NFJ#505 🍂 Pessoas usam notícias por interesse pessoal ou para agir no mundo
"Eu não deveria querer estar informado?": como a IA pode melhorar o ato de se informar – isso se ela não destruir as notícias antes | Reflexões sobre o Festival Internacional de Jornalismo
Boa tarde!
Moreno aqui, naquela correria de sexta.
Hoje a newsletter volta ao normal, com quase toda a edição aberta. Mas preciso dizer que a análise assinada pela Lívia (fechada para apoiadores), sobre um relatório produzido na UFSC sobre jornalismo local e Florianópolis, é, sem sombra de dúvidas, o melhor da news de hoje. O report é fruto de um trabalho de campo raro, que foi às ruas da capital catarinense para saber das pessoas como e por que elas se informam, entre outras questões relevantes para qualquer um envolvido com jornalismo hoje.
Aquilo que vocês já sabem: eu (MO), Lívia (LV) e Giuliander (GC) assinamos os tópicos.
Antes, no blog dos nossos parceiros da serverdo.in, conheça plugins de IA para Wordpress.
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Suzana Oliveira Barbosa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
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🍂 A IA pode melhorar as notícias – se não destruí-las no processo (I). É assim que Joshua Rothman encerra este interessante artigo publicado na New Yorker sobre como ele usa plataformas de inteligência artificial para se informar, e o que podemos esperar para o futuro. Ele argumenta que, por ora, a “qualidade variável e a precisão incertas das notícias geradas por IA protegem as organizações de notícias sofisticadas”, mas que logo talvez esse jogo vire, devido à grande velocidade de desenvolvimento da tecnologia. Um cenário já pode ser vislumbrado ao observar o uso que as próprias pessoas fazem dessas ferramentas. Ele, por exemplo, segue lendo jornais, mas o faz tendo IAs como companhia. “‘Conte-me mais sobre aquela prisão em El Salvador’, posso dizer em voz alta. ‘O que os relatos em primeira mão da vida lá dentro revelam?’", escreveu Rothman, demonstrando como ele usa plataformas como Claude, ChatGPT e Perplexity para se aprofundar no entendimento do noticiário, às vezes tentando preencher brechas deixadas pelos próprios jornalistas ou pela limitação da cobertura. O noticiário sobre o desmantelamento da USAID, por exemplo, trazia poucas informações sobre a história da agência. Ele supriu essa lacuna pedindo ajuda pra IA. “Eu poderia ter feito isso da maneira agora usual — googlando, clicando, dando scrolling. Mas trabalhar em um único chat de texto foi mais eficiente, divertido e intelectualmente estimulante”. Sobre este ponto, Rothman é um otimista. Achei interessante o método dele – o que não exclui pelo menos dois pontos críticos. O primeiro (e já discutido incansavelmente aqui e em outros fóruns) é que essas IAs se alimentam do conteúdo produzido por veículos e seus jornalistas. Logo, se ignorarmos as fontes originais para consumirmos apenas os resumos, o trabalho jornalístico acaba inviabilizado – consequentemente, colocando em xeque a própria atuação das IAs, e assim por diante, num ciclo vicioso e suicida. O segundo é as pessoas possuírem uma capacidade similiar à descrita por Rothman em seu processo. É preciso, me parece, desenvolver habilidades que antecedem o uso da IA como ferramenta para retirar delas o seu maior potencial. Ou seja, adquirir conhecimento com um nível maior de agência e autonomia no processo – buscar, descobrir, gerar sentido. Mas como desenvolver essas habilidades se é justamente essa “parte trabalhosa” que está sendo substituída pela IA? (MO)
🍂 A IA pode melhorar as notícias – se não destrui-las no processo (II). As impressões do autor sobre o uso de IA para consumo noticioso contrastam com uma visão crítica do ecossistema de informação jornalística – outro ponto interessante do artigo. No começo do texto, Rothman diz que a década de 1990 foi a última em que manter-se informado era opcional e dependia de uma ação direta e intencional dos indivíduos. Também argumenta que a lógica dos ciclos noticiosos (jornalistas descobrem verdades perturbadoras → leitores clicam em notícias negativas → jornalistas produzem mais notícias negativas porque as pessoas clicam) provoca um afastamento do noticiário e reduz a confiança das pessoas na imprensa. “Hoje, estou rodeado pelas notícias a cada momento; verificar os eventos atuais tornou-se quase uma atividade padrão, como fazer um lanche ou sonhar acordado. Tenho que tomar medidas ativas para afastar as notícias. Isso não parece certo — eu não deveria querer estar informado? — mas é necessário se quero estar presente na minha vida.” Ser bombardeado por notícias ruins, segue Rothman, vem alterando nossa percepção de realidade. Não é necessariamente o mundo que tá piorando (embora esteja, ao menos sob aspectos ambientais, né, meu caro Rothman), mas sim (segundo estudos, ele diz) as reportagens vêm se tornando, ao longo do tempo, cada mais negativas. “E como nossa visão do mundo além de nossa experiência direta é tão dramaticamente moldada pelas notícias, sua crescente negatividade é uma consequência. Isso nos torna raivosos, desesperados, em pânico e divididos.” O que me faz lembrar do que Jonathan Haidt fala no livro Geração Ansiosa sobre como uma mudança no ecossistema informativo na década de 1990, especialmente com a emergência do ciclo de notícias 24x7 das TVs a cabo, proporcionou o surgimento do que ele chama de “segurismo” – uma necessidade exacerbada de segurança diante de uma sensação que não encontra lastro na realidade, mas que foi moldada em grande medida pela atuação dos meios de comunicação. No livro, o segurismo é um dos responsáveis pelo fim da infância baseada no livre brincar – que anos mais tarde vai dar lugar à infância baseada no celular. Com as redes sociais e a câmera frontal, esses aparelhos vão moldar o cérebro da geração z – a mesma galera que tá usando e TikTok como mecanismo de busca e tentando encontrar em emojis os significados das relações face a face que eles não tiveram a oportunidade de ter. E o jornalismo? O jornalismo vem tentando alcançar essa audiência usando os mesmos mecanismos que ajudaram a criar o contexto que bagunçou toda essa geração. (MO)
🍂 Google IA Overviews reduz os cliques em conteúdo original. Falando em jornalismo tentando alcançar a audiência usando mecanismos que bagunçaram tudo, saiu um estudo que confirma aquilo que já temíamos sobre o Google AI Overviews (que em português parece ter o nome pouco estimulante de Visão Geral criada por IA): o recurso reduz os cliques nas fontes originais de conteúdo em quase 35%. O resultado vai ao encontro da lógica e de encontro ao que defendeu o CEO do Google no ano passado quando disse que os conteúdos que fossem destacados na ferramenta receberiam mais cliques (não faz nenhum sentido, mas historicamente sabemos que esse pessoal não tem vergonha de mentir descaradamente para seguir com seus planos, pronto falei). A consultoria Ahrefs analisou 300 mil palavras-chave, metade delas contendo uma Visão Geral de IA e metade, não. Usaram dados agregados para obter a taxa de cliques média mensal para cada palavra-chave em desktop (soma de cliques/soma de impressões). Em seguida, compararam as taxas de cliques de ambas as amostras para março de 2024 (antes do lançamento das visões gerais de IA nos EUA) e março de 2025. Em março de 2024, a taxa média de cliques da primeira posição para palavras-chave informativas era de 0,056. um ano depois, essa taxa caiu para 0,031. Calculando a diferença entre a taxa de cliques prevista e a real para palavras-chave que estão na Visão Geral da IA do Google sugere que o recurso reduz a taxa de cliques para a posição 1 de cada palavra-chave em 34,5%. O diretor de marketing de conteúdo da Ahrefs, Ryan Law, não ficou surpreso e espera que a situação piore no futuro:
“As Visões Gerais de IA funcionam de forma semelhante aos Snippets destacados, tentando resolver a consulta do usuário diretamente na página inicial - provavelmente contribuindo para mais buscas com zero cliques. E embora as Visões Gerais de IA frequentemente contenham links de citação, eles são vários, tornando menos provável que um único link receba a maior parte dos cliques. (...) E ainda não há como diferenciar os cliques e impressões das Visões Gerais de IA do restante dos dados do Search Console. Parece que o Google não quer que vejamos a taxa de cliques das Visões Gerais de IA.”
Se não beneficia a plataforma proprietária do recurso, transparência pra quê, né, gente? (GC)
🍂 Ainda sobre o Festival Internacional de Jornalismo. O diretor do The Fix, Jakub Parusinski, compartilhou um texto com 10 reflexões sobre o Festival Internacional de Jornalismo, que rolou em Perugia no início do mês. Não achei todas com caras de reflexões, mas sim meras constatações, de qualquer forma achei interessante porque ajuda a dar um panorama sobre o evento, que, como de costume, teve dezenas de paineis e discussões ocorrendo quase ao mesmo tempo e cujas conclusões, muitas vezes, permanecem incertas. Falamos sobre alguns dos assuntos que nos chamaram mais atenção nas duas últimas edições da NFJ. Mas vamos à lista de reflexões/constatações de Parusinski:
Os cortes de gastos para o financiamento de organizações como a USAID aumentaram os temores de extinção da mídia em alguns países afetados por conflitos e/ou impactados por governos autocráticos. Até o momento, no entanto, quem mais sentiu o baque foram as organizações não governamentais que recebiam os fundos e tocavam os projetos de sustentabilidade da mídia;
O sistema de doações para projetos de mídia precisa ser mais eficiente. O programa mais eficiente destina cerca de 30% do montante recebido para custos administrativos e, com frequência, essa taxa chega a 50%. Ou seja, a mídia que precisa de apoio acaba nem vendo a cor do dinheiro;
A mídia emergente parece estar em maior sintonia com a audiência para conseguir se financiar do que a chamada mídia de legado;
Os publishers estão gastando direcionando de 10% a 30% para tecnologia e solução de seus próprios problemas, o que tem causado um aumento no número de pequenas empresas desenvolvendo recursos para o setor de mídia;
O festival está cada vez mais diverso;
A indústria tem enfrentado problemas para encontrar pessoas capacitadas a enfrentar um cenário onde novas funções para lidar com tecnologia estão surgindo a todo momento;
Havia mais paineis discutindo soluções para os problemas do que simplesmente reclamando deles e do terrível futuro que espera a mídia;
Nesta edição, pareceu que havia mais espaço para desacordos nas discussões do que em edições anteriores em que os paineis viravam com frequência locais de mútuo acordo. Isso é bom porque as pessoas são mais desafiadas a se questionarem;
A crescente escassez de recursos tem convencido mais publishers a buscarem soluções compartilhadas, em colaboração;
A inteligência artificial parece ser útil, mas ainda não se tornou central para a maioria dos publishers. (GC)
🍂 Links diversos
“Quartz agora é uma marca zumbi”, destaca este texto publicado no Nieman Lab. Vendido para a G/O Media em 2022, agora foi repassado para uma empresa canadense de software chamada Redbrick, causando a demissão de toda a equipe editorial. Para quem não conhece (ou conheceu), o Quartz foi assunto nesta NFJ em diversos momentos. Por exemplo, em 2015, quando destacamos que, em apenas dois anos, a iniciativa havia obtido uma audiência de 10,9 milhões de usuários únicos por mês e 110 mil assinantes na newsletter diária. Um ano depois, em 2016, Moreno escreveu que “saber o que anda fazendo o Quartz é sempre uma boa”, destacando o lançamento de um app próprio. Não deixa de entristecer a decadência de um veículo com características tão inovadoras.
Investigações jornalísticas feitas pelos repórteres peruanos Paola Ugaz e Pedro Salinas motivaram uma das últimas decisões do Papa Francisco: confirmar a extinção do “Sodalício de Vidã Cristã (SVC)”, um influente movimento de leigos católicos ativos em quase toda a América Latina. De acordo com esta matéria da LJR, o Sodalício era objeto de denúncias há anos, envolvendo abusos físicos, psicológicos e sexuais contra membros e não membros do movimento.
Termina hoje (25/4) as inscrições para a “Jornada de IA para Negócios Jornalísticos”, programa gratuito do Google que visa a transformação digital de 100 veículos de comunicação no Brasil. Serão selecionados 40 participantes para as duas primeiras turmas, que terão início em maio. Em setembro, acontecem mais três turmas.
Vale ler esta entrevista da LJR com Otávio Daros sobre seu livro “History of Brazilian Journalism”, que pretendeu reformular como a história do jornalismo no Brasil é contada. “A maior parte dos livros de história do jornalismo foram escritos antes dos anos 2000, e muitos são histórias da imprensa enquanto história dos impressos. Minha perspectiva foi a de entender como essa prática se transforma com o tempo, quais características perde e adquire ao longo do processo histórico”, diz. (LV)
💎 O que conecta os públicos ao jornalismo local? O contexto do jornalismo local brasileiro é preocupante: emergência de desertos e semidesertos de notícias, diminuição do número de profissionais e da qualidade e quantidade de notícias. As consequências são igualmente desafiadoras: negacionismo, desinformação, conversão da política à linguagem das mídias sociais, deterioração da qualidade das lideranças públicas, esgarçamento de vínculos locais. A partir desse diagnóstico, pesquisadores da Universidade de Santa Catarina acabam de lançar relatório que investiga hábitos, interesses, sustentabilidade, engajamento e participação em Florianópolis. Foram realizadas 604 entrevistas, entre maio e junho de 2024, com moradores de todos os bairros da cidade. Nós lemos o relatório e destrinchamos os principais achados para nossos apoiadores. Vamos lá? Apoiadores seguem com a gente. (LV)
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