Próximo ano deve trazer novos dados sobre tamanho e força política dos evangélicos
Informações sobre o Censo e a preparação para as eleições de 2026 reacenderão o interesse da imprensa e oferecerão novas possibilidades para compreender a influência política desse grupo religioso
Estamos nos aproximando de momentos-chave, há muito esperados, quando o assunto é a força dos evangélicos no Brasil.
Dados do Censo Demográfico 2022 sobre as religiões dos brasileiros devem ser divulgados em 2025, embora ainda não haja uma previsão oficial para isso. As últimas edições do Censo têm mostrado crescimento contínuo no percentual e número total de evangélicos no país.
E a década de 2030 foi frequentemente apontada em matérias jornalísticas, com base em projeções feitas por alguns pesquisadores, como o momento em que possivelmente os evangélicos poderiam se tornar o maior grupo religioso no Brasil, superando os católicos.
Vale pontuar, porém, que nem todos pesquisadores embarcaram nesse tipo de projeção — até porque a quantificação desses religiosos é apenas uma das inúmeras vertentes de estudos possíveis sobre os evangélicos.
Em um artigo de 2020, o antropólogo Ari Pedro Oro defendeu que esse tipo de “futurologia” é “incompatível com a prática científica”. Revisando a literatura, ele percebeu que, além daqueles que esperam uma superação dos católicos por evangélicos, há pesquisadores que apostam na estabilização do crescimento evangélico.
Se na academia há ressalvas com essa tal futurologia, no jornalismo ela tem sido abraçada e impulsionada. O crescimento evangélico em vários campos — do mercadológico ao político, da indústria da música à presença nas prisões — tem tido espaço nobre há décadas no jornalismo, principalmente a partir de 1990, assim como a ameaça que isso representaria ao catolicismo.
Pelas palavras usadas nessas reportagens, frequentemente essa expansão ganha conotação negativa, como se fosse, na verdade, uma ameaça não só ao catolicismo, mas à sociedade brasileira. É um temor que faz muitos críticos afirmarem que o Brasil caminha para ser um “Evangelistão”, um país fundamentalista à moda evangélica.
Considerando o histórico, não há dúvidas de que os resultados dos próximos dados populacionais sobre religião terão grande destaque na imprensa brasileira. Sobre a conotação, muitas vezes inevitável em qualquer tipo de texto, é importante estarmos atentos se é motivada por mero estranhamento ou preconceito de classe, preferindo em vez disso que eventuais críticas a igrejas e líderes evangélicos sejam baseadas em dados, evidências e contribuições acadêmicas sérias. É com esse tipo de abordagem que o jornalismo se mostra mais forte.
Acredito, ou quero acreditar, que estamos caminhando para uma abordagem mais nuançada sobre o poder político dos evangélicos. Na eleição presidencial de 2010, disputada por Dilma Rousseff e José Serra, a imprensa deu enorme foco, talvez em um nível sem precedentes, ao lastro eleitoral dos evangélicos e à sua associação com o conservadorismo. Construiu-se a noção questionável de um “voto evangélico” e a ideia de um poder quase ilimitado por parte desses religiosos.
As eleições municipais de 2024 mostraram que ser evangélico e ser apoiado por pastores poderosos não basta — e jornalistas estão começando a registrar isso, como o repórter Bernardo Mello, do jornal O Globo, que mostrou que várias candidaturas apoiadas por líderes evangélicos não conseguiram ser eleitas nas câmaras municipais das maiores cidades do Brasil, São Paulo e Rio.
É preciso lembrar que, além de evangélica, uma pessoa vive em determinada região do país, em ambiente urbano ou rural, tem certa cor de pele, escolaridade, meio de consumo de notícias, até mesmo uma personalidade única.
E sim, nas pesquisas de opinião, fica evidente que os evangélicos tendem a apoiar mais candidatos conservadores, na comparação com a população em geral. Mas há um percentual não desprezível de eleitores que não têm apoiado candidaturas conservadoras. Já é hora de considerar esses matizes — e a boa notícia para o jornalismo é que isso traz mais oportunidades de pauta.
Podemos esperar que a esquerda continue tentando aproximações do campo evangélico, buscando fiéis e pastores alinhados para chamar de seus, embora para alguns segmentos isso pareça bastante incômodo, explicitando tensões entre secularismo e religião, entre pautas progressistas e interpretações predominantes de escritos sagrados.
Quanto aos políticos já com mandato e que sejam ligados a igrejas evangélicas, que o jornalismo continue vigilante para que interesses e visões de mundo desses religiosos não ultrapassem direitos constitucionais de todos os brasileiros. Diante do poder, o jornalismo deve ser rígido, seja com políticos evangélicos ou não evangélicos.
Em 2025, devemos ver também a continuidade de um debate que começou nas eleições municipais de 2024 e deverá continuar rumo às eleições gerais de 2026. Na disputa pela prefeitura de São Paulo, o candidato derrotado Pablo Marçal — que não deixa dúvidas de que quer concorrer à presidência em 2026 — incomodou líderes evangélicos poderosos por representar um modo de vida evangélico, porém não institucionalizado em uma igreja. Podemos estar diante de um fenômeno novo ou pouco captado pela imprensa, trazendo mais uma vez oportunidades de pauta.
E mesmo entre as diversas igrejas estabelecidas no país, penso que ainda há muitas oportunidades ainda não exploradas. Na minha tese de doutorado, em que estudei a cobertura dos jornais O Globo e Folha de S. Paulo ao longo dos anos desde a redemocratização, a Igreja Universal do Reino de Deus foi disparada a instituição evangélica que recebeu maior cobertura. Não me surpreenderia em nada se esse padrão histórico fosse observado em outros veículos de imprensa.
Recentemente, publiquei uma reportagem em que um trecho significativo se voltava para práticas da Congregação Cristã no Brasil (CCB). Uma leitora comentou nas redes sociais que nunca tinha visto uma reportagem sobre a CCB — estamos falando da terceira maior denominação evangélica segundo o Censo 2010. Claro que existem reportagens sobre essa igreja, mas aquém do potencial de pautas que ela pode oferecer.
Para além das grandes denominações evangélicas, penso também no potencial de pautas envolvendo igrejas menores, ligadas intimamente à comunidade local nas quais estão inseridas e responsáveis por boa parte do crescimento numérico dos evangélicos no país.
Convido ainda os jornalistas a desafiar um senso comum que já ouvi de alguns colegas, de que as igrejas pentecostais e neopentecostais seriam, de modo geral, piores — em termos de seriedade, práticas deletérias, fundamentalismo… — do que as igrejas históricas. Essa assumpção questionável pode acabar vedando nossos olhos para possíveis pautas e não considera que há várias convergências entre igrejas tradicionais e as mais recentes.
Inclusive, acadêmicos têm observado há algumas décadas a “pentecostalização” do protestantismo histórico. A Lagoinha, uma igreja batista na origem e foco recente em várias reportagens, é um grande exemplo disso.
Como ocorreu nos últimos 30 anos, conforme observei na minha tese, não tenho muitas dúvidas de que as próximas décadas ainda trarão muitas notícias sobre os evangélicos e toda a sua diversidade. Dinamismo e heterogeneidade estão na origem e na essência desse grupo religioso – e a imprensa tem muito a aprender e a ganhar com isso.
Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2025. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.