NFJ#498 ☀️ O termômetro da imparcialidade da newsletter the news
Bezos, Washington Post e o jornalismo | Os vieses da IA podem assumir diversas formas | Projeto Oasis divulga dados do Brasil | Relatório sobre mulheres e liderança no jornalismo em 2025
E aí, moçada. Vocês tão bem? Quanto tempo!
Moreno aqui, retornando. Naquele ritmo… Esse carnaval em março faz a gente demorar pra engrenar. Primeiro, voltam as aulas do filho. Depois, as da universidade. E o cara de olho no feriado. E depois das Cinzas, o final de semana tá logo ali.
É assim que a NFJ#498 começa: no ritmo possível quando lá fora os termômetros de Porto Alegre batem 35 graus facinho – e isso já tem uns bons dias. Enquanto a chuva não vem, os movimentos são lentos pra evitar a fadiga desnecessária.
Aliás, quando vamos adaptar o mundo do trabalho à emergência climática?
Não vamos, né. Eu sei. É a mesma lógica que segue derrubando árvores para construir espigões com playgrounds de grama sintética para aqui em Porto Alegre.
Quando o mundo derrete, as pessoas enlouquecem e a IA avança, uma das alternativas é voltar-se pra dentro. Em fevereiro concluí um retiro vipassana (o meu segundo): dez dias sem falar e meditando 10 horas por dia. Recomendo sob vários aspectos.
Por isso, o primeiro tópico da news de hoje vai ser sobre meditação.
Mentira, vai ser sobre IA no jornalismo mesmo. kkkkcrying
Na real, vai ser sobre imparcialidade. Começamos logo enfrentando nossos demônios!
A NFJ de hoje volta com o time completo: eu (MO), Lívia (LV) e Giuliander (GC).
Antes, no blog dos nossos parceiros da serverdo.in, 10 dicas para deixar o WordPress mais seguro.
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Carlos Alberto Silva, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti, Rose Angélica do Nascimento, Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Suzana Oliveira Barbosa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
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☀️ O termômetro da imparcialidade da the news I. Vocês devem ter visto. A the news, a newsletter de maior sucesso do Brasil – segundo os números deles próprios –, implantou uma ferramenta para medir a imparcialidade de cada edição. No boletim do dia 24 de fevereiro, a novidade foi anunciada como um “passo à frente de toda mídia”, a inauguração de algo “que pode mudar toda a lógica do setor”. E mais: “é diferente de tudo que você já viu e mais inovador do que a migração do impresso para o digital”. Uou. Me lembrou o anúncio, em meados dos anos 2000, daquela espécie de patinete, mas com duas rodas paralelas que ficam junto aos pés, como é mesmo o nome daquilo? Enfim, revolução proposta pela the news é uma enquete em que os leitores podem votar se a edição está mais à esquerda, mais à direita, ou se foi imparcial. Os resultados são apresentados no dia seguinte, “sem filtros, sem narrativas, apenas transparência”, em uma imagem em forma de termômetro com o percentual de leitores que consideraram a edição imparcial. Ok. Eu conto ou vocês contam? (MO)
☀️ O termômetro da imparcialidade do the news II. Seria uma ingenuidade até bonitinha propor uma enquete dessas se eles não tivessem uma responsabilidade gigante em função do alcance que a newsletter tem. Como comentou um colega em um grupo de Whats, a galera que se orgulha de não ter jornalista na equipe acha que resolveu séculos de discussão sobre imparcialidade (no jornalismo, na filosofia…) com uma enquete cujos resultados podem soprar ao sabor do viés dos leitores.
Permitam-me pular a discussão sobre a viabilidade da imparcialidade sob o ponto de vista filosófico. No jornalismo, ela, a imparcialidade, assim como a objetividade, é um horizonte a ser perseguido a partir de uma técnica a serviço de uma ética. Esta ética, por sua vez, está a serviço de determinados valores. Sim, o jornalismo serve a um conjunto de valores. Quais valores? Em resumo, os que sustentam a democracia – igualdade, justiça, direitos humanos, etc. Vem daí, para quem ainda não se deu conta, a ligação entre jornalismo e democracia. Quando esses valores estão ameaçados, o jornalismo, como filho da democracia que é, também precisa se levantar e lutar.
Tão seguindo o raciocínio comigo?
Pois bem, fui conversar com nossa colega Sílvia Lisboa, que, além de uma jornalista atuando na linha de frente da profissão, é uma pesquisadora reconhecida da área (aliás, ela já escreveu sobre o assunto para O jornalismo no Brasil). A Sílvia me deu uma perspectiva interessante para entender por que a iniciativa da the news erra na origem. (De novo, deixem-me pular a discussão sobre o método “enquete na internet”. Essa aula de ciências sociais não vai rolar aqui.) O erro, me disse ela, está em tentar aferir a imparcialidade dentro de um sistema de desconfiança social que atribui determinados valores a um dos polos da atual discussão política e social. Ou seja, se o jornalismo está a serviço da democracia, e os valores democráticos são hoje atacados por uma parcela dos atores sociais, logo, o jornalismo que defende esses valores será considerado parcial, em geral, por parte da (extrema) direita. Se, por outro lado, seus relatos penderem para um posicionamento contrário a esses mesmos valores, o jornalismo pode ser considerado parcial por segmentos sociais ligados à esquerda. “As pessoas sempre tendem a avaliar um veículo conforme suas crenças pessoais”, me disse a Sílvia, e a “imparcialidade é um conceito que diz respeito à prática jornalística, a uma postura na apuração dos fatos”. A imparcialidade possível emerge quando cumprimos alguns requisitos: descrição correta dos fatos, exatidão, pluralidade de visões, confirmação de dados, justeza de julgamento, entre outros. Essa postura – isso é importante – precisa servir ao interesse público. O que deixa o lance todo mais complexo é que hoje o que entendemos como interesse público também está em disputa. É só observar os ataques sofridos pelos valores que o sustentam – o que acaba respingando em nós, diga-se. Então, galera, atualmente, aferir a imparcialidade junto ao público é difícil por conta da natureza do sistema de desconfiança em que o jornalismo está inserido – ainda mais quando o método é uma enquete na internet.
É importante tentar aferir a credibilidade? Sem dúvida. Precisamos ouvir o público? Claro, muito mais do que fizemos historicamente. Temos formas eficazes para fazer isso? Eu diria que precisamos desenvolver métodos melhores, para contemplar as especificidades do jornalismo. Agora, pra isso é preciso estar disposto a abraçar a construção de conhecimento feita pela área, tanto dentro da academia quanto na indústria jornalística – e não dar as costas para a profissão e ainda anunciar um método que no máximo serve para engajar seguidores no Instagram como a maior inovação desde Gutemberg. Vamos juntos? (MO)
☀️ Bezos, Washington Post e o jornalismo. Vocês viram. Bezos decidiu que a seção de opinião do WP não vai mais ser pautada pela pluralidade de visões. A orientação agora é que o jornal privilegiar pautas relacionadas às “liberdades pessoais” e ao “livre mercado”. No X, ele postou um comunicado enviado aos funcionários do WP na manhã do dia 26 de fevereiro. Um dos parágrafos dizia o seguinte:
“Houve um tempo em que um jornal, especialmente um que fosse monopólio local, poderia considerar um serviço levar à porta do leitor todas as manhãs uma seção de opinião ampla que buscasse cobrir todas as visões. Hoje, a internet faz esse trabalho.”
Que legal.
Bom, o então editor de Opinião, David Shipley, pulou fora. Segundo a NPR, mais de 75 mil assinaturas foram canceladas. Martin Baron, ex-editor-executivo do Post, chamou Bezos de covarde e disse que o bilionário tem medo de Trump (aliás, segundo o Axios, Bezos e Trump jantaram na noite anterior ao anúncio).
“Ele está dizendo que eles vão ter uma página de opinião com um ponto de vista. Isso é um convite para escritores editoriais e colunistas pularem fora. Isso é realmente extraordinário (considerando) tudo o que ele disse no passado. É um Post que não vai ser para toda a América. Em um momento em que estamos falando sobre liberdade e democracia, ele está dizendo que não haverá liberdade em nossas próprias páginas.”
Na sequência, o entrevistador pergunta se há algum sinal de interferência nas seções de notícias. Baron afirma que não, mas acrescenta que Trump vai ficar puto com as notícias, afinal, já passamos do ponto em que existem diferenças de opinião – hoje o problema está diferença em relação aos fatos. Se serve de alguma coisa, o editor atual, William Lewis, afirmou que o jornal não está assumindo uma inclinação política concreta, e sim deixando claro a respeito de quais valores o periódico representa. Na redação do WP, a situação é: torta de climão. Pra quem entende do assunto, o boi foi com as cordas. No Guardian, Margaret Sullivan escreveu que a decisão de Bezos foi um “golpe de misericórdia” na grandeza da organização jornalística comprada por ele em 2013. Na CJR, Andrew Rosenthal classificou o comentário de Bezos de que hoje a internet faz o trabalho de equilibrar pontos de vista como “chocantemente ingênuo ou cínico”, ainda mais vindo “de um homem que é dono de uma grande parte da internet”. Por aqui, Fabio Alperowitch defendeu, em artigo publicado no Observatório da Imprensa, que Bezos vai transformar um dos jornais mais influentes do mundo em um panfleto particular. “O papel da imprensa nunca foi apenas refletir debates já existentes, mas estruturá-los de forma crítica e aprofundada”, escreveu.
“A diversidade de opiniões é essencial para a democracia, e a imprensa tem o dever de dar espaço a diferentes perspectivas. Ao abdicar dessa responsabilidade, Bezos rebaixa o Post de veículo de referência a um megafone de interesses privados.”
Pois é. (MO)
☀️ (Mais um) relatório sobre IA e jornalismo. Um conjunto de universidades e centros de pesquisa australianos que estudam a intersecção da mídia e da tecnologia publicaram um relatório abrangente que busca colocar uma lupa sobre os últimos três anos (2022-2024) de relação entre o jornalismo e a inteligência artificial generativa. O relatório reúne resultados de seis atividades de pesquisa distintas realizadas no período em sete países (Austrália, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Suíça e França) e em três amplos domínios: conteúdo gerado por IA no jornalismo; percepções e uso de IA por jornalistas; e percepções e reações do público de notícias a essa tecnologia sendo usada no jornalismo. O estudo apresenta nove conclusões:
Os vieses da IA podem assumir diversas formas. Além dos mais reconhecidos como contra mulheres e pessoas de cor, a IA tende a favorecer o urbano sobre o não urbano em questões ambientais, ignorar pessoas com deficiência, super-representar a classe média e trabalhadores engravatados, etc. Motivo do problema: vieses contidos nos dados de treinamento e/ou no desenvolvimento de algoritmos e modelos. Não há uma solução clara para isso.
As ferramentas de IA e os modelos que as alimentam são quase sempre frustrantemente opacos. Não há transparência sobre o material usado para treinar os dados nem informações claras sobre como os algoritmos funcionam, na mesma linha do que já acontece há anos com as chamadas big techs.
Jornalistas entrevistados demonstraram mais conforto em usar IA para ilustrações não foto-realistas em vez de fazê-lo em substituição ao trabalho fotográfico realizado com uma câmera.
Tanto jornalistas quanto membros da audiência estão preocupados com o potencial do conteúdo gerado ou editado por IA para enganar ou iludir.
Esses públicos também estão preocupados com o efeito que a IA generativa terá no trabalho humano, na capacidade e em estruturas sociais mais amplas.
Ambos também acreditam ser importante haver transparência sobre como e quando a IA é utilizada.
Uma minoria entre os meios de comunicação estudados tinha políticas em prática sobre IA generativa (isso pode ter evoluído no intervalo entre pesquisa e publicação).
Apenas uma minoria dos entrevistados acreditava ter encontrado conteúdo gerado ou editado por IA no jornalismo que consumiam.
Membros da audiência que já tinham experiência anterior com ferramentas de IA se mostraram mais confortáveis com o seu uso no jornalismo.
O relatório termina com nove (parece que esse é o número-chave do documento, rs) perguntas que jornalistas e organizações de notícias deveriam se fazer. Algumas são bem básicas, mas outras são interessantes. Por exemplo: quem é o responsável final sobre o uso de IA generativa no jornalismo? Ou: como definir onde fica a linha tênue entre o uso de IA no jornalismo que precisa ou não ser declarado ao público? (GC)
☀️ Links diversos.
Para comemorar seu 50º aniversário, o Poynter vai publicar, ao longo de 2025, 50 momentos e pessoas mais significativos do jornalismo dos últimos 50 anos. A lista, que não está em ordem cronológica, começa com a cobertura da CNN da Guerra do Golfo em 1991. “Foi um momento que consolidou a CNN como uma potência global de notícias, trazendo cobertura de guerra ao vivo 24 horas para lares em todo o mundo. Ajudou a criar o modelo para notícias de TV a cabo”, lembra Tom Jones.
Lembram do Projeto Oasis, pesquisa sobre sustentabilidade e inovação de organizações de jornalismo nativas digitais? Agora, saiu a análise dos dados do Brasil, com mais de 160 iniciativas (incluindo este Farol Jornalismo). Para Marcelo Fontoura, coordenador da pesquisa no país, os dados revelam “um ecossistema jornalístico digital diverso e dinâmico, além de apontar para a necessidade de estratégias diversificadas para enfrentar o contexto de mudanças tecnológicas, de modelo de negócio e de relação com audiência, que configuram um cenário de instabilidade e risco para o jornalismo”.
Mais dois estudos: Metade dos jornalistas colombianos quer deixar a profissão, de acordo com pesquisa da Universidade do Rosario, que entrevistou 271 profissionais. E quase um em cada cinco espanhóis desconfia dos meios tradicionais, aponta pesquisa da Statista Consumer Insights. O ceticismo é significativo não só na Espanha, mas em vários países europeus.
Um grupo de correspondentes estrangeiros acaba de lançar a Noosphere, plataforma de notícias premium pensada para reunir o trabalho de jornalistas independentes. Segundo análise do Semafor, “há uma rolagem infinita em tela cheia que lembra o TikTok, mas também mostra aos usuários artigos de texto, áudio e foto”. (LV)
💎 Mulheres e liderança no jornalismo em 2025. Acaba de sair o já tradicional relatório do Reuters Institute que analisa a distribuição por gênero nos cargos de chefia em redações jornalísticas. Este ano, a amostra inclui 240 veículos online e offline em 12 países dos cinco continentes. O Brasil é o único representante da América do Sul, além de Quênia, África do Sul, Hong Kong, Japão, Coreia do Sul, Finlândia, Alemanha, Espanha, Reino Unido, México e EUA. Os dados foram coletados no final de janeiro e início de fevereiro de 2025. E o que dizem os resultados?
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