Em 2025, coberturas de desastres climáticos vão exigir novos jornalismos
Mais do que reportar os números, o jornalismo vai precisar aperfeiçoar enquadramentos, contribuir para a memória social e colaborar com uma cultura de prevenção e autoproteção
Em julho de 2024 alcançamos um ano com temperatura média 1,64ºC acima dos níveis pré-industriais. Este fato é significativo porque os cientistas consideram 1,5ºC um ponto de inflexão fundamental para o debate das mudanças climáticas, de acordo com o Acordo de Paris, tratado internacional firmado em 2015 que busca minimizar os efeitos dessa crise.
Ultrapassar o limite de 1,5ºC por um ano não significa que perdemos a janela de oportunidade para conter a emergência climática, pois teríamos que permanecer nesse patamar por anos para poder dizer que superamos a meta de Paris. No entanto, a constatação é um sinal de que o aquecimento global está aumentando e tende a gerar impactos mais severos, como ondas de calor mais longas, chuvas extremas e furacões mais intensos, ameaças desencadeadoras de desastres. Logo, a pauta seguirá se impondo.
Se houve um tempo em que foi difícil comunicar as mudanças do clima em razão de sua escala, natureza e variedade de efeitos distintos em cada território, hoje suas consequências se materializam em desastres, que representam o encontro das ameaças com a falta de capacidade de enfrentá-las. Cada vez mais frequentes e abrangentes, os desastres climáticos obrigam o campo jornalístico, em suas diferentes modalidades, a entender que esses são acontecimentos não apenas porque irrompem o que entendemos como normalidade, mas porque desorganizam a sociedade como um todo, paralisam as rotinas, geram um rol de incertezas acerca do presente (e não mais do futuro).
O maior desastre já vivido no Rio Grande do Sul, que eclodiu no final de abril, evidencia como a questão climática está conectada com economia, política, cultura e relações sociais. A perspectiva sistêmica, defendida há anos pelo jornalismo ambiental, se concretiza quando identificamos que resultam do processo prejuízos financeiros, mas também disputas políticas, danos aos bens culturais e patrimônio histórico, além da ruptura de laços comunitários e destruição de modos de vida.
Mais do que reportar os números, os jornalismos contribuem para a construção da memória social de um grupo e de um imaginário possível para o futuro. Valorizar o que foi vivido é tão importante quanto apontar alternativas quando a fase do socorro encerra. Um relatório da Organização Internacional de Migrações da Organização das Nações Unidas (ONU) destaca que o Brasil é o 6º com o maior número de pessoas deslocadas por conta de desastres, registrando 745 mil deslocamentos em 2023. No Rio Grande do Sul, após as inundações, meio milhão de pessoas foram forçadas a deixar suas casas.
Os enquadramentos de tais acontecimentos devem ser aprofundados, relacionando causas e consequências dos efeitos climáticos, mas, principalmente, colaborando com uma cultura de prevenção e autoproteção. Os critérios de noticiabilidade devem incorporar os riscos e o tempo do jornalismo deve antecipar ainda mais nossos passos. Não é especulação, é serviço público. A imprensa tem papel relevante na disseminação de percepções de risco e nas possibilidades para lidarmos com os cenários mais difíceis.
Com o incremento da temperatura média no planeta, em 2025, os jornalismos terão que rever suas prioridades e formas de atuação. É preciso preparar os profissionais para trabalharem com segurança em meio às catástrofes, incluindo aspectos de saúde mental. Ademais, o acompanhamento de longo prazo se faz cada vez mais necessário. Não é possível que um desastre seja esquecido ou preterido quando eclode outro. Com as previsões científicas que indicam maior frequência de eventos extremos, a lógica jornalística centrada no factual ajuda a silenciar os afetados, sobretudo aqueles mais vulnerabilizados.
O ano de 2025 tende a ampliar o debate ambiental no País. Pela primeira vez, a Conferência das Partes (COP), que integra a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), será sediada no Brasil, precisamente em Belém, em meio à Floresta Amazônica. Entretanto, manter a vegetação nativa em pé seguirá sendo um desafio diante da perspectiva político-econômica dominante na qual desenvolvimento significa urbanização e crescimento econômico – o contrário da proteção da biodiversidade e de relações humanas mais alinhadas com os ciclos da natureza.
A crítica às escolhas que sustentam nosso estilo de vida e às falsas soluções ofertadas pelo mercado para seguir lucrando com a exploração ambiental precisariam ser intensificadas. Explorar petróleo para garantir a transição energética ou vender o mercado de carbono como uma saída para a crise climática são falácias que deveriam ser mais bem checadas pelo jornalismo.
Os dez anos do Acordo de Paris deverão trazer reflexões sobre o quanto avançamos ou deixamos de fazê-lo em prol do planeta (e da nossa própria sobrevivência enquanto espécie). Porém, mais importante é investigar as causas de tal situação. Quais foram os esforços realizados para que tudo seguisse como está? Quem ganhou com o agravamento do colapso climático? Mais do que cobrir o que é visível, como os desastres, urge reportar mais as conexões não aparentes que aprofundam desigualdades e geram injustiças climáticas.
Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2025. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.