir. O mesmo tem acontecido com os adolescentes. A violência e os importantes debates sociais que foram crescendo no sentido de proteger os mais novos de exploração sensacionalista por parte da imprensa acabaram fazendo com que eles fossem esquecidos pelo jornalismo, até mesmo em reportagens em que são protagonistas e nas quais não correm o risco de exposição negativa. O jornalismo, portanto, não inclui as crianças e os adolescentes como fontes – e de certa forma até os temem –, sem perceber a importância dessa inclusão. Os jovens maiores de idade costumam aparecer mais, porque escapam a essas diretrizes legais, mas ainda assim surgem cercados de estereótipos: ou como seres problemáticos ou como representantes de uma geração que renovará os contratos sociais.
Além disso, as empresas deixaram de produzir suplementos, revistas, sites direcionados a todos esses públicos, com o argumento da falta de retorno financeiro, e também não produzem conteúdo que seja compreensível para os mais novos. Portanto, eles não se enxergam nas produções jornalísticas, e, desse modo, também não são considerados cidadãos competentes para falar sobre o mundo que os rodeia. Esse afastamento foi um tiro que as empresas jornalísticas deram no próprio pé: por falta de lucratividade mais imediata, em meio à crise provocada pela migração da publicidade para a internet, o jornalismo abandonou um vasto público consumidor de informação hoje e do futuro. E isso é diretamente responsável pelo fato de o conceito que os jovens têm de notícia na atualidade não ser o mesmo dos mais velhos.
Os jovens indicam o caminho
Nossas pesquisas têm indicado que adolescentes brasileiros, de diferentes classes sociais, denominam como notícias publicações que veem nas mídias sociais, vindas de diversas fontes: influenciadores, páginas oficiais de instituições e outros agentes que se propõem a interpretar os fatos. Nessas canais, eles encontram informações sobre seus temas de interesse — que são muito variados, envolvendo desde política a dicas de educação financeira —, abordadas com linguagem didática e clara. E essas narrativas, segundo eles, não estão presentes em títulos tradicionais da imprensa brasileira. Isso não significa que não consultam materiais provenientes do chamado “jornalismo profissional” para entender alguns acontecimentos cotidianos, porém eles reportam que ali muitas vezes há narrativas com linguagens desinteressantes e que escondem os interesses das empresas de comunicação e, portanto, não são totalmente confiáveis.
Os jovens que ouvimos também se veem como uma geração mais preocupada com a diversidade, com o aquecimento global e com o combate ao preconceito. Novamente, criticam o jornalismo, porque afirmam que ele pouco aborda essas temáticas e, quando o faz, as notícias se resumem a denúncias e relatos de fatos negativos, sem oferecer caminhos para a responsabilização de indivíduos e instituições envolvidas com os casos e para transformar esses cenários.
Algumas iniciativas do jornalismo, porém, parecem ter percebido essa lacuna, e passaram a investir nos mais novos como público preferencial, entendendo ainda a pluralidade das culturas juvenis. Exemplo disso é a Agência Mural de Jornalismo das Periferias, que mira as juventudes dessas áreas da grande São Paulo. A imprensa corporativa também parece ter despertado para essa necessidade, como atesta a volta, em 2023, do Folhateen, na Folha de S. Paulo, e da Capricho, em edições digitais, enfocando não só meninas, mas “o jovem no universo”, como diz post do veículo no Instagram. No jornalismo para crianças, nos últimos anos, surgiram publicações que se definem como recursos a serem usados em salas de aula, o que se mostra como um modelo de negócios bem-sucedido. Além disso, em 2022, esses comunicadores se reuniram no Colo (Coletivo de Jornalismo Infantojuvenil), que tem como objetivo fortalecer esse campo no Brasil.
Esse movimento nos faz pensar que o mercado brasileiro tende, em 2024, ainda que de modo tímido, a seguir redescobrindo as infâncias e juventudes como público. Cremos que seja esse o caminho para que o jornalismo reconquiste parcela da audiência que pode ser responsável pela sua própria sobrevivência. Porque, mais do que o aumento de métricas de audiência, se repórteres e editores seguirem indicações que as crianças e os jovens nos dão ao falar sobre as notícias, as narrativas com certeza ganharão qualidade e relevância.
Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2023. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.