NFJ#456 🍂 Como cobrir a potencial máquina de desinformação que é a IA?
Transparência no uso de IA no jornalismo | Newsletters, audiência, receita, lealdade | Martin Baron e a necessidade de transparência | Relatório mostra queda no número de ataques a jornalistas
Olá!
Bora pra news. Mas não sem antes escutar músicas boas. Leiam ouvindo a playlist de abril do projeto Canciones para despertar en Latinoamérica.
E ainda, conheçam, no blog dos nossos parceiros da serverdo.in, qual foi o impacto das principais atualizações do algoritmo do Google em 2023.
Hoje é Lívia (LV), Giuliander (GC) e eu (MO) assinando os tópicos.
🍂 Como cobrir a potencial máquina de desinformação que é a IA? A destemida jornalista Julia Angwin, que passou as duas últimas décadas cutucando as plataformas digitais em reportagens para Wall Street Journal, ProPublica e The Markup (do qual era cofundadora), lançou sua nova iniciativa (Proof News) em grande estilo: com uma investigação sobre como cinco dos principais modelos de IA se saíram ao serem questionados sobre questões básicas das eleições presidenciais dos EUA em 2024. Em seguida, as respostas dos modelos foram mostradas a um grupo de mais de 40 oficiais dos dois principais partidos dos Estados Unidos e especialistas em IA. No geral, em termos de precisão, os modelos de IA deixaram muito a desejar (principalmente o Google Gemini, que não chegou nem perto do ainda dominante ChatGPT-4 da OpenAI). Angwin deu uma entrevista ao Reuters Institute em que manifestou preocupação com o potencial da IA para disseminar desinformação e compartilhou dicas de como fazer a cobertura dessa tecnologia.
As plataformas são otimizadas para a atenção. Isso é o que aprendemos com [investigações como] os Facebook Files: que, quando têm a escolha entre [remover] conteúdo realmente prejudicial e manter as pessoas na plataforma por mais tempo, as plataformas escolhem manter as pessoas na plataforma por mais tempo. Portanto, a posição padrão para pessoas inteligentes hoje em dia é não confiar em nada a menos que encontrem uma maneira de confiar. O padrão é não confiar.
Proof News é uma tentativa de colocar o método científico a favor do jornalismo de qualidade. Angwin fica frustrada quando discutimos apenas os efeitos que a IA pode ter sobre a sociedade no futuro. "Eu só queria ver se poderíamos confiar nesses grandes modelos de linguagem com perguntas básicas sobre eleições. Não fizemos perguntas complicadas. Estávamos apenas testando o mínimo essencial, como 'Você pode me dizer onde devo votar?'", disse. Claramente, não podemos. Segundo Angwin, o jornalismo precisa dar transparência aos métodos que utiliza numa época em que a IA está criando todo tipo de texto plausível e disseminadores de desinformação estão em ação, enquanto muitas redações produzem releases com cara de notícias: "Esta paisagem informativa está muito poluída, então focar nos métodos é uma maneira de construir confiança com o público." (GC)
🍂 Transparência no uso de IA no jornalismo. É fato. Redações em todo o mundo estão utilizando inteligência artificial, seja no processo de edição, na revelação de insights escondidos em grandes bases de dados ou na melhoria da eficiência da gestão. Como disse esta matéria do Quartz, a IA está revolucionando silenciosamente a indústria de notícias. Mas como fazer com que essa revolução não seja tão silenciosa assim, pensando no relacionamento com a audiência? É o que propõe este estudo da Nordic AI Journalism Network, com sete recomendações para maior transparência no uso da IA no jornalismo. Vamos seguir o resumo do Laboratorio de Periodismo sobre o relatório.
Transparência no uso de IA com "impacto jornalístico significativo". Esta recomendação baseia-se na premissa de que qualquer uso de IA que tenha um impacto jornalístico significativo deve ser tratado com abertura e clareza para o público. Determinar este impacto fica a critério do veículo, que deve refletir sobre a própria natureza de suas publicações.
Ferramentas internas de IA não exigem transparência. O estudo argumenta que não há necessidade de fornecer informações públicas sobre aplicativos internos em que a IA é utilizada para apoiar o trabalho editorial ou comercial. Alguns exemplos incluem transcrição para uso interno, softwares de revisão e trabalho de SEO, nos quais o foco está no resultado e não nos métodos utilizados para alcançá-lo.
A transparência da IA deve ser uma questão sempre reiterada. Reconhecendo que as tecnologias de IA estão em estágios iniciais de desenvolvimento, é crucial ser aberto e claro sobre seu uso, uma abordagem que precisa ser reavaliada ao longo do tempo à medida que a tecnologia e as expectativas do usuário evoluem.
Seja específico sobre o tipo de ferramenta de IA aplicada. Para evitar percepções de IA sem controle editorial, os veículos são encorajados a serem específicos em comunicar ao seu público que tipo de IA foi usada, o que também pode ter uma função educativa.
Compartilhar informações relacionadas ao conteúdo consumido. Quando é necessária transparência sobre o uso de IA, as informações devem ser compartilhadas em conexão com o conteúdo jornalístico consumido. Isso permite que a audiência entenda por si mesma até que ponto a IA teve um impacto jornalístico significativo.
"Criado com o apoio de", para lembrar que há um processo editorial por trás. Uma abordagem recomendada para descrever o uso de IA é o aviso de que tal conteúdo foi "criado com o apoio de" para apontar o real impacto da IA e lembrar que há um processo editorial por trás disso.
Evite tags visuais (ícones) para IA. O estudo desaconselha a incorporação de marcação visual padronizada para IA, argumentando que ela poderia diferenciar injustamente o conteúdo afetado por IA daquele criado por jornalistas humanos. Além disso, a definição de um padrão visual pode rapidamente se tornar irrelevante à medida que novas ferramentas de IA e casos de uso surgem.
Mais links sobre IA:
ChatGPT Plus agora oferecerá diretamente nas respostas links para as fontes que consulta. [Laboratorio de Periodismo]
Yahoo está comprando o Artifact, o aplicativo de notícias de IA dos cofundadores do Instagram. [The Verge]
Phoebe Connelly, primeira editora de estratégia de IA do Washington Post, fala sobre LLMs na redação. [Nieman Lab]
Como verificadores de fatos podem fazer bom uso da IA. [Poynter]
Reflexões de Jeff Jarvis sobre supostas inclinações políticas de grandes modelos de linguagem. [Buzz Machine] (LV)
🍂 Newsletters, audiência, receita, lealdade. Leiam no blog do Chartbeat o que Elaine Piniat, da Reuters, e Maya Neria, do NYT, têm a dizer sobre o papel das newsletters nas estratégias editoriais e comerciais desses dois grandes veículos. Ambas definem sua atuação como uma "ponte" entre os departamentos comercial e de marketing e a redação. Achei muito interessante como Neria define a importância das newsletters, tanto para o jornalismo quanto para os negócios dos veículos, e de como veículos como NYT seguem apostando no e-mail como um de seus produtos mais premium.
Acho que o e-mail desempenha um papel cada vez maior no envolvimento dos leitores que em outro momento teriam chegado organicamente por meio dos buscadores. E o e-mail tem um enorme sucesso ao elevar o nível de envolvimento das pessoas. Fizemos muitas análises que mostram um impacto incremental real quando se trata de conversão e retenção. E isso se aplica tanto aos e-mails que levam os leitores ao site quanto aos e-mails de "jornalismo de inbox". Tendemos a seguir a filosofia de que nossos assinantes não devem ter atritos, de modo que nosso portfólio de boletins informativos somente para assinantes é realmente a sensação mais premium na caixa de entrada.
Aqui, Kritasha Gupta, chefe de Desenvolvimento de Negócios do Financial Times, fala sobre a relação entre newsletters e uma abordagem editorial de nicho. Segundo ela, nichos são um grande desafios para veículos grandes e generalistas, como o FT, e newsletters se mostram eficazes para oferecer conteúdo a um público específico – não por acaso, boletins por e-mail não são uma novidade para o FT, que aposta no formato desde os anos 2000 e que hoje possui cerca de 40 newsletters no cardápio. Para Gupta, o sucesso da estratégia de newsletters do FT se deve à “obsessão constante”, por parte da equipe que gerencia a área, pelas métricas. Essa equipe, aliá, não é a mesma que edita os boletins. (MO)
🍂 Martin Baron, a crise da objetividade e a necessidade de transparência. No fim de março, Martin Baron, ex-editor-executivo do Washington Post, participou de um evento no Harvard Institute of Politics, onde falou sobre o estado atual do jornalismo, defendendo uma "reinvenção radical" da prática. Segundo Baron, as pessoas estão revoltadas com o jornalismo porque ele não dá mais conta de uma realidade onde ninguém mais tem um denominador comum em relação aos acontecimentos. As redes sociais, argumentou, tornaram as pessoas incapazes de concordar sobre o que constitui um fato – para ilustrar, ele usou os eventos de 6 de janeiro de 2021, quando uma turba invadiu o congresso dos EUA. "Nós vimos o que aconteceu com os nossos próprios olhos, e tem gente que ainda acha que aquilo era uma visita turística normal", afirmou. "É um nonsense completo". Pois é. Um dos jeitos de contornar essa crise de confiança, para ex-editor do Boston Globe, é aumentando a transparência do jornalismo e apostando na apuração e no fact-checking. Neste artigo, Juan Carlos Laviana, jornalista, fundador e diretor do jornal "El Mundo" durante 25 anos, dá mais algumas sugestões para que recuperemos a confiança do público. Por exemplo, apostar menos em opinião e mais em análise; recuperar o espírito da redação; interagir com a audiência; e criar comunidades. Achei interessante o argumento do retorno do espírito da redação – embora ache que o boi já foi com as cordas.
Uma redação é uma entidade viva, com diferentes pontos de vista, um local em que o diretor, como um regente de uma orquestra, deve harmonizar. O chamado “espírito de equipe editorial” – o contraste de opiniões, o debate, o enriquecimento dos colegas – perdeu-se por dois motivos. Um, a generalização do trabalho remoto, por conta da pandemia e do aumento dos meios de comunicação que apostam em colaboradores externos. E dois, e não menos importante, é a proliferação do jornalista individual que coloca a sua assinatura – nas redes, nos encontros e nas diversas esferas – antes da do jornal para o qual escreve. Recuperar o 'espírito da redação' resultaria, sem dúvida, na melhoria da qualidade do conteúdo e, portanto, numa maior confiança do público.
A personalização vai ao encontro do espírito do tempo das redes sociais e alimenta os nossos egos – e constitui parte fundamental dos nossos frágeis modelos de negócio atuais, mas nos enfraquece como ator social responsável pela mediação do discurso público. Aos poucos vamos entendendo isso. Como transformar a personalização em transparência (são pessoas por trás dos discursos jornalísticos, afinal), sem cair no egocentrismo, de maneira a recuperar o "espírito de equipe editorial" e fortalecer a instituição jornalismo? Tema de casa: pensem durante o final de semana e me tragam a resposta na segunda-feira. (MO)
🍂 Relatório da Abraji mostra queda no número de ataques a jornalistas. Em 2023, foram registrados 330 ataques aos jornalistas, numa redução de 40,7% em relação ao último ano do governo Bolsonaro (557 ataques). Esse é um dos principais resultados do relatório da Abraji de Monitoramento de Ataques Gerais e Violência de Gênero. Mas antes que possamos comemorar, a pesquisadora Rafaela Sinderski faz uma ressalva: mudanças na natureza dos ataques e diminuição dos casos não representam, necessariamente, um contexto mais seguro para a imprensa. “É preciso questionar se o cenário está melhorando ou o padrão de violência que está mudando”, disse, nesta matéria no site da entidade. Outro destaque é que, nos últimos quatro anos, agentes públicos foram os autores da maioria dos ataques: em 2023, estiveram envolvidos em 55,7% dos casos. Além disso, a proporção de agressões físicas aumentou, alcançando 38,2%, contra os 31,2% de 2022. Essa “institucionalização da violência contra a imprensa” é preocupante, não? A violência reiterada contra mulheres e pessoas LGBTQIA+ no país evidencia a importância do recorte de gênero que o relatório faz.
Um trecho:
Em 2023, foram registrados 82 ataques ligados a gênero (43,4% a menos que no ano anterior, quando se registrou 145 casos). Desses, 32 são ataques explícitos com ofensas e/ou atos claramente machistas, homofóbicos, bifóbicos ou transfóbicos; questionamento de capacidades; atos de violência sexual; e formas diferenciadas de violência laboral e digital. Em 20% dos ataques a mulheres jornalistas, elas foram alvos de atos explicitamente machistas, transfóbicos e/ou misóginos.
No canal da Abraji no YouTube é possível ver o evento de lançamento do relatório, que contou com a presença de jornalistas proeminentes no país. (LV)
🍂 Notícias da indústria + links diversos. Nossa seleção de temas e dicas do momento:
Ecos do 31 de março: Manifesto em defesa do Jornalismo e dos Jornalistas. [Artigo 19]
Duas vagas para jornalistas no portal Voz das Comunidades. [Voz das Comunidades]
TJDF mantém censura à reportagem da Agência Pública sobre o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira. [Agência Pública]
FENAJ e Fundacentro lançam, no próximo dia 9, pesquisa sobre saúde mental dos jornalistas. [FENAJ]
Além de ensinar a reportar e contar histórias, as escolas de jornalismo devem incluir uma compreensão do ecossistema digital, gerenciamento de produtos, engajamento do público, experiências do usuário, fluxos de receita, entre outras habilidades. [Poynter]
Mais pessoas do que nunca estão ouvindo podcasts. [Nieman Lab]
The Atlantic supera 1 milhão de assinaturas. [Nieman Lab]
As redações devem intensificar seus esforços para cobrir histórias sobre igualdade de gênero. [journalism.co.uk]
Como o interesse dos menores de 35 anos por notícias desabou e o que podemos fazer a respeito. [Press Gazette] (LV)
É isso, gente!
Bom fim de semana e feliz dia do jornalista, neste domingo :-)
Moreno Osório, Lívia Vieira e Giuliander Carpes
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Caio Maia, Cristiane Lindemann, Edimilson do Amaral Donini, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Luiza Bandeira, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Marcel Netzel, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Regina Bochicchio, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Rose Angélica do Nascimento, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Simone Cunha, Suzana Oliveira Barbosa, Sylvio Romero Corrêa da Costa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Washington José de Souza Filho.
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