NFJ#372 🍂 O futuro do jornalismo e a inovação como valor profissional
Estadão defende mudar manuais para noticiar Bolsonaro | Comprova inicia nova fase | As manchetes do caso Genivaldo | A ética da citação no jornalismo | Diversidade transforma redações nos EUA
Buenas, moçada!
Moreno aqui, numa sexta-feira chuvosa que fecha uma semana de umidade a 1.450% em Porto Alegre. Várias vezes já falei que tem épocas aqui que nem a louça seca, né, mas nessa semana, olha, deu vontade de me mudar pra dentro da máquina de secar. Até roupa limpa parecia estar molhada na hora de vestir.
No mais, me preparando emocionalmente para o último episódio de This is Us e, enquanto trabalho, curtindo, de canto de olho, um dia cheio em Roland Garros.
Antes de começar, vocês já experimentaram ler a NFJ no app do Substack? Fizemos uma análise do app no bloco de concatenações teóricas da edição 361. Para ler é preciso ser subscriber aqui na plataforma. Mas é muito barato, vocês sabem.
Agora sim vamos nessa.
🍂 O Brasil na semana. Segunda, 23: Em editorial, o Estadão defendeu que, “pela qualidade do debate democrático, talvez seja necessário adaptar os manuais [de jornalismo] à realidade segundo a qual nem tudo o que o atual presidente produz é digno de ser noticiado”. Isso inclui, segundo o jornal, confrontar as narrativas criadas no Palácio do Planalto com a verdade factual e tentar dissipar a desconfiança dos cidadãos nas instituições. Terça, 24: O Projeto Comprova iniciou nova fase com 42 veículos de comunicação, com foco na checagem de desinformação nas eleições. Falando em eleições, vale ler este texto da ÉNois, que defende que a cobertura jornalística deve se pautar pelas necessidades das pessoas e não pela agenda dos candidatos. Quarta, 25: Jornalistas do Rio de Janeiro paralisaram por duas horas as atividades nas redações dos principais jornais e revistas. “O clima é de revolta com a proposta dos patrões de reajuste de apenas 3,5% somente para os salários, sem retroatividade”, diz esta matéria da Fenaj. Profissionais da Editora Globo de Brasília também aderiram à paralisação. | No mesmo dia, morreu em Sergipe Genivaldo Santos, asfixiado com spray de pimenta e gás lacrimogêneo por policiais da PRF dentro da viatura. A jornalista Mariama Correia comparou os títulos do G1 e da Ponte, chamando atenção para a utilização correta dos termos. “A manchete ‘homem morre após ser abordado’ transmite a falsa ideia de acidente, quando o que aconteceu foi um assassinato”. “Policiais transformam viatura em câmara de gás e matam homem negro em SE”, cravou a Ponte na manchete. Quinta, 26: Este texto do Poynter destaca o acordo de cooperação entre o Telegram e a Justiça Eleitoral brasileira, com a criação de um canal de comunicação para receber denúncias sobre desinformação eleitoral. Além disso, o aplicativo sinalizará postagens com informações falsas relacionadas às eleições. Mas de acordo com esta reportagem da Agência Pública, embora as redes sociais estejam fechando parceria com TSE, elas não deixam claro como irão banir a desinformação. A principal dúvida é se conteúdos falsos sobre processo de votação serão realmente banidos. (LV)
🍂 Jornalismo e inovação. Faz tempo que não trouxemos discursos para a news, né? Quem nos acompanha a mais tempo vai lembrar de edições quase na íntegra dedicadas a discursos de Emily Bell mundo afora. Mas a pandemia acabou com os eventos presenciais e, consequentemente, com a importância dos discursos de abertura. Agora, em 2022, felizmente os eventos estão, aos poucos, voltando. Este bloco é dedicado ao discurso de Ros Atkins, apresentador da BBC, na Society of Editors, no último dia 11, publicado pelo Reuters Institute. Atkins fala sobre o futuro das notícias e do jornalismo. Tema que nos interessa bastante, não?
Ele começa dizendo que, embora o título de sua fala seja The Future of News, ele não sabe o que nos aguarda no futuro. Mas tem se dedicado ao tema, e talvez possa oferecer pistas sobre como podemos dar chances melhores aos novos tipos de jornalismo que vêm por aí.
Atkins diz que muitos de nós — senão a maioria — escolheu a profissão porque queria revelar e contar histórias. Embora isso continue importante, ele acha que a questão fundamental hoje é saber como o jornalismo se encaixa no nosso mundo.
"O jornalismo não está dado na vida das pessoas. Não podemos assumir que as pessoas vão procurar aprender sobre o mundo a partir do jornalismo. Não podemos assumir que as pessoas vão entender e valorizar a maneira como o jornalismo funciona, ou por que nós pensamos que a informação que produzimos tem valor. Não podemos assumir que a maneira como contamos histórias é a maneira como as pessoas querem ouvi-las."
O nosso lugar na vida das pessoas não está garantido, ele segue. Por isso, diz Atkins, a reestruturação é um imperativo não só porque mudar é divertido. "Se você acredita na importância do jornalismo na nossa sociedade, então participar ativamente no seu processo de transformação não é algo opcional", segue o jornalista.
Então, o que fazer?
Atkins diz que precisamos adotar a inovação como um valor profissional, assim como o é a correção factual. Em seguida, lista sete questões para refletir na hora de colocar em prática alguma ideia ou criar um novo produto.
Qual o problema estamos tentando resolver aqui?
O que é diferente nesta ideia?
Mostre o jornalismo às pessoas
São necessárias uma dimensão digital e outra social
Monte uma equipe multidisciplinar
Qual a sua definição de sucesso?
Como você quer contar a história?
Ele desenvolve cada uma dessas questão, o que não faço aqui por falta de espaço. Por isso, recomendo que vocês deem uma olhada no texto original. Mais um trecho:
"Digital não é apenas uma revolução de distribuição — é uma revolução narrativa também. Observe como as pessoas estão compartilhando suas histórias e falando de suas paixões — muitas vezes não é nada parecido com o jornalismo como nós conhecemos. [...] Nós estamos na era da extrema criatividade — precisamos combiná-la com o jornalismo."
No fim de sua fala, ele lista quatro coisas que as organizações podem fazer:
Insira em seus processos a construção de produto e a inovação narrativa
Reflita sobre como você processa suas ideias
Não assuma que sua marca basta
Você precisa flexibilidade em sua redação
E aí, como bateram as ideias de Atkins pra vocês? Aliás, o bloco concatenações teóricas de hoje tem tudo a ver com o que propõe o jornalista britânico. Virem apoiadores da NFJ aqui no Substack para ler. Custa menos do que um espresso. (MO)
🍂 Jornalismo e citações. Sigam lendo este texto em que Jeff Jarvis sintetiza a discussão que rolou entre jornalistas e acadêmicos nos EUA a respeito desta matéria do NYT sobre o Haiti. A controvérsia, conta Jarvis, é que os jornalistas do Times não teriam citado os pesquisadores que os ajudaram a construir a reportagem. Além disso, o jornal teria agido como se tivesse descoberto algo novo sobre o país caribenho quando muitos já haviam pesquisado sobre o assunto antes. Jarvis destacou este tuíte em que o jornalista Adam Davidson defende que, para construir uma boa narrativa para uma audiência ampla, é difícil ficar citando pesquisas constantemente. Jarvis não concorda, e sugere alguns tópicos para refletirmos sobre citações no jornalismo.
A primeira coisa é não culpar as ferramentas. Não adianta dizer que o CMS não é adequado, que não há espaço ou tempo para fazer as citações. "Nós tempos a internet, com espaço e tempo ilimitados. E nós temos a melhor ferramenta possível para fazer citações — o link", escreveu Jarvis. A segunda é saber que jornalistas precisam citar suas fontes sempre. E isso não significa apenas usar aspas, segue Jarvis. "Todo mundo que já foi entrevistado conhece a experiência de ver uma longa conversa se transformar em uma única frase tirada do contexto, usando a reputação do expert para provar o ponto de vista do jornalista", escreveu. Um trecho:
"Então, jornalistas, na sua história ou em uma bibliografia suplementar — tente — encontrar uma maneira de citar suas fontes, todos que presenteram você com um pouco de educação sobre o tema, seja por meio de entrevistas ou da literatura. Fazer qualquer coisa menos que isso é trapaça intelectual e jornalística."
O próximo ponto é a fraqueza do jornalismo pelo furo. Dane-se o furo, diz Jarvis. Citando Nikole Hannah-Jones, Jarvis critica o fato de que uma matéria boa nunca pode ser apenas "mostrar o que grande parte das pessoas não sabe", é preciso sempre revelar algo novo. "Mostrar o que 'muitas pessoas não sabem' não deveria ser mais importante do que se gabar de ser o primeiro a saber?", questiona Jarvis. Em seguida, ele cita a dificuldade de jornalistas citarem o trabalho de colegas e diz que não há vergonha reconhecer a contribuição de colegas — "vergonhoso é não fazer isso".
Ele ainda defende que a história não é tudo. Jarvis escreve que uma narrativa é apenas uma forma de informar o público. Não é desculpa não creditar autores e fontes para não prejudicar o fluxo de uma boa narrativa, diz. Ele ainda culpa o modelo de negócio que faz as organizações acreditarem que direcionar o público para fora de seus domínios vai fazê-las perder dinheiro. Por fim, Jarvis diz odiar quando dizem que acadêmicos não escrevem bem. Segundo ele, não só não é verdade como é urgente que jornalistas e acadêmicos convivam mais para que organizações de notícias tenham mais contato com pesquisas acadêmicas — e a maneira como elas usam citações.
Na CJR, Jon Allsop também analisa a repercussão da reportagem do Times. Ele lembra que a controvérsia de jornalistas não citarem acadêmicos adequatdamente não é nova, e destaca que muitos dos historiadores ignorados pelo NYT são negros. (MO)
🍂 Diversidade, liderança e saúde mental. Longa e interessante matéria da Hollywood Reporter sobre como a diversidade está mudando as redações nos EUA. No texto, Rebecca Sun conta histórias recentes de jornalistas negras e negros que assumiram posições de liderança ou de destaque em veículos, e salienta que a diversidade está deixando de estar em editorias específicas para se tornar parte importante da cobertura como um todo. E que inclusive alimenta a discussão sobre objetividade. "Muitas vezes quando as pessoas dizem 'objetividade', estão falando do ponto de vista de um homem branco cis e hétero", disse Danielle Belton, editora-chefe do HuffPost, uma das fontes da matéria. Sobre liderança, deem uma olhada nesta matéria do Journalism.co.uk de uma mesa da conferência news:rewired sobre o que gestores precisam fazer para que suas redações sejam resilientes. Em resumo, escreveu Camille Dupont, os participantes defendem que é preciso cuidar dos jornalistas individualmente para que tenhamos uma mais empática para com seus trabalhadores. Só assim as redações serão mais fortes coletivamente. Um dos principais problemas a ser enfrentado é as condições emocionais dos jornalistas. E um dos grandes desafios é construir uma cultura organizacional que saiba perguntar como as pessoas estão se sentindo. Sobre isso, Mark Deuze tem algumas dicas:
Reconheça a questão do bem estar e contribua para uma mudança de cultura;
Ofereça educação e treinamento sobre saúde mental e emocional;
Crie e mantenha sistemas de apoio transparentes e justos dentro das organizações de notícias;
Assegure que as práticas e os sistemas de bem estar são acessíveis e sustentáveis;
Construa e junte-se a coalizões para apoiar soluções baseadas em evidências.
Para saber mais sobre cada um dos tópicos, leiam o original. (MO)
🍂 Notícias da indústria e outros links. O Núcleo vai lançar, em junho, seu programa de membros, junto com o relançamento do site, abertura do banco de dados e construção de comunidade ativa. | Por meio de uma parceria com a Território da Notícia, a Agência Mural de Jornalismo das Periferias terá suas reportagens — e de outros parceiros — exibidas em totens distribuídos em supermercados, hortifrutis, casas de carnes e outros estabelecimentos comerciais nas periferias e favelas da cidade de São Paulo. | UOL e Fiquem Sabendo estão contratando. | Leiam esta entrevista do professor Rosental Alves à GIJN, em que ele destaca os ataques aos jornalistas e à democracia na América Latina. “Eu sabia que a tecnologia abriria novas possibilidades para os jornalistas fazerem seu trabalho, principalmente o jornalismo investigativo. Mas eu também sabia que um lado sombrio viria, entraríamos em águas desconhecidas e perigosas”, diz. | Também na GIJN, orientações sobre como jornalistas podem fazer investigações pelo Telegram. | O diretor-geral da BBC, Tim Davie, declarou que a empresa vai se tornar “digital-first”, e anunciou uma reformulação, incluindo planos de mesclar a produção de notícias da TV 24 horas e eliminar os canais BBC Four e CBBC. Mais informações no PressGazette. | Também no PressGazette, uma boa reflexão: conteúdo patrocinado no jornalismo pode salvar as receitas ou pôr em risco a reputação do veículo? | Pra fechar o bloco, a LSE divulgou os instrutores do Programa “JournalismAI Academy for Small Newsrooms”, que vai contar com profissionais do mercado e da Academia. Como já dissemos aqui na NFJ, as inscrições estão abertas até 8 de junho. (LV)
🍂 💎 Concatenções teóricas. Este bloco é exclusivo para subscribers. Se você é assinante da versão free, a edição termina aqui. Mas fique tranquilo, você sempre terá acesso à grande parte da NFJ. Mas que tal acompanhar nossas reflexões?