NFJ#457 🍂 A “casca de banana” de Elon Musk
Maioria das redações já utiliza IA | As oportunidades oferecidas pelas newsletters | A ausência de infraestrutura de memória no jornalismo | Liberdade de imprensa no Brasil ameaçada por alguns juízes
Hey.
Moreno aqui, numa sexta-feira cinza outonal no paralelo 30. Em Monte Carlo, onde gostaria de estar, o sol brilha e faz aprazíveis 20 poucos graus. Quatro jogões hoje.
Deixem eu compartilhar uma música que ando ouvindo toda vez que entro no carro para ir a algum lugar. Quando o outono chega é um bom momento pra lembrar que “no es la luz lo que importa en verdad”.
Hoje temos uma novidade. Talvez vocês lembrem, mas Giovana Girardi, em um dos textos do especial O jornalismo no Brasil em 2024, defendeu que a cobertura climática precisa ser incorporada por todas as editorias, tamanha a sua importância.
Fiquei com aquilo na cabeça, pensando em como ampliar o olhar da NFJ sobre o tema.
Aí resolvi convidar a Lara Ely, jornalista especialista na área, para assumir um tópico sobre o tema a cada quinze dias aqui na newsletter. A Lara tem passagem por redação e criou a ecohistórias, uma iniciativa que ajuda pessoas e organizações a implementar e comunicar práticas ESG. Além disso, é doutoranda em Comunicação na PUC-RS.
A estreia da Lara é hoje. No último tópico da news – sinalizado com um emoji de cenoura, o logo da ecohistórias – vocês vão encontrar links e discussões sobre jornalismo, sustentabilidade e crise climática. Acho que vai ser legal.
Espero que vocês gostem.
Agora vamos à news.
Antes, conheçam, no blog dos nossos parceiros da serverdo.in, o potencial do Hotjar para otimizar a experiência do usuário.
Hoje é Lívia (LV), Giuliander (GC), Lara Ely (LE) e eu (MO) assinando os tópicos.
🍂 A “casca de banana” de Elon Musk. Vamos ao assunto da semana. O dono do X (ex-Twitter) subiu o tom e ameaçou reativar contas bloqueadas pela Justiça, em embate direto com o ministro do STF Alexandre de Moraes. Neste artigo para a Folha, Ronaldo Lemos afirma que Judiciário, Executivo, Legislativo, imprensa e sociedade civil caíram na casca de banana jogada para os brasileiros. Para ele, as instituições deveriam ter ignorado as ameaças de Musk no X.
“Se ele cruzasse a linha e de fato descumprisse ordens judiciais (o que não ocorreu), as consequências deveriam ser legais, dadas nos autos do processo. Ao respondermos a tuítes com ameaças hipotéticas, por meio de centenas de artigos na imprensa, declarações de autoridades, bravatas e movimentações processuais espetaculares, o Brasil transferiu o debate do STF para o tribunal da internet. E nesse tribunal Musk é rei”.
Lemos elenca algumas “vitórias” de Musk em poucos dias, entre elas a demissão do relator do projeto de lei das Fake News, deputado Orlando Silva; e a criação de uma comissão especial para escrever uma nova lei para internet no país em 40 dias. Em tom de ironia, Lemos questiona: “o que poderia dar errado com tanta pressa?” Tudo isso pode ter impacto direto no jornalismo, já que a regulação das plataformas passa, também, pelo conteúdo jornalístico que circula por lá. Aliás, Sérgio Spagnuolo destacou esta matéria do Núcleo do início de março, que já via com pessimismo o avanço do PL e afirmava que “o fracasso em chegar a um acordo sobre a regulação de plataformas entregou de vez aos tribunais a capacidade de regular conteúdo online em 2024".
E vejam como o assunto é complexo. Nesta thread, o professor Pablo Ortellado afirma que “a proibição de contas inteiras caracteriza censura prévia” e que a suspensão se disseminou “sem muito escrutínio da imprensa ou da academia”. Ele lembra que não se tem até hoje uma lista das contas suspensas. “Não sabemos se foram 10 ou 500, como bolsonaristas alegam. Mencionei descuido da academia e da imprensa, mas há opacidade do judiciário, já que a maioria dos inquéritos corre sob sigilo”, diz. Ortellado ressalta que nada autoriza Musk e o X a descumprirem ordem judicial.
Neste contexto de tretas ainda rolou a versão brasileira do Twitter Files. Este texto do Núcleo explica que o jornalista norte-americano Michael Shellenberger divulgou e-mails internos da rede social, com solicitações de autoridades sobre dados pessoais de usuários. Para Leandro Demori, “jornalisticamente, o Twitter Files tem a consistência de um pudim”, já que não existe documento oficial da Justiça brasileira fazendo requisições, entre outras fragilidades. “Isso é uma piada fantasiada de investigação jornalística. Musk poderia ter dado acesso a jornalistas mais qualificados. Mas aí eles teriam feito jornalismo”, diz Demori. (LV)
🍂 Ampla maioria das redações (da Europa e dos EUA) já utiliza IA. Seis meses depois do lançamento de um amplo relatório do projeto JournalismAI (120 respondentes em 105 redações em 46 países) que abordamos na NFJ#435, um novo relatório sobre o uso da inteligência artificial no jornalismo veio a público nesta semana. IA Generativa no Jornalismo: A Evolução do Trabalho com Notícias e Ética em um Ecossistema de Informação Generativo contou com a participação de quase 300 respondentes, porém a maioria deles da América do Norte (61,7%) e Europa (24,8%). 🙄 81,4% desse povo indicou que já tem pelo menos algum conhecimento sobre IA generativa e 73,8% que já havia utilizado a tecnologia de alguma forma. Outros resultados interessantes do relatório, segundo um dos autores, o belga Hannes Cools, da Universidade de Amsterdã:
Maioria utiliza IA para produção de conteúdo: os casos de uso mais predominantes atualmente incluem várias formas de produção de conteúdo textual, coleta de informações e criação de sentido, produção de conteúdo multimídia e usos empresariais.
Mudança na estrutura e organização do trabalho nas redações: está surgindo uma série de novas funções para lidar com as mudanças introduzidas pela IA generativa, incluindo posições de liderança, editorial, produto, legal e engenharia. Quase metade dos respondentes indicou que tarefas ou fluxos de trabalho já mudaram por causa da IAgen.
Redesenho do trabalho: há uma oportunidade não atendida de projetar novas interfaces para apoiar o trabalho jornalístico com IA generativa, em particular para permitir a supervisão humana, necessária para a checagem e verificação eficientes dos resultados.
Preocupações éticas e responsabilidade: considerações éticas são fundamentais, e preocupações sobre supervisão humana, precisão e viés foram as mais proeminentes. A indústria está lutando para equilibrar os benefícios da IA generativa com a necessidade de práticas jornalísticas éticas, incluindo a proibição ou limitação do uso para casos específicos, assim como a geração de peças inteiras de conteúdo publicado.
Estratégias para o uso responsável: Enquanto muitas organizações estão desenvolvendo ou seguindo diretrizes para o uso ético de IA generativa, há um chamado por diretrizes mais claras, concretas, treinamento e fiscalização para navegar de forma mais eficaz no front da ética. Além das diretrizes, os respondentes reconhecem que treinamento adicional é necessário para apoiar o uso responsável da IA nas redações.
Pra fechar, uma seleção de links interessantes sobre IA que vimos por aí:
Como os gigantes da tecnologia cortaram caminho para coletar dados para IA (NYT)
Meta vai ampliar a rotulagem de conteúdo produzido por IA (Axios)
Exclusivo: em breve, NYT vai oferecer a maioria dos seus artigos por voz automatizada (Axios)
Opinião: A IA pode ajudar na checagem de fatos. Já estamos vendo isso acontecer (Poynter)
IA generativa visual em organizações de notícias: desafios, oportunidades, percepções e políticas (Digital Journalism)
10 livros e guias sobre jornalismo e inteligência artificial que você não pode deixar de ler (LatAm Journalism Review)
Inteligência Artificial e Jornalismo Local: Como dois meios brasileiros estão usando IA generativa para prestar serviços a seu público (LatAm Journalism Review)
O que a IA pode fazer pela sua redação: dicas do manual mais recente da Ring Publishing (Journalism.co.uk)
Nordic AI in Media Summit 2024: Cinco projetos que você deveria dar uma olhada (Reuters Institute)
(GC)
🍂 Simon Owens e as oportunidades oferecidas pelas newsletters. A newsletter do Simon Owens é uma das leituras obrigatórias para quem acompanha o mercado de mídia, vocês sabem. Por isso vale a pena dar uma olhada na entrevista que ele concedeu ao site Media Markers Meet. Na conversa, publicada nesta semana, ele recupera um pouco de sua trajetória – de blogueiro nos idos de 2005 à cobertura da digitalização da mídia no site MediaShift, passando pela reportagem de um jornal tradicional. Depois, ele fala sobre publicidade, podcasts e newsletters – e era aqui que eu queria chegar. Owens diz que, embora todo mundo tenha uma newsletter, quase ninguém dá a atenção que esse produto merece. "É preciso pensar mais sobre como criar um produto que as pessoas estão esperando para abrir todos os dias", afirmou. Para ele, newsletters não podem ser apenas um meio para as pessoas serem direcionadas ao site dos veículos. Owens também faz uma observação pertinente em relação à facilidade que newsletters pagas oferecem aos leitores, pois não é necessário login e senha para acessar o conteúdo – ele apenas chega no email. E mais: newsletters, segue ele, são ótimos lugares para vender publicidade nativa em função do maior engajamento das pessoas quando comparadas aos websites. (MO)
🍂 A ausência de infraestrutura de memória no jornalismo. Artigo fresquinho publicado na Journalism – um dos mais importantes periódicos da área no mundo – aborda o pouco cuidado que o jornalismo anda tendo com a sua própria memória. A autora Sharon Ringel argumenta que a inexistência de uma infraestrutura leva à "erosão de um componente crucial do processo de produção jornalística – o arquivo", contribuindo para o esquecimento coletivo. Para sustentar a hipótese, Ringel começa construindo conceitualmente a importância da memória para o jornalismo. Um dos estudos sobre os quais ela se apoia é o de Oren Meyers. Em um paper em que analisa o legado do jornali israelense Haolam Hazeh, o pesquisador afirma que os jornalistas, ao realizarem o seu trabalho, agem como agentes de memória em três níveis complementares entre si. Primeiro, relatam eventos que acontecem no presente. Segundo, situam sua cobertura dentro de um contexto social e cultural mais amplo. Por fim, quando jornalistas narram o passado, contam histórias sobre o papel que eles desempenharam e continuam a desempenhar ao moldar a memória coletiva. "Todos esses níveis", escreve Ringel, "necessitam de uma investigação do passado".
Na introdução do texto, ela cita o filme “Spotlight”, sugerindo que o protagonista da investigação realizada pelo Boston Globe são os arquivos. Mas aquilo foi no início dos anos 2000. De lá pra cá, muita coisa mudou. "O declínio das receitas das organizações de notícias resultaram em uma redução significativa nas equipes, muitas vezes vitimando arquivistas e bibliotecários", escreveu.
Mas e como a ausência infraestrutura de memória é percebida pelos próprios jornalistas? Ringel perguntou a 33 profissionais de 20 organizações de notícias dos EUA e descobriu que, de maneira geral, o entendimento que a galera tem sobre memória e arquivo diz respeito às públicações físicas. Agora, quando o assunto é o arquivo digital... "Embora reconheçam a natureza efêmera das publicações digitais e a facilidade com que o conteúdo pode ser eliminado ou removido, [os entrevistados] demonstraram preocupações limitadas em relação ao arquivamento do seu próprio conteúdo", escreveu Ringel. Muitos disseram contar com o seu CMS para buscar materiais antigos, mas reconhecem que uma eventual troca de publicador pode colocar muita coisa a perder. Também disseram preferir usar o Google do que suas próprias plataformas. Ringer escreveu que a ausência de arquivos centralizados deixam os jornalistas dependentes de meios improvisados, muitas vezes não concebidos para fins de arquivamento. O resultado:
Os jornalistas podem ter dificuldades para navegar e recuperar histórias mais antigas publicadas no digital devido a links quebrados, mudanças de plataforma ou funcionalidades de pesquisa inadequadas. [...] não arquivar e preservar publicações anteriores pode levar à perda de memória institucional nas organizações noticiosas. Os jornalistas que dependem do passado para obter informações de base, contexto histórico e fins de investigação podem enfrentar desafios no acesso a recursos relevantes, o que pode prejudicar a qualidade das reportagens recebidas pelo público."
O curioso é que alguns entrevistados se disseram profundamente preocupados com eventuais perdas de bens pessoais digitais, como fotos e emails. Mas a reação não é tão grande quanto à perda de seus materiais profissionais. "Esta divergência sugere uma falta de compreensão dos potenciais impactos históricos e sociais que a perda de registos jornalísticos pode ter", anotou Ringer, acrescentando ainda que os entrevistados tiveram dificuldade de diferenciar backup de arquivo e demonstraram confiar muito em plataformas externas, o que não só sublinha os desafios que envolvem a preservação do material digital, mas também levanta preocupações sobre o futuro da acessibilidade e do controle sobre o trabalho jornalístico. (MO)
🍂 Links diversos. Bora pra nossa ronda semanal de notícias sobre quem faz notícia:
Condenações de jornalistas mostram que a liberdade de imprensa no Brasil está ameaçada por alguns juízes. [Reuters Institute]
A Abraji vai disponibilizar novamente seu curso de maior sucesso - “Jornalismo investigativo: da hipótese à construção da narrativa”, oferecido em 2023. [Abraji]
Mais longevos do Brasil, programas de treinamento da Folha e do Estadão se atualizam para acompanhar mudanças no jornalismo e ter mais diversidade. [LatAm Journalism Review]
Wilson Gomes: “O digital mudou inteiramente a comunicação, só o governo não vê”. [Folha]
Photoshop, realeza britânica e a ética na assessoria de comunicação. [ObjEthos]
Habilidades que o líder de uma redação moderna precisa ter. [journalism.co.uk]
Jornalistas em Gaza enfrentam seis meses cobrindo mortes sem precedentes. [Nieman Reports]
O que a mídia mainstream pode aprender com sites de notícias de nicho. [journalism.co.uk]
Hoje e amanhã está rolando em Austin, no Texas, a 25ª edição do Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ). [Knight Center]
O Brasil de Fato está contratando editor e repórter para SP e Brasília, respectivamente. Inscrições até o próximo dia 14. [Brasil de Fato] (LV)
🥕Olá! Lara Ely embarcando na NFJ para compartilhar @ecohistorias e tentar decifrar os impactos do algoritmo ESG no mercado do jornalismo ambiental.
Dando voz a árvores e cursos d´agua como o Rio Paraguai, a série Mais-que-humanes ilustra a tendência de produção de conteúdo ecocêntrico. Fruto da parceria de Sumaúma com The More Than Human Rights (MOTH) Project, da Universidade de Nova York, a série é assinada pelas jornalistas Eliane Brum e Jaqueline Sordi (que alertou para o fato) e busca transformar a natureza em sujeito, como na matéria Pessoa-Árvore, finalista no prêmio Digital Media Awards 2024.
Comunicadores ambientais têm pelo menos duas oportunidades no Intercom Sul deste ano. Sob coordenação de Roberto Villar e Eloisa Beling Loose, o Grupo de Pesquisa da UFRGS discute o tema mais na perspectiva do Jornalismo Ambiental, enquanto o GT Comunicação e Sustentabilidade de Camila Garcia Kieling e Sofia Mello Lunghi traz o viés da comunicação organizacional na sociedadel. As submissões vão até 2 de maio.
Na onda dos jogos olímpicos de Paris, a Fundação Grupo Boticário premia cinco trabalhos que exploram a relação entre a preservação marinha e esportes aquáticos com bolsas de R$10 mil. Inscrições até 14 de abril. (LE)
É isso, gente!
Bom final de semana e até sexta que vem.
Moreno Osório, Lívia Vieira, Giuliander Carpes e Lara Ely.
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Caio Maia, Cristiane Lindemann, Edimilson do Amaral Donini, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Luiza Bandeira, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Marcel Netzel, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Regina Bochicchio, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Rose Angélica do Nascimento, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Simone Cunha, Suzana Oliveira Barbosa, Sylvio Romero Corrêa da Costa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Washington José de Souza Filho.
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