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NFJ#404 ☀️ A repercussão da foto de Gabriela Biló na capa da FSP

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NFJ#404 ☀️ A repercussão da foto de Gabriela Biló na capa da FSP

A criação do Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas | Um relato do dia 8/1 | Previsões para 2023: métricas orientadas a uma missão | A estreia de Janio de Freitas no Poder360

Moreno Cruz Osório
and
Lívia Vieira
Jan 20
6
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NFJ#404 ☀️ A repercussão da foto de Gabriela Biló na capa da FSP

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Buenas, moçada!

Moreno aqui, a pouco mais de uma semana das férias (vocês sabem que a NFJ para em fevereiro, né?). Curtindo um Australian Open de canto de olho antes de dormir (com uma cervejinha) e depois de acordar (com um cafezinho). Curto muito essa época do ano. O verão ainda tá longe de acabar, é sempre meio férias (ainda que não seja), tem um ano de possibilidades pela frente. Melhor mesmo só se eu estivesse na Austrália.

Financie o meu sonho de ver o Australian Open em Melborne em 2024. Jura! 😂

Antes de começar, mais uma dica ótima dos nossos parceiros da ServerDo.in: os seis melhores plugins para portais de notícias. Acessem aqui.

Agora sim. Bora.

MO pra mim. LV pra Lívia.


☀️ A fotografia de Gabriela Biló. Antes de qualquer coisa, queria dizer o seguinte: coisa boa a gente poder discutir jornalismo, né? Não sei vocês, mas passei grande parte da minha quinta-feira ouvindo argumentos a respeito da foto de Gabriela Biló que estampou a capa da Folha de S.Paulo nesse dia. Mais ouvindo do que falando. Porque me parece que essa é uma daquelas (muitas) oportunidades pra ouvir mais do que falar. Então acho que devemos começar essa sistematização lendo o que a própria fotógrafa tem a dizer. Na noite de ontem, depois de explicar no Insta o seu processo, Biló publicou este texto aqui, na Folha. Um trecho:

"Apontei a câmera para os trincos do Palácio e depois para o presidente que estava no andar de baixo. Esperei por uma expressão que simbolizasse aquilo que eu estava lendo: o Palácio resiste." 

Essa é a leitura de quem tirou a foto. Mas a seguir nós vamos ver que, como sublinhou a doutora em Linguística Jana Viscardi, "uma foto nunca está só". A crítica que se debruça sobre a interpretação da imagem (e da capa) é uma das duas principais discussões a respeito do(s) clique(s) de Biló. A outra é sobre objetividade (foto)jornalística, gêneros e a escolha editorial de colocar a imagem na capa do jornal.

Começamos por esta última. 

Voltamos à manhã de quinta. 

Quando a discussão começou a pegar fogo, fui perguntar para a professora de fotojornalismo e minha colega de PUC-RS Flávia Campos de Quadros o que ela achava, se o registro de Biló era fotojornalismo e se ela havia abusado do recurso da multiexposição. A conversa deu origem a este texto aqui, publicado no Face da Flávia. Em resumo, ela nos lembra que o fotojornalismo também é dividido em gêneros. E que o problema — ou o erro da Folha, se a gente quiser — foi escolher aquela foto para a capa, um lugar consagrado do jornalismo informativo, noticioso.

Escreveu a Flávia:

"Eu considero  a imagem de Biló uma excelente crônica visual do momento político. [...] Poderia, quem sabe, até estar na capa, como um conteúdo autônomo, separada por  algum recurso gráfico e com um texto-legenda que explicasse ao nosso leigo leitor como foi obtida e por que é relevante. Poderia estar em uma página de editorial. Poderia estar acompanhando uma coluna, uma crônica. Mas não caiu bem misturada com a notícia."

Marina Amaral, diretora executiva da Pública, foi na mesma linha:

"Ao ser utilizada na capa de um jornal, onde se espera que títulos e informações se refiram a fatos relevantes e reais, a foto, icônica sem dúvida, traz confusão (meu filho, de 20 anos, reagiu aflito: “o Lula tomou um tiro?”)."

Passo agora para a Sylvia Moretzsohn, professora de jornalismo aposentada da UFF, que também cometeu um texto no Face. O argumento da Sylvia segue uma linha parecida. Ela diz não entender o motivo do escândalo e achava que a discussão sobre a ideia de conceber o (foto)jornalismo como o registro de um instante já estivesse superada. 

Mas melhor deixar ela falar:

"[...] toda imagem e todo texto jornalísticos são produção de sentido, são representação (a partir de elementos reais, certamente, ou seriam ficção). Qualquer foto, jornalística ou não, é produzida a partir de determinado ângulo. Jornalística, será editada de determinada forma, e é o enquadramento da imagem, associada aos outros elementos da edição, que vai "significar". [...] Uma montagem pode expressar uma verdade? Claro que sim - de modo geral, como na arte, mas também no jornalismo, se afinal os elementos com os quais se produz essa montagem são extraídos da documentação fotográfica."

Eu pararia por aqui. Só que muita gente se incomodou. A Lilia Schwarcz, por exemplo. Ou o Lira Neto. Mas vou me permitir a dar mais espaço para argumentos dentro do campo jornalístico/fotográfico. Por isso vale ler o texto da ABI, que classificou a foto como um "atentado ao jornalismo". A matéria, assinada por Maria Luiza Franco Busse, diretora de Cultura da ABI, e Moacyr Oliveira Filho, diretor de Jornalismo, traz o posicionamento de alguns profissionais da área, muitos deles fotógrafos com experiência em redação. Mas o texto também traz uma aspa — que curioso — do próprio autor da reportagem.

Escreve Moacyr Oliveira Filho:

“Eu sou do tempo em que se dizia que uma foto vale mais do que mil palavras. Nesse caso, nem mil palavras vão conseguir justificar esse verdadeiro atentado ao jornalismo e ao fotojornalismo. Ao contrário do que tentou explicar a jovem fotógrafa, a sua foto não é um flagrante de uma cena. Lula não estava atrás daquele vidro quebrado. Ou seja, a foto não retrata um momento. É uma montagem. Aquela cena simplesmente não existiu. Sem falar que a foto não tem nenhuma relação direta com o texto da matéria”

Pergunta sincera: e se a Gabriela convidasse o presidente a se posicionar atrás da vidraça estilhaçada, "dirigindo" Lula para conseguir a captura do instante desejado? Aí seria válido?

Porque a gente sabe que isso acontece. 

No mesmo texto da ABI tem um argumento que se aproxima da crítica feita por Flávia Campos de Quadros. É o de Eder Chiodetto, jornalista, fotógrafo, curador independente e crítico de fotografia. Ele foi publicado originalmente neste post no Instagram e sublinha a escolha da Folha ao colocar a imagem de Gabriela Biló na capa. Um trecho:

"Que Biló deseje ultrapassar limites éticos e estéticos à revelia das normas que regem a prática do fotojornalismo, na ânsia de ser, talvez, uma artista, é uma questão dela. O problema está na Folha em bancar essa atitude."

A aproximação com a arte, feita inclusive pela própria fotógrafa, em stories no seu perfil no Instagram (nem adianta colocar o link aqui porque eles já sumiram), é, me parece, dos pontos frágeis da defesa da foto. Nos stories, ao falar sobre a reação que a foto pode trazer para algumas pessoas, ela diz que "como artista", precisa saber receber o "incômodo que a arte traz". Olha, pra mim um ponto é pacífico: jornalismo não é arte. Podemos discutir se a imagem produzida por Biló é fotojornalismo ou não. Agora, não dá pra dizer que (foto)jornalismo é (ou pode ser) arte, ou que um fotojornalista está fazendo arte. 

Tem outros argumentos que ficam no meio do caminho entre o escândalo e o achar que a discussão estivesse superada. Ele pode ser exemplificado pelo que disse Pedro Burgos neste fio. Ele diz não achar a foto "perigosa", mas preferiria que ela ficasse no Instagram. O argumento traz um componente contemporâneo à discussão: a desinformação. 

"[...] em um mundo cada vez mais inundado de manipulações da realidade, o jornalismo não perderia muito se evitasse fazer isso."

Né?

Seguindo. Vamos colocar mais lenha na discussão. E agora vocês vão se arrepender de não terem se dedicado à disciplina de Semiótica na faculdade.

Meu colega de Headline e um dos fotógrafos mais talentosos do Brasil, Daniel Marenco, me inundou de links com discussões que mergulham no mundo das imagens. Um deles foi este artigo de Ivana Bentes para a revista Cult. 

"A história da fotografia e do fotojornalismo cria realidades, eis o sentido da arte, mas não se pode mais pensar o mundo contemporâneo sem perguntar pela política e pela ética dessas mesmas imagens. Nos últimos quatro anos, as imagens ajudaram a construir narrativas infernais e deram credibilidade às fake news e às teorias conspiratórias da extrema direita."

Na sequência ela argumenta que a interpretação de "resistência" de Lula — defendida, inclusive, pela fotojornalista — não se sustenta quando a foto é combinada com o restante dos elementos da capa. No caso, a manchete de que a presença militar recorde é "foco" do Lula e que o GSI é "alvo" de desconfiança.

Ivana Bentes, que manja de semiótica:

"Na imagem, Lula é que é “o foco” , o alvo, de quem? Dos militares? Dos extremistas? Lendo o texto, poderíamos justificar a foto como um “alerta” para a ameaça que Lula corre mantendo militares em cargos do governo ou no órgão responsável pela proteção do presidente e do Palácio do Planalto."

Quem também manja de semiótica é a Lucia Santaella.

“Vamos parar com esse relativismo de que fatos são construídos. Eles acontecem e ponto. Para se darem a conhecer, mensagens são construídas. Manter fidelidade com os fatos é tarefa precípua do jornalismo. O resto são opiniões que só servem para turbinar as redes socias. Toda essa introdução para dizer que a foto abaixo (publicada na Folha de S Paulo!!!) é imagem que contém algum nível de fake.”

E agora o jornalista, professor, cartunista e ex-presidente da Fenaj, Celso Augusto Schröder:

"A capa da Folha, portanto, não tem erros ou equívocos jornalísticos. Ela apenas abusa de uma característica que vem interferindo no jornalismo. A foto abdica da informação inerente num ícone e assume a opinião característica de um símbolo e, a partir daí, a foto perdeu a força que porventura tinha e adentrou no campo da ideologia."

A propósito do contexto e da semiótica, vale ler as respostas da jornalista e escritora Eliana Alves Cruz a seu próprio tuíte. E também o que disse Preta Ferreira. Bruna Rocha, jornalista, doutoranda em Comunicação e idealizadora da plataforma Semiótica Antirracista, classificou a foto como um "equívoco completo". Vejam ainda a provocação de Fabiana Moraes sobre a violência contra líderes de esquerda. Se quiserem mais, esta matéria do GGN reúne opiniões de várias pessoas. O Poder360 fez parecido. Ah, e a Secom publicou uma nota. (MO)

Pra fechar, perguntinha sem qualquer método ou maiores intenções:

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☀️ O novo governo e o jornalismo. Um dos fatos da semana foi o anúncio da criação do Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino. O objetivo será ‘’dialogar com o Poder Judiciário e demais instituições do sistema de justiça e de segurança pública’’ para investigar agressões a profissionais do jornalismo. O Nexo repercutiu. O Poder360 também. A Abraji celebrou a medida. ‘’Que a iniciativa do Ministério da Justiça seja levada a cabo e que possa trazer a segurança necessária para que a imprensa, sempre passível de críticas no campo democrático, possa trabalhar com a segurança necessária para informar a sociedade’’, diz a nota. Casos para investigar não faltam, a gente sabe. Um dos últimos casos aconteceu em Salvador. Uma equipe da TV Itapoan, afiliada da Record, foi agredida enquanto filmava uma reportagem. Outros dois relevantes da semana foram a fala do ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta, sobre o desafio de recuperar a credibilidade do órgão, e a posse de Kariane Costa como presidenta da EBC. Em seu discurso, a jornalista assumiu o compromisso de fazer a EBC reencontrar o seu propósito e a sua missão social. (MO)


☀️ Ataques golpistas. Vocês leram a NFJ da semana passada, então vocês sabem que a Lupa criou um banco de dados para receber conteúdos das invasões do dia 8, em Brasília. Pois agora a agência de fact-checking anunciou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Polícia Federal solicitaram alguns dos vídeos recebidos pela iniciativa. Neste outro conteúdo, a Lupa explica o que são bancos de dados e o que eles têm a ver com o jornalismo e com a democracia. Ainda sobre os atos violentos, o Reuters Institute publicou um relato assinado pelo repórter Murillo Camarotto, que estava in loco em Brasília cobrindo a invasão. ‘’Tentei documentar o que estava acontecendo da melhor maneira possível. Filmei e tirei fotos disfarçado, sem me identificar como jornalista’’, escreveu Camarotto. (MO)


☀️ Previsões III. Seguimos com as análises do que está por vir no jornalismo, como fizemos nas edição #403 e #402. Hoje selecionei mais alguns textos do Predictions for Journalism 2023, do Nieman Lab. Para Megan Lucero e Shirish Kulkarni, “o jornalismo de amanhã pertence àqueles que foram excluídos e prejudicados pela mídia. Pertence às comunidades que mais precisam de seu poder. Nas mãos dessas pessoas, pode ser reinventado e recuperado como um verdadeiro serviço comunitário que promove mudanças positivas”. Eles argumentam que a crise de confiança e de modelo de negócios pela qual passa o jornalismo se relaciona diretamente com quem detém o poder. E para o grupo de pessoas que administram o setor, o sistema funciona perfeitamente como está. “No entanto, vale lembrar que eles representam uma pequena proporção da população”, afirmam. Mauricio Cabrera defende que o jornalismo precisa criar comunidades e não audiências. Trata-se de uma mudança a partir de um cenário em que criadores de conteúdo estão construindo espaços onde as pessoas se reúnem para discutir e analisar notícias gerais e nichos específicos; e em que a inteligência artificial está sendo cada vez mais eficaz do que os humanos na redação de notícias. “Contar com notícias regulares continuará sendo um negócio importante para alguns meios de comunicação tradicionais. Ainda assim, a grande maioria não terá sucesso se priorizar algoritmos em vez de construir um relacionamento mais profundo com seus leitores”, diz. Na mesma linha, Mary Walter-Brown e Tristan Loper projetam que, em 2023, a indústria deve adotar um conjunto de “métricas orientadas para uma missão”, que ajudem as redações a coletar e analisar dados para não apenas tomar decisões que aumentem o alcance e a receita, mas também avaliar o envolvimento, a representatividade e a satisfação da comunidade. (LV)


☀️ Links diversos. Jornalistas estão entre os grupos de pessoas menos confiáveis, aponta o relatório anual Edelman Trust Barometer 2023. Este texto do journalism.co.uk destaca que a mídia está presa em um ciclo de desconfiança e não está ajudando a despolarizar o ecossistema de informações. | Levantamento da Unesco mostra que um profissional da imprensa morreu a cada quatro dias em 2022. América Latina e Caribe tem mais de 50% dos crimes. Mais informações na LJR. | Janio de Freitas estreou hoje como colunista do Poder 360. Nesta entrevista, ele destaca: “Os jornais, parece, não acreditam que o mundo tenha mudado com os processos informáticos. Continuam na mesma. Para baixo, descendo. O futuro é muito perigoso”. | O 18º Congresso da Abraji já tem data para acontecer: será entre os dias 29 de junho e 2 de julho. A entidade disponibilizou um formulário para envio de sugestões para a programação do congresso. Mais uma da Abraji: vaga para jornalista de dados. Inscrições até 5 de fevereiro. | A Folha está com inscrições abertas, até 1 de fevereiro, para a terceira edição de treinamento para profissionais negros. O critério de cor é a autodeclaração. | A pesquisa internacional Worlds of Journalism Study está ouvindo jornalistas que atuam em redações das mais diversas mídias do Brasil. Por meio do preenchimento deste formulário, a ideia é compreender melhor as maneiras pelas quais o jornalismo lida e se adapta ao risco e à incerteza em diferentes contextos políticos, socioeconômicos e culturais. (LV)


É isso, pessoal!

Bom final de semana e até sexta que vem.

Moreno e Lívia


Nosso agradecimento de <3 vai para:

Adriana Martorano Vieira, André Caramante, André Roca, Andrei Rossetto, Antonio Napole, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Barbara Nickel, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Caio Maia, Cristiane Lindemann, Daniel Sá Fortes Gullino de Faria, Davi Souza Monteiro de Barros, Diego Freitas Furtado, Diego Queijo, Edimilson do Amaral Donini, Elizabeth Belleza Cortes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Luiza Bandeira, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Marcel Netzel, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Regina Bochicchio, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Roogério Lauback, Samanta Dias do Carmo, Sérgio Lüdtke, Sérgio Spagnuolo, Silvio Sodré, Suzana Oliveira Barbosa, Sylvio Romero Corrêa da Costa, Tai Nalon, Tais Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Washington José de Souza Filho.

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