NFJ#478 ❄️ Como fazer jornalismo sem o X/Twitter?
Não há lugar para o doisladismo na cobertura de políticas climáticas | O impacto da IA na desinformação eleitoral é menor do que o alardeado | Oportunidades na relação entre jornalistas e acadêmicos
E aí, galera!
Moreno aqui, com novidades.
Vocês vão ver que a NFJ mudou um pouco de formato.
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Hoje estamos eu (MO), a Lívia (LV), o Giuliander (GC) e a Carolina Cerqueira (CC). A Carolina é mestranda do PósCom/UFBA e repórter do jornal Correio, em Salvador. Ela traz notícias quentinhas do Congresso da Jeduca, que rolou nos últimos dias 2 e 3.
Bora. Boa leitura e bom final de semana, moçada!
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Carlos Alberto Silva, Edimilson do Amaral Donini, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Rose Angélica do Nascimento, Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvia Franz Marcuzzo, Silvio Sodré, Simone Cunha, Suzana Oliveira Barbosa, Sylvio Romero Corrêa da Costa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
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❄️ Não há lugar para o doisladismo na cobertura de políticas climáticas. Em tempos de cobertura eleitoral – presidencial nos EUA e municipais aqui no Brasil – é oportuna a leitura de um artigo publicado uns dias atrás no Covering Climate Now sobre a necessidade de o jornalismo deixar pra trás o doisladismo quando noticia políticas climáticas. O texto lembra que, enquanto nenhuma redação séria ainda adota a falsa equivalência na ciência, quando o assunto é política climática, esse tipo de abordagem ainda é comum. Em meados de agosto, o Washington Post, por exemplo, publicou um editorial cuja leitura dá uma forte impressão de que há pouca diferença entre as abordagens de Biden e agora Kamala Harris e do ex-presidente Donald Trump ao clima. O Covering Climate demonstra como o WP, em nome de uma tentativa de equilíbrio, coloca meio que em pé de igualdade a postura das duas candidaturas – o que todo mundo sabe que não é verdade. “O instinto de cobertura política de ambos os lados não se limita a um único meio de comunicação. Nem é exclusivo deste ciclo eleitoral, como mostra a saga de e-mails de Hillary Clinton em 2016. Mas o planeta está em chamas. Um candidato quer colocar lenha na fogueira. O outro quer apagar esse incêndio. Deixar essa distinção clara não é nem partidário nem militante. É jornalismo”, diz o texto. Falando em jornalismo, vale ler a carta mais recente de Eliane Brum. A fundadora da Sumaúma não mede as palavras para avisar que todos devemos assumir nossa parcela de responsabilidade em relação à catástrofe climática. Não dá mais pra fazer de conta de que não é com a gente o que está rolando aqui no Brasil (e no mundo), diz a jornalista. Ter “consciência do que está acontecendo, mas negar o que está acontecendo para poder tocar a vida” também é uma forma de negacionismo, escreveu. “Aqueles que levam nossa casa-planeta ao colapso não vão parar”. Só nós, coletivamente, podemos fazer isso, afirmou. E nessa história, o jornalismo tem um lado, né galera: é o do planeta. Em artigo para o Observatório de Jornalismo Ambiental, as pesquisadoras Clara Aguiar e Eloisa Beling Loose dão pistas de como o jornalismo pode contribuir para mudar essa realidade – ao analisar a cobertura das eleições para Porto Alegre. Elas sugerem que o jornalismo adote uma abordagem mais profunda e sistêmica sobre o assunto, evitando a discussão de soluções imediatistas, o que acaba por fragmentar a pauta e dificulta a percepção do público sobre as relações econômicas, políticas, sociais, culturais e ambientais que envolvem as políticas climáticas. Pra fechar, vale a menção à nova séria da Folha que vai destacar os efeitos das mudanças climáticas na Amazônia. (MO)
❄️ O impacto da IA na desinformação eleitoral é menor do que o alardeado. Ao menos esse é o argumento de um texto dos pesquisadores Felix M. Simon, Keegan McBride e Sacha Altay para a MIT Technology Review. Segundo eles, personalidades e veículos importantes do cenário informacional global, como a vencedora do prêmio Nobel da Paz Maria Ressa, o Washington Post e a ex-secretária de estado americana Hillary Clinton têm sido demasiadamente alarmistas ao afirmarem que a inteligência artificial teria um papel preponderante na desinformação que circula neste ano em que metade da população mundial está passando por eleições. Os pesquisadores sugerem, inclusive, que essa preocupação está desviando o foco de ameaças mais profundas e duradouras à democracia, como privação em massa de direitos de eleitores; intimidação de autoridades eleitorais, candidatos e eleitores; ataques a jornalistas e políticos; esvaziamento dos mecanismos de controle; políticos propagando mentiras; e várias formas de opressão estatal (incluindo restrições à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e ao direito de protesto). Eles citam alguns estudos para concluir que, embora a IA esteja realmente sendo usada em campanhas, o efeito dessas ferramentas na alteração dos resultados eleitorais tem sido marginal, com pesquisas mostrando que a influência de campanhas de persuasão em massa, com ou sem IA, é limitada. Não é uma perspectiva tão sexy quanto a de um armaggedon eleitoral causado pela IA, né? Enfim…
Os pesquisadores salientam que, em primeiro lugar, a persuasão em massa é algo notoriamente desafiador. Além disso, o conteúdo gerado por IA sofre a mesma dificuldade que qualquer outra forma de material: chegar ao público-alvo em meio ao tsunami de informações que vivemos. Os eleitores também parecem perceber quando a IA está sendo usada para alcançá-los e tendem a mostrar aversão a isso. Para completar, lembram que o comportamento de votação é moldado por um complexo nexo de fatores, que incluem gênero, idade, classe, valores, identidades e socialização. Embora reconheçam que algumas preocupações sobre IA e democracia, e particularmente eleições, são justificadas (por exemplo, perpetuação e amplificação de desigualdades sociais, assédio e o abuso de mulheres na política), Simon, McBride e Altay alertam que existe um custo para reações exageradas baseadas em suposições infundadas, especialmente quando outras questões críticas não são abordadas:
"Narrativas excessivamente alarmistas sobre os supostos efeitos da IA na democracia correm o risco de alimentar a desconfiança e semear a confusão entre o público — potencialmente erodindo ainda mais os já baixos níveis de confiança em notícias e instituições confiáveis em muitos países. Um ponto frequentemente levantado no contexto dessas discussões é a necessidade de fatos. As pessoas argumentam que não podemos ter democracia sem fatos e uma realidade compartilhada. Isso é verdade. Mas não podemos insistir na necessidade de uma discussão enraizada em fatos quando as evidências contra a narrativa da IA turbinando a ruína democrática e eleitoral são facilmente descartadas."
(GC)
❄️ Como fazer jornalismo sem o X/Twitter? É o que pergunta esta matéria da LatAm Journalism Review, que ouviu 14 jornalistas para repercutir a ausência do X/Twitter no Brasil (a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes pelo bloqueio da plataforma foi confirmada esta semana pela 1ª Turma da côrte). Felipe Betim, editor do Jota, afirma que o bloqueio não vai afetar seu trabalho e critica: “A imprensa se viciou em arranjar audiência fácil: qualquer aspa, qualquer treta, rende uma nota. As redes sociais em geral e o Twitter em particular contribuíram para a queda da qualidade da imprensa”. Já Guilherme Caetano, repórter do Estadão, avalia que “o Twitter era por essência a principal rede do debate público brasileiro. (...) Isso proporcionava um debate mais qualificado que em outras redes, e permitia acompanhar os movimentos mais importantes e descobrir ideias de pautas”. Para Anna Virginia Balloussier, repórter especial da Folha, desde que Elon Musk assumiu, houve a “piora de uma atmosfera digital já tóxica. O debate ficava viciado, e eu tinha medo de dar muita relevância para uma câmara de eco sem adesão tão grande assim”. Esta editora que vos fala utilizava o Twitter desde 2008 e era, com certeza, minha principal rede social. Muito da curadoria da NFJ era feita pelo acompanhamento de perfis de jornalistas e acadêmicos do Brasil e do mundo. Minha percepção é parecida com a do jornalista Gilberto Porcidonio que, neste texto delicioso na Piauí, publicou seu diário pós-Twitter. “Acordei de madrugada e liguei o celular. Vi que ainda era cedo e, meio sem querer, cliquei no aplicativo ainda inútil. Me senti fora da linha do tempo. Uma arroba errante que vaga a esmo pelo grande nada do espaço. Postei isso nas redes similares para ver se mais alguém se sentia assim. Continuei no vácuo”. Me identifico, Gilberto. Para além da abstinência pessoal, é fato que pelo Twitter circula muito conteúdo noticioso. Houve debandada para o Threads e Bluesky, onde li coisas como “eu sinto que estou completamente desinformada do mundo sem o Twitter” e “agora vou ter que esperar o Jornal Nacional pra saber o que aconteceu no dia, igual faziam os Maias e Astecas”. Aliás, o JN trocou a logo do X pela do Bluesky em sua vinheta de encerramento. Significa. Como já conhecemos o modus operandi avesso ao jornalismo das redes de Mark – e o Threads é mais uma delas – o Bluesky parece ser uma alternativa mais promissora para os publishers. Esta matéria do Núcleo afirma que o Bluesky quer ser um Twitter melhor e menos tóxico e este texto da Press Gazette ouviu a porta-voz do Bluesky, que disse: “Esta é uma plataforma onde as redações podem realmente ter o controle de seu relacionamento com seus públicos e, portanto, de sua distribuição”. O texto ainda detalha o funcionamento mais descentralizado do Bluesky (na NFJ #428 explicamos o que é uma plataforma federada, vale ler). Em sua coluna na Matinal, Juremir Machado defende, com uma dose de humor, o uso do Bluesky (que, diga-se, foi criado por Jack Dorsey, o pai do Twitter): “A conversa lá está naquela fase de chegada no bar. Todo mundo conhecendo a casa nova. É confortável e arejada. Esse êxodo para o Bluesky talvez apresse Elon Musk a mudar de ideia sobre indicar um representante legal no Brasil mais do que as pressões do STF. (...) Um pedido: não deem o endereço do Bluesky para o Pablo Marçal. Merda, ele já está lá. Bem, o Bluesky é uma rede aberta a todos”. (LV)
❄️ Crise climática, IA e eleições municipais no congresso da Jeduca. Tive o prazer de participar do 8º Congresso Internacional de Jornalismo e Educação da Jeduca, que aconteceu em São Paulo esta semana, e compartilho a seguir o que de mais bacana vi e ouvi por lá. Os destaques das mesas sobre eleições foram os desafios do jornalismo local na cobertura. O primeiro apontado foi o enxugamento das redações e não os conflitos de interesse diante das ligações entre veículos e políticos. A falta de profissionais foi diretamente ligada à quase inexistência de cobertura no interior por veículos maiores e à precariedade da cobertura nas capitais. Em agosto, o Jeduca lançou o guia Educação nas Eleições Municipais para a cobertura de 2024. A mesa sobre uso de IA no jornalismo teve representantes de O Globo, Estadão e Núcleo Jornalismo, e deixou evidente que grandes veículos (numa distância enorme dos pequenos) já têm suas próprias ferramentas desenvolvidas e em uso, servindo tanto aos profissionais quanto aos leitores. Sempre com supervisão humana. Mas será que é preciso sempre avisar ao leitor sobre o uso? O destaque foi o “Nuclito Resume”, do Núcleo, que apresenta apenas matérias resumidas em três tópicos. Para quem ainda não conhece, vale acessar. Para a pergunta “os jornalistas vão ser substituídos por IA?”, a resposta foi categórica: “Não. Mas, certamente, jornalistas que usam IA irão substituir os que não usam”. Assunto ainda quente devido ao escândalo ocorrido no Colégio Bandeirantes, o tema do bullying apareceu no congresso. O caso de racismo contra a filha da atriz Samara Felippo também foi citado, lembrando o cuidado que jornalistas devem ter para não expor as vítimas e os agressores que também são crianças. Sem ser nomeada, a escolha da Revista Piauí de divulgar informações sobre o estudante do Bandeirantes que cometeu suicídio sofreu críticas, que foi seguida do lembrete de que responsabilidade e senso crítico é o que ainda diferencia o jornalismo do que é feito por não-jornalistas nas mídias sociais. (CC)
❄️ Notícias da indústria e links diversos. Silvio Santos e a ética na cobertura da morte de figuras públicas: há espaço para a crítica? (objETHOS) | A solução fundamental para o problema do Google e a mídia (Washington Monthly) | Google tenta matar solução sustentável para jornalismo local em acordo secreto (Tech Policy Press) | O Google concordou em pagar milhões pelas notícias da Califórnia, e os jornalistas dizem que foi um mau negócio (ABC News) | Os desafios da cobertura local em debate no Projor (Observatório da Imprensa) | Este agregador de notícias/aplicativo de namoro ajuda os nerds de notícias a se conhecerem (Nieman Lab) | Pablo Marçal nas eleições municipais (Observatório da Imprensa) | Big techs têm retrocesso em ferramentas para monitorar redes na eleição (Folha de S. Paulo) | A agressão contra jornalistas jamais pode ser considerada como um fato normal (Fenaj). | Aos Fatos lança Fátima 3.0, expansão do chatbot com IA generativa (Aos Fatos). (GC)
💎 Oportunidades e desafios na relação entre jornalistas e acadêmicos. Não tá fácil fazer jornalismo, a gente sabe. Diante de cenários por vezes hostis, profissionais de mercado têm buscado na academia insights para enfrentar os desafios impostos à indústria em tempos recentes. A gente sabe também que essa relação nem sempre é suava. Mas o contexto exige interdisciplinaridade, e o esforço acaba valendo a pena, apesar das diferenças e de eventuais tensões. É isso que os pesquisadores Leonie Wunderlich, Sascha Hölig e Meinolf Ellers procuram mostrar no artigo “Academia and journalism: Two different worlds? How scientific institutions can successfully collaborate with journalistic organizations” (Academia e jornalismo: dois mundos diferentes? Como instituições científicas podem colaborar com sucesso com organizações jornalísticas), publicado em agosto na Journalism – um dos periódicos mais importantes do campo. Os três fazem parte de um projeto na Alemanha que une mercado e academia para entender como os jovens se informam e como o jornalismo pode melhorar a comunicação com esse público. Criada em 2020, a iniciativa #UseTheNews envolve mais de 500 parceiros, entre profissionais de mídia, iniciativas educacionais e pesquisadores. É um exemplo, segundo os autores, dos poucos esforços institucionais de longa duração com essa natureza. Nos três primeiros anos, novos formatos noticiosos – desenvolvidos a partir de dados científicos sobre padrões no consumo de notícias – foram oferecidos ao público-alvo. Na segunda fase, que ainda está rolando, o foco está em como as notícias são usadas e na educação midiática. Como o projeto está em andamento, os autores do artigo se debruçaram sobre relação entre jornalistas e acadêmicos envolvidos no projeto, tentando responder às seguintes questões de pesquisa:
Como instituições científicas podem estabelecer colaborações de longo prazo com organizações jornalísticas?
Até que ponto essa cooperação oferece valor agregado para os parceiros?
Quais oportunidades e desafios podem ser observados em relação aos métodos de trabalho dos parceiros neste contexto?
Querem saber como foi? E quais resultados, insights e sugestões os pesquisadores oferecem para tirar o melhor possível da relação entre mercado e academia?
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