Vamos tornar mais diversa a cultura organizacional das redações em 2024?
Para além da pauta e das fontes, a cultura da sua redação está preparada para garantir a permanência de jornalistas diversos? 2024 pode ser o momento de transformar a cultura do jornalismo
A diversidade é cada vez mais discutida e abraçada dentro das redações brasileiras, mesmo ainda estando longe de ser o que desejamos para um jornalismo inclusivo. Sabemos que o tema está na moda porque é relevante, diversifica a audiência e gera novas narrativas. Mas ter equipe e práticas diversas significa que a cultura organizacional das iniciativas jornalísticas também será diversa?
Em 2024, vamos respirar fundo e olhar para dentro. A perspectiva que vou desenhar aqui não vai falar da produção jornalística. Vamos olhar para a cultura que rege o jornalismo, e como todas as experiências relacionadas à diversidade podem caminhar junto com novas práticas internas para as redações brasileiras.
Trabalhando há algum tempo com iniciativas de jornalismo independentes e locais espalhadas pelo Brasil, pude notar que existe o interesse em pautar a diversidade e inclusão no jornalismo, diversificar as fontes, procurar personagens mais diversos e ter uma equipe plural. Essas são práticas já existentes. Mas uma das dificuldades que encontramos ao trabalhar esse tema é mexer com a cultura organizacional das iniciativas que, mesmo diversas, espelham práticas da mídia hegemônica. Poucas vezes as organizações conseguem criar uma cultura que realmente representa as pessoas que compõem a redação, impossibilitando a permanência desses corpos.
A cultura organizacional é um código interno que reflete a crença, valores e propósitos de empresas e iniciativas. Pode não ser algo escrito, oficializado, pode ser uma cultura sentida. Na maioria das vezes, a cultura de um espaço está associada aos seus fundadores. No jornalismo, essas pessoas são, na maioria das vezes, homens brancos cisgêneros e de classe média alta. A contratação de pessoas diversas acontece, mas a permanência de forma saudável, não. Vemos profissionais mulheres, transsexuais e travestis, pessoas negras e indígenas saindo das redações, pois uma cultura organizacional que não olha para o contexto social em que está inserida dificilmente vai estar preparada para enfrentar desafios e se adaptar para acolhê-los.
Se queremos uma cultura organizacional mais diversa, precisamos enfrentar os desafios que existem dentro das redações. A partir de escutas com jornalistas e comunicadores, levantei três desafios relacionados à cultura organizacional dentro organizações jornalísticas que podem ser debatidos e trabalhados em 2024.
Falta de sensibilidade das lideranças para a diversidade.
Um desafio recorrente nas falas de jornalistas é de como sensibilizar chefias e lideranças que pouco se relacionam com a temática da diversidade no ambiente organizacional. O papel das lideranças é mais do que gerir uma iniciativa, é também olhar para as pessoas que a compõem. Sabemos que as lideranças são os primeiros a refletirem a cultura organizacional da redação, e isso define como as pessoas vão se sentir em relação a essa cultura.
Os líderes estão em contato direto com a equipe. Ter uma boa percepção sobre os desafios enfrentados por cada pessoa ajuda a se posicionar frente às desigualdades que o ambiente de trabalho pode gerar. Então, produzir um censo para mapear quem é a sua equipe e quais são as suas necessidades, possibilitar espaços de feedbacks seguros, mostrar disposição de discutir temas como branquitude, racismo, entre outros, são características de uma liderança preocupada com a diversidade. Isso é importante porque são os líderes os responsáveis por criar e fazer a manutenção das políticas de diversidade e inclusão.
Práticas que ocasionam estresse e desequilíbrio emocional na equipe.
A saúde mental dos jornalistas é outro tema que precisa de constante atenção. Ainda existe uma resistência de levantar esse debate dentro das redações por causa de uma cultura de silêncio. O jornalismo é visto como uma profissão exigente, com longas horas de trabalho, insegurança trabalhista, baixa remuneração e prazos muito curtos. Essas características geram descontentamento, estresse e podem levar ao burnout.
A falta de espaços de escuta e protocolos que permitam identificar o estresse e desequilíbrio emocional na equipe também ajuda a perpetuar a cultura de silêncio. Se não existem espaços para compartilhamento das dores, é como se elas não existissem. O Instituto PDH (Instituto de pesquisa e desenvolvimento em florescimento humano) desenvolveu 12 graus para identificar a exaustão emocional. O índice foi produzido pelo jornalista e especialista em saúde mental Guilherme N Valadares, autor de um artigo sobre saúde mental nas redações neste mesmo projeto, em 2021.
Falta de treinamento em diversidade e inclusão.
Diversidade e inclusão são temas que precisam ser desenvolvidos, debatidos e aprendidos de forma coletiva, levando em consideração metodologias que fazem sentido para a realidade da redação. Além disso, a falta de treinamento em diversidade pode dificultar a criação de uma cultura inclusiva no ambiente de trabalho. Quando jornalistas e lideranças não se sentem confortáveis com conversas sobre diversidade, eles podem ser menos propensos a promover um ambiente de trabalho onde todos se sintam valorizados e respeitados.
Quando jornalistas não são treinados em diversidade, eles podem cometer erros que perpetuam estereótipos e preconceitos. Por exemplo, podem usar linguagem e imagens que são ofensivas ou marginalizantes para grupos minoritários. Eles também podem negligenciar histórias que são importantes para essas comunidades.
Por um jornalismo diverso
Como você deve ter notado, para praticar um jornalismo diverso, a produção de conteúdo não é o único fator que deve ser levado em consideração.
Em 2021, a Énois, organização que trabalha para impulsionar a diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro, lançou a Régua da Diversidade, uma metodologia que mede a diversidade e busca mensurar avanços em redações preocupadas com a pauta.
Para aplicar o questionário da régua foram definidos três principais eixos onde a diversidade deve ser levada em consideração: gestão, produção jornalística e cultura.
O cálculo da Régua da Diversidade se baseia nos eixos gestão, produção jornalística e cultura. Cada eixo possui sua relevância, sendo cultura o de maior peso, pois mexer nas estruturas de uma iniciativa precisa de um caminho anterior, disposição e ferramentas, o que não torna essa missão fácil. Taí um grande desafio para o ano que se avizinha. Mas 2024 pode ser o momento para tornar a diversidade cada vez mais presente nas redações e transformar a cultura do jornalismo.
Em conjunto com o desenvolvimento da régua da diversidade, a Énois criou a Caixa de Ferramentas, um espaço com metodologias que listam práticas para um jornalismo mais diverso e inclusivo. É desse espaço que vou apresentar três caminhos para ajudar você a criar uma cultura mais diversa na sua redação em 2024. São elas:
Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2024. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.