NFJ#491 🌱 “Muitos repórteres estão escrevendo ficção”
Melhor fugir das notícias | Acordos entre publishers e empresas de IA podem ser ilegais | Como a IA pode ajudar a relevância de uma notícia | 💎 News influencers com e sem background jornalístico
Boa tarde!
Moreno aqui, atrasadíssimo e cansadíssimo, como diria a Ruth Rocha.
No fim da newsletter há um diamante (💎). Hoje seguimos com a análise de um estudo do Pew Research Center sobre news influencers nos Estados Unidos. A pedido de nossos apoiadores, vamos falar sobre as diferenças dos influenciadores de notícias com e sem backgound jornalístico. Interessou? Apoie a gente! Aqui ou no Apoia-se.
Hoje estamos eu (MO), Lívia (LV) e Giuliander (GC).
Bora!
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Antônio Laranjeira, Antonio Simões Menezes, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno De Blasi, Bruno Souza de Araujo, Carlos Alberto Silva, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Rose Angélica do Nascimento, Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Suzana Oliveira Barbosa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
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🌱 Acordos entre publishers e empresas de IA podem ser ilegais. A Autoridade Italiana de Proteção de Dados (GPDP) enviou uma notificação ao grupo editorial GEDI que pode colocar água no chope dos publishers que assinaram ou estão buscando assinar acordos de cooperação com grandes empresas de inteligência artificial como a OpenAI em troca de compensação financeira. A autoridade avisou que “os arquivos digitais dos jornais armazenam histórias de milhões de pessoas, com informações, detalhes, dados pessoais, mesmo extremamente sensíveis, que não podem ser licenciados para uso por terceiros para treinar IA, sem as devidas precauções”. Assim, tais acordos podem estar violando a legislação europeia de proteção de dados e os signatários podem vir a ser submetidos a sanções. O GEDI, que publica entre outros os jornais La Republica e La Stampa, assim como diversos outros publishers europeus e norte-americanos, assinou acordo de licenciamento de conteúdo com a OpenAI, proprietária do ChatGPT, em setembro. De acordo com Luiza Jarovsky, que tem uma newsletter sobre IA e legislação, se a justiça de algum país europeu como a Itália definir que esse tipo de acordo é ilegal – em suma, o que sustenta a corajosa GPDP –, outros modelos de negócios por trás dos LLMs também podem ser ilegais, pois as obrigações e direitos básicos de proteção de dados provavelmente também não estão sendo respeitados. Ou seja, esse tipo de decisão poderia gerar uma espécie de efeito bola de neve que não apenas inviabilizaria o funcionamento dos grandes modelos de linguagem como eles são hoje em dia como também os acordos que bem ou mal estão gerando algum retorno financeiro para os publishers que produzem e publicam conteúdo na internet. Isso não vai ocorrer hoje nem amanhã e provavelmente as grandes plataformas de IA vão dar um jeito de escapar de sanções que inviabilizem seus incensados produtos, mas convém ficar ligado e acompanhar os próximos capítulos deste tipo de discussão. (GC)
🌱 Melhor fugir das notícias. Um texto de Paula Miraglia na revista Gama deu o que falar nesta semana. Nele, a cofundadora e ex-CEO do Nexo jornal mostrou empatia por 47% da população brasileira que, segundo o Reuters Institute, prefere evitar as notícias – o tal fenômeno da news avoidance. Talvez o que tenha causado surpresa é que uma bem-sucedida empreendedora de mídia concorde que fugir das notícias seja a melhor coisa que poderíamos fazer no momento. Miraglia admitiu que o título do artigo foi quase um caça-cliques. Na verdade, além de citar um monte de deprimentes acontecimentos recentes noticiados pelos jornais e que podem dar motivo para a news avoidance, ela elenca uma série de motivos para a crise: entre outros, a “falência do modelo de negócios do jornalismo, mudanças no comportamento do consumidor de notícias, falta de confiança nos meios de comunicação e novos lugares de autoridade e alcance quando falamos de produção e circulação de informação”. Ela busca na memória passagens de uma época em que o jornalismo era muito mais relevante do que é hoje: uma foto de capa da Folha de S. Paulo com a multidão em um comício do movimento Diretas Já! e uma investigação que levou Jânio de Freitas a antecipar nas páginas de classificados do jornal o resultado de uma licitação.
“Me lembro de acompanhar completamente encantada a ideia de que havia algo tão engenhoso e poderoso, capaz de fazer denúncias dessa magnitude. Infelizmente, o jornalismo não ocupa mais esse lugar. Perdeu relevância e autoridade e, junto com isso, vem perdendo muito dinheiro. Uma ‘tempestade perfeita’ que faz com que estejamos diante do risco de um evento de extinção em massa.”
Miraglia defende que a imprensa repense fundamentalmente a relação com o seu público e busque maior independência diante das plataformas de tecnologia, donas de um verdadeiro oligopólio das receitas publicitárias do ambiente digital, além de tentar recuperar a confiança perdida com erros do próprio jornalismo. “Não podemos esquecer que no meio de uma pandemia que matou mais de 700 mil pessoas no Brasil, onde a desinformação teve papel chave, alguns dos principais jornais brasileiros publicaram anúncios de tratamento precoce, para o qual não há comprovação científica. O anúncio foi patrocinado por uma associação de médicos com reconhecido viés político. Todo mundo tem que pagar as contas, mas também temos escolhas a fazer”, escreveu antes de citar trabalhos importantes do jornalismo independente brasileiro como a investigação da Agência Pública que revelou um esquema de exploração sexual de crianças e adolescentes criado e mantido pelo fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, dentro da própria empresa. “Num país onde o mercado de comunicação é extremamente concentrado, os meios de comunicação estão sendo capturados por interesses políticos, religiosos e comerciais, e temos cada vez menos leitores. O futuro do jornalismo e das notícias não é um problema dos jornalistas, mas de todos nós.” (GC)
🌱 “Muitos repórteres estão escrevendo ficção”. Pegando o gancho do bloco anterior, talvez devamos olhar para o fenômeno da evitação de notícias menos como um problema das pessoas e mais como um problema do jornalismo. Neste artigo para a The Atlantic, Noah Hawley, cineasta e criador da série Fargo, traz um argumento interessantíssimo. Ao considerar o papel do autor na cultura, primeiro vêm as notícias, depois vem a história e, por último, a ficção. “Mas, nos últimos 10 anos, notei algo a princípio intrigante, depois alarmante. Fato e ficção estão trocando de lugar na sequência”, diz. E dá dois exemplos de acontecimentos nos EUA.
Em 2016, um âncora da CNN afirmou, em entrevista com o político republicano Newt Gingrich, que os crimes violentos estavam diminuindo em todo o país. Gingrich retrucou, dizendo que essa era apenas uma "visão" e que as pessoas "se sentem mais ameaçadas". O âncora da CNN insistiu, já que os fatos não sustentavam a afirmação do republicano, que disparou: "Como político, vou com o que as pessoas sentem e vou deixar você com os teóricos". Hawley observa que este foi um sinal de que “estávamos mudando, talvez já tivéssemos mudado, de um mundo baseado em fatos para um mundo fictício, onde o que as pessoas sentem sobre o crime é tão real quanto o crime em si”.
Outro sinal foi a rápida proliferação de narrativas alternativas. O cineasta relembra o 11 de setembro que, primeiro, teve uma cobertura baseada nos fatos para, só mais tarde, emergirem as teorias da conspiração. Corta para o 6 de janeiro, um acontecimento que se desenrolou como fato e ficção simultaneamente.
“Enquanto a grande mídia nos mostrou imagens de apoiadores de Donald Trump invadindo o Capitólio em tempo real, a Fox News, outros veículos de comunicação de direita e as mídias sociais disseram às pessoas que o tumulto que estavam assistindo era, na verdade, obra da antifa. E assim, diante de nossos olhos, a versão fictícia do momento nasceu no mesmo instante que a realidade”.
Olhando para a cobertura atual, Hawley afirma que cada nova nomeação para o gabinete de Trump produz especulações sobre “soldados nas ruas, 10 milhões de migrantes deportados, Nancy Pelosi jogada na prisão”. Trump, de fato, ameaçou fazer todas essas coisas, que não são improváveis. “Mas sua discussão exaustiva, na mesma imprensa que relata os fatos do dia, confunde os cidadãos sobre o papel que a mídia de notícias deve desempenhar em nossa sociedade – relatar os fatos e deixar o público formar uma opinião”, defende.
E conclui:
“Especulação não é a função do jornalismo. É o que um cérebro ansioso faz, preocupando-se com todas as maneiras pelas quais as coisas podem dar errado. (...) Não é que as organizações de notícias estejam inventando a ameaça à democracia. Meu ponto é que quando elas enchem seus feeds com "e se", elas degradam o exercício do jornalismo, transformando notícias em fofocas e jornalistas em comentaristas”.
(LV)
🌱 Uma ferramenta para avaliar a relevância de uma notícia para a audiência. Não existe solução mágica para isso, claro. Mas o analista de mídia Thomas Baekdal personalizou o ChatGPT de uma forma bastante interessante, utilizando alguns modelos que ele havia criado anteriormente para analisar o quanto uma notícia é relevante e útil para a audiência. Neste texto, ele explica o passo-a-passo da criação do Baekdal's News Analyzer (é preciso ter uma conta na OpenAI para acessar). Basta inserir a notícia que você deseja, o que pode ser feito por meio de um link, de um arquivo ou copiando e colando o texto. Eu testei com uma notícia da Folha e, por conta do paywall, tive que utilizar a última opção. Aí é só apertar “enter”. Apesar de o ChatGPT ler o texto em português, as respostas são em inglês. Como mencionei, fiz um teste com esta notícia que estava na homepage da Folha nesta sexta de manhã: “Governo sanciona lei que proíbe celulares em escolas de São Paulo a partir de 2025”. Primeiro, aparecem informações simples de metadados, como título, linha fina, autor, data e cidade. Já achei interessante porque o ChatGPT não só disse que a cidade primária é São Paulo, mas acrescenta que a notícia “menciona discussões federais/nacionais e comparações com tendências internacionais”. Em seguida, uma lista das pessoas citadas na notícia, com descrição de quem são: o governador Tarcísio de Freitas; a deputada estadual Marina Helou, que propôs a lei; e o presidente Lula, que é citado quando a matéria informa que já existe um projeto de lei federal sobre o mesmo assunto. Não há citações (“aspas”) das fontes, e o ChatGPT informa isso. A matéria realmente se baseia no texto do projeto, mas não há entrevistas com, por exemplo, Tarcísio, Marina ou até mesmo com pais e educadores – o que, na minha avaliação, é bastante necessário e tiraria o tom burocrático do texto. Uma lista com os principais tópicos da notícia, seguida de um parágrafo de resumo complementam essa parte inicial. Li, comparei com o texto da notícia e não encontrei erros ou interpretações equivocadas. No “modelo de necessidades do usuário”, o objetivo principal é o de “informar” e o secundário, de “educar”. A meu ver, ambos pertinentes. Em “modelo de relevância”, a classificação é “impacta o leitor indiretamente”, por afetar principalmente estudantes, pais e educadores de SP. Quem deve tomar alguma ação? “Autoridades educacionais locais (para estabelecer protocolos) e escolas (para implementar medidas)”, informa, corretamente, a IA. O tom é “neutro, mas ativo”, porque descreve as etapas de implementação da medida. O “imediatismo” é de longo prazo, pois vai valer a partir de 2025 (aqui eu mudaria para médio prazo, já que estamos quase em 2025). Por último, em “análise do contexto do leitor”, se for de SP, “diretamente relevante, pois a lei afetará escolas e famílias locais”; se fora de SP, “relevante como tendência de política educacional, especialmente se medidas semelhantes estiverem sendo consideradas em outros lugares”. Gostaram? Eu achei bem interessante, até como metodologia de pesquisa acadêmica. Baekdal faz algumas ressalvas, como o fato de o ChatGPT não entender o que é jornalismo – “ele está apenas fingindo de uma forma muito convincente”; e questões relacionadas a direitos autorais. (LV)
🌱 Para ler no fim de semana
Should I stay or should I go?: Jornalistas e veículos vêm abandonando o X há algum tempo, mas o ritmo aumentou nas últimas semanas. Nesta entrevista para o Reuters Institute, os repórteres do New York Times Kate Conger e Ryan Mac, que cobrem a plataforma há anos, falam sobre o livro “Character Limit: How Elon Musk Destroyed Twitter”.
5 dicas para um jornalismo centrado na comunidade: Damian Radcliffe mostra como as redações devem trabalhar mais de perto com seus públicos para identificar e lidar com as questões que mais importam para eles.
Vídeos verticais na home dos sites de notícia: Esta matéria do Nieman Lab explora essa tendência, que aparece normalmente em carrosséis nos sites e apps. “Queremos que as pessoas consigam consumir nosso jornalismo da forma como desejam”, disse Liv Moloney, editora de vídeo da The Economist.
“Qualquer empresa de mídia agora tem que ser digital”: Nesta entrevista para o FT Strategies, Naja Nielsen, diretora digital da BBC News, afirma que uma organização totalmente digital sabe que problema deve resolver para o público e, então, usa dados, testes e inovação para resolver esse problema e funcionar melhor. (LV)
💎 News Influencers com e sem background jornalístico: qual a diferença? Semana passada eu apresentei os principais resultados de um estudo do Pew chamado America’s News Influencers, sobre a ascensão dos influenciadores no ecossistema midiático norte-americano. Em nossa leitura, destacamos, entre outros highlights, que cerca um em cada cinco pessoas nos EUA recebem notícias de influenciadores regularmente. No final da análise, perguntei sobre qual capítulo deveríamos nos debruçar hoje. Nossos apoiadores escolherem saber mais sobre a diferença entre os influenciadores que têm ou tiveram alguma ligação com o organizações jornalísticas daqueles sem relação com o jornalismo. (MO)
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