Traçar estratégias em comunidade é o caminho para saúde mental dos jornalistas
Em 2025, será preciso avançar nas discussões para além da dimensão individual, pois há limites para se manter uma vida equilibrada quando é preciso cumprir jornadas extensas em situações precarizadas
É provável que você tenha percebido no cotidiano que a saúde mental vem despertando cada vez mais interesse entre as pessoas. Esta observação pode ser confirmada através do Google Trends, ferramenta que permite monitorar o comportamento de pesquisas online. Ao analisar os termos “saúde mental” e “mental health”, no Brasil e no mundo, o gráfico mostra que existe um crescimento nas buscas, principalmente nos últimos cinco anos. E continuará crescendo em 2025.
A ferramenta da big tech aponta que a popularidade do assunto tem relação com a pandemia da Covid-19. A partir de 2020, é possível perceber um aumento, principalmente a partir dos meses de maio e junho daquele ano, quando a maioria de nós percebeu que a vida tinha mudado e não ficaríamos apenas um mês de quarentena. Nessa época, uma pesquisa realizada pela Federação Internacional dos Jornalistas, aplicada no Brasil pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), mostrou que 61,25% sentiram aumento na ansiedade e estresse com o trabalho diante do enfrentamento da Covid-19.
Alguns dos problemas enfrentados, segundo a pesquisa, foram o deslocamento de editoria e de temas que os jornalistas costumavam cobrir, as perdas salariais e reduções de benefícios, e as demissões. Passada a pandemia, é fácil perceber durante um cafezinho com os colegas que esses e outros motivos continuam provocando danos à saúde mental, e ficaram bem longe de se dissiparem com o fim do isolamento social.
A pesquisa “The Burnout Crisis in Journalism: Solutions for Today’s Newsroom”, lançada em fevereiro deste ano pelo Reynolds Journalism Institute, apontou que as significativas mudanças no jornalismo podem contribuir para fatores que levam ao esgotamento mental. Foram ouvidos 1140 estudantes, jornalistas e ex-profissionais em 50 estados americanos. Destes, 44% são pessimistas quanto ao jornalismo, ainda que 99% reconheçam a importância do trabalho para a democracia.
O levantamento ainda mostrou que 80% dos entrevistados acreditam que o burnout é uma questão crítica atualmente na indústria. Além disso, 84% dos jornalistas e 88% dos ex-jornalistas sofreram pessoalmente com o problema, e 9 entre 10 disseram que viram um colega sofrer com a exaustão mental. Para 64% dos profissionais em atuação e 43% daqueles que deixaram o jornalismo, o problema de saúde mental tem um impacto dramático na redação.
Entre as cinco principais emoções negativas, os colegas americanos relataram que ficam estressados (89%), mentalmente exaustos (88%), cansados (85%), esgotados (81%), e sobrecarregados (80%). Os problemas relatados mais relevantes para esses profissionais são a necessidade de as redações terem que fazer mais com menos (87%) e os cortes nos orçamentos (85%). É uma realidade que não está tão distante dos brasileiros.
No material “Está tudo bem? Guia de saúde mental para jornalistas”, publicado pelo Redes Cordiais em parceria com o Instituto Tecnologia e Sociedade, é possível encontrar relatos que mostram uma cultura tóxica que corrobora com a pesquisa americana. A pesquisa ouviu 275 profissionais de seis redações brasileiras. Entre as principais reclamações estão: falta de empatia; falta de reconhecimento; falta de transparência na comunicação; comunicação violenta; desrespeito às folgas; desorganização nos processos da redação; e sobrecarga de trabalho.
Os relatos mostram ainda que os profissionais sentem culpa e vergonha quando estão com sofrimento mental e se colocam menos importantes do que as vítimas que ouvem para suas reportagens. Existe um ideal de jornalista inabalável. Pedir para abandonar uma reportagem por causa do medo do impacto emocional que ela pode gerar soa absurdo para muitos jornalistas. Há quem defenda que cobrir temas duros é a essência de veículos e de profissionais de respeito.
Este contexto não é uma grande novidade. Há alguns anos ouvimos sobre a crise no setor, que drenou as receitas publicitárias dos grandes veículos. A economia da atenção pulverizou o tempo dedicado a ler jornal, ouvir rádio e assistir à televisão. Assim, boa parte dos anunciantes migraram para as “publis” dos criadores de conteúdo e os anúncios das plataformas digitais, como o próprio Google e redes sociais como Instagram.
Com esse movimento, os orçamentos diminuíram, as equipes foram ficando enxutas e cada vez mais lidamos com o fenômeno do passaralho, a demissão em massa de profissionais das redações. Quem fica, acaba sendo sobrecarregado com o trabalho que seria de mais profissionais. Quem sai, encara os desafios de se recolocar em equipes enxutas ou aceitar oportunidades de trabalho como freelancer, sem as proteções de direitos trabalhistas.
Jornalistas enfrentam novos desafios
A pesquisa Reynolds Journalism Institute ainda mostrou que, para 36% dos jornalistas, atualmente é muito mais difícil fazer jornalismo do que no passado. Esta sensação está atrelada a novos desafios crescentes com as mudanças climáticas e o mundo digital, como a desinformação e os ataques online.
A chamada ansiedade climática, ou ecoansiedade, é um sentimento que envolve angústia e desesperança diante da crise climática. Jornalistas estão especialmente vulneráveis a esta questão ao terem contato com um alto volume de informações sobre o tema e por cobrirem os efeitos deste problema, como os desastres naturais. Enchentes, ondas de calor, e incêndios são eventos extremos que podem desencadear emoções como raiva, culpa, desânimo, irritação e cansaço.
Um exemplo recente desta questão é a enchente que aconteceu no Rio Grande do Sul entre abril e maio deste ano. O caso mobilizou a imprensa para cobrir os impactos socioambientais do extenso alagamento, trazendo à tona mortes, desaparecimentos, desalojamentos, entre outros dramas humanos. Enquanto faziam a cobertura de histórias trágicas, que por si só impactam o jornalista da linha de frente, muitos colegas viviam essas histórias na própria pele. Além disso, essas situações criam um ambiente fértil para a desinformação e as teorias da conspiração prosperarem. Infelizmente, com a crise climática, eventos extremos como este serão cada vez mais recorrentes.
A situação no Sul levou à criação, poucos meses depois, do “Guia de influência responsável em situações de emergência”, um material produzido pelo Redes Cordiais, com o qual colaborei. Nele, fizemos um compilado de sugestões usando a metáfora de que é preciso colocar primeiro a própria máscara oxigênio antes de ajudar os outros.
Outra iniciativa que surgiu nesse período foi o “Guia básico para jornalistas em cobertura de eventos extremos: preservando a saúde física e mental em situações de intenso estresse”, publicado pela Universidade de São Paulo, a empresa Dix e a FENAJ. O material destaca que os profissionais que viveram o trauma da pandemia agora se viram diante de um novo desafio para a saúde mental. Além disso, o profissional pode estar lidando com um estresse anterior, advindo da vida pessoal, o que o coloca em uma dupla exposição.
Para além da questão ambiental, a crescente polarização e a desinformação tornaram as coberturas mais difíceis. O Center for Health Journalism da University of South California ouviu jornalistas durante as eleições americanas deste ano e descobriu que 70% sentiram um aumento no estresse com o trabalho. A emoção negativa é justificada com a exaustão e a frustração ao combater as ondas de desinformação, que partiram principalmente dos apoiadores do republicano Donald Trump, vencedor do pleito.
Os jornalistas também são alvo de ataques digitais, usados como estratégia de intimidação e silenciamento. O relatório “Violência on-line: a internet como arena de ataques contra jornalistas", produzido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mostrou que, entre os ataques a jornalistas, 51,1% aconteceram no ambiente online, em 2023. É importante destacar que existem grupos mais vulneráveis que outros, como pessoas negras, LGBTQIAPN+ e mulheres. O documento da Abraji apontou, por exemplo, que nós fomos alvo de 78,1% dos casos, sendo 52% deles identificados como machistas, misóginos e/ou transfóbicos.
Pensando nessa realidade, o Redes Cordiais lançou, em parceria com o Internetlab, o “Falando sobre ataques online e trolls”. O material explica que um ataque online tem diversas formas, como o envio de provocações, xingamentos, ofensas e ameaças, além de estratégias mais sofisticadas como a interceptação de mensagens, roubos de senha e o doxing, quando há exposição de dados pessoais. Eles podem ser provocados pelos trolls, que buscam tumultuar o debate, ou pelos haters, que agem guiados pelo ódio.
Por fim, a inteligência artificial promete se somar ao hall de temas que causam angústia aos colegas da imprensa. Com a chegada da tecnologia, aumentou a insegurança quanto à estabilidade do emprego. O artigo “Impact of AI Integration on Journalists’ Mental Health: A Quantitative Study” aponta que a mudança na atividade jornalística e a pressão para o profissional se adaptar impactam os níveis de estresse, ansiedade e depressão. A pesquisa quantitativa ouviu 500 jornalistas de redações que passaram a usar IA.
Saúde mental entra em destaque em 2025
Se o tema cresceu desde a pandemia, ele não deve ir embora em 2025. O que se espera é que a discussão se amplie. Exemplo disso é a França, que anualmente define um tema prioritário e, para 2025, elegeu a saúde mental como bandeira urgente. Isto colabora não só para aprofundar o debate, mas para a criação de políticas públicas.
Por aqui, já existe um movimento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para levar a questão ao mundo corporativo. Até maio do ano que vem, as empresas terão que fazer um plano de gerenciamento de riscos envolvendo a saúde mental dos empregados. A medida está presente na atualização da Norma Regulamentadora Número 01 (NR-1) e é a primeira vez que os empregadores são responsabilizados desta forma, a fim de promover um ambiente saudável para o psicológico dos trabalhadores.
O órgão também está de olho na nossa categoria. Este ano, através da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), o MTE lançou uma pesquisa em parceria com a FENAJ e 31 Sindicatos de Jornalistas filiados. O objetivo do estudo quantitativo é fazer um raio-x do que causa sofrimento mental no exercício da profissão para desenvolver políticas que protejam os profissionais – quem quiser colaborar com a pesquisa ainda pode preencher o formulário.
Os resultados ainda estão por vir, mas é possível pensar em alguns caminhos para lidar com a questão, entre estratégias individuais e coletivas. O guia “Está tudo bem?” indica recomendações que envolvem uma melhora no estilo de vida, com exercícios físicos, uma alimentação balanceada e uma boa noite de sono. O material ainda sugere terapia e meditação.
Mas há um limite para o que pode ser alcançado individualmente, por isso as soluções coletivas são cruciais para o debate da saúde mental dos jornalistas. Existem poucas chances de manter uma vida equilibrada quando é preciso cumprir jornadas extensas e exaustivas, por exemplo, provocadas por uma equipe enxuta e pelas grandes coberturas como os desastres naturais. Por isso, o guia ainda explica que uma redação emocionalmente preparada depende de cultura, política e treinamentos.
Durante quatro anos trabalhando como gerente de comunidade no Redes Cordiais, atuando próxima a jornalistas e influenciadores, percebi também que, muitas vezes, o que alguém precisa é de um ombro amigo. Seja para se sentir acolhido, seja para descobrir como reagir a uma situação desafiadora, como um ataque online. Por isso, é importante cultivar a comunidade, que se caracteriza como um grupo de pessoas que compartilha uma vivência, algo que o marketing digital já reconhece o valor.
Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2025. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.