NFJ#502 🍂 O que é "jornalismo construtivo" e como colocá-lo em prática
Notícias do ISOJ: IA nas redações, o jornalismo em democracias em declínio e desafios para a profissão no mundo | Restrições financeiras, ameaças e mudanças do público desafiam o fact-checking
E aí!
Moreno aqui, no primeiro final de semana com clima de outono em Porto Alegre. Amanhecemos com 14 e agora estamos com 19 graus. Céu azul, céu de abril.
É preciso celebrar.
Vale nepotismo neste espaço? Eu pergunto e eu mesmo respondo: vale.
Muitos de vocês conhecem a Marcela Donini, fundadora do Farol Jornalismo e por muito tempo editora desta newsletter. Atualmente, Marcela é gerente de jornalismo da Matinal Jornalismo. E hoje ela lançou uma newsletter que talvez interesse vocês, um público atento não só ao jornalismo mas a qualquer discussão importante para a sociedade. Na Tudo é Gênero, Marcela observa o mundo com “as lentes de gênero” e nos conta o que ela anda vendo, lendo, analisando. A news é um produto exclusivo para assinantes da Matinal, que está celebrando 6 anos. Mas dá pra ter receber uma amostra por duas semanas (o boletim é semanal e circula às sextas-feiras) se cadastrando neste link. O texto principal da edição de hoje está aqui. Assinem!
Hoje estamos todos: eu (MO), Lívia (LV) e Giuliander (GC).
Antes, no blog dos nossos parceiros da serverdo.in, leia um guia sobre a importância da otimização de sites. Falando nisso, o Rodrigo Guedin, do Manual do Usuário, acaba de lançar uma consultoria em tecnologia para sites jornalísticos. Em parceria com Clarissa Mendes, o objetivo da Célere é implementar boas práticas, otimizações e correções diversas, deixando os sites mais rápidos. Confira aqui.
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Suzana Oliveira Barbosa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
Quer fazer parte dessa seleta lista? Apoie o Farol Jornalismo no Apoia-se ou escolha o plano Conselheiros, no Substack. Essas modalidades de apoio dão direito a informar uma URL para inserir um link ativo no seu nome.
🍂 Notícias do ISOJ 1: IA nas redações. Um dos paineis que mais me chamou a atenção na programação do ISOJ deste ano foi “Para além do hype: O impacto real da IA nas redações”, mediado por Nikita Roy e que reuniu responsáveis por algumas novas funções que surgiram na Hearst Newspapers, na empresa pública de comunicação da Bavária, no agregador Yahoo News e no New York Times. A utilização da IA nessas empresas ocorre em três grandes frentes:
Otimização do fluxo de trabalho através de ferramentas que poupem tempo da equipe de jornalistas para trabalhar mais a fundo no que realmente importa;
Realização de reportagens de impacto através da coleta, estruturação e análise de grandes sets de dados; e
Personalização de conteúdos para diferentes grupos da audiência.
Para isso, Tim O'Rourke, VP de inovação da Hearst, frisou a necessidade de treinamento constante e liderança da empresa na curadoria das ferramentas que devem ser utilizadas pela redação. Segundo ele, mais da metade da equipe de cerca de 700 jornalistas de publicações locais da empresa passaram por capacitações desde novembro de 2022 e a ideia é que elas atinjam todo o time até o final do ano. A empresa utiliza cerca de 25 ferramentas que, de acordo com o executivo, já pouparam mais de 22 mil horas de trabalho. Não sei como ele chegou a esse número, mas numa conta rápida aqui isso equivaleria a 4 dias e meio de trabalho de toda a equipe da Hearst. Nada mal.
A empresa bávara de comunicação e o NYT apresentaram alguns exemplos de reportagem possíveis apenas graças à IA, especialmente algumas que apontaram falhas técnicas e vícios éticos em ferramentas digitais usadas por governos e suas autarquias – como no caso de uma utilizada por um banco estatal para liberar linhas de crédito para os cidadãos e cujos critérios permaneceram opacos por vários anos. Uli Köppen, diretora de IA da empresa pública bávara, também apresentou um projeto de atualizações regionais que ajuda a audiência a criar boletins de notícias em áudio específicos com base em alguns termos de pesquisa e interesse em microrregiões específicas da província. (GC)
🍂 Notícias do ISOJ 2: o jornalismo em democracias em declínio. Taí um painel importante em um mundo onde a democracia está cada vez mais ameaçada por governos autocráticos ou com aspirações de sê-lo. A mesa do ISOJ sobre o assunto reuniu jornalistas de El Salvador, Turquia, Índia e Hungria. Todos esses países, de uma forma ou de outra, têm passado nos últimos anos pela erosão da liberdade de imprensa e a cooptação da mídia pelos governos, criando enormes desafios para a manutenção da integridade jornalística. Os relatos de András Pethő, cofundador, editor e diretor executivo do Direkt36 (Hungria), e da jornalista turca Gülsin Harman guardaram muitas similaridades. Segundo eles, ambos os governos de Viktor Orban e de Recep Erdogan têm utilizado a cartilha do desmantelamento do jornalismo independente e da criação de uma ‘máquina de propaganda’ com ares de mídia. “A ruína da mídia turca não foi ocasionada exclusivamente pela pressão do governo; o que realmente mudou a natureza da mídia turca foi os donos da mídia de legado se curvarem a um novo chefe”, disse Harman, que em protesto pediu demissão do veículo em que trabalhava. Ambos enfatizaram que a única forma do jornalismo independente sobreviver em seus países é através do apoio da audiência. O problema, segundo Pethő, é que a mídia independente ficou confinada ao ambiente digital e alcança cada vez menos pessoas.
O governo de Narendra Modi também tem cooptado os meios de comunicação indianos, que se tornaram propagadores de desinformação, de acordo com a editora sênior do Wire, Arfa Khanum: “Jornalistas estão sendo pagos para suprimir notícias para que nenhuma informação chegue às pessoas." Ela afirma que os discursos dissonantes, críticos ao partido de Modi, frequentemente são tachados como antinacionalistas pela população, criando uma atmosfera de insegurança. Já em El Salvador, o governo de Nayib Bukele tem utilizado a justiça do país para perseguir veículos independentes como o El Faro, relata seu cofundador e diretor Carlos Dada: "A liberdade costumava ser uma condição para fazer o que fazemos, mas agora tornou-se um objetivo. Nosso objetivo é ser livre, nosso objetivo é praticar jornalismo de forma livre, porque essa é a única maneira que conhecemos de praticar jornalismo." (GC)
🍂 Notícias do ISOJ 3: desafios para o jornalismo no mundo. De dar um nó na garganta a mesa do ISOJ com jornalistas submetidos a diversos tipos de risco e violência em seus países. Dawn Garcia, diretora do JSK Fellowship de Stanford, que mediou as falas, destacou os principais desafios que enfrentam os jornalistas pelo mundo: assédio de regimes autoritários (fisicamente e online), violência ou morte simplesmente por fazerem seu trabalho, polarização política crescente, desinformação, burnout e hostilidade. Ao relatarem suas histórias, os jornalistas deram voz e rosto a esses desafios. Mikhail Rubin é editor-chefe do site de notícias russo Proekt e está em exílio nos EUA, cursando o fellow de Stanford. Ele começou dizendo que nunca imaginou que daria conselhos aos jornalistas estadunidenses sobre como agir em um contexto de supressão da liberdade de expressão. Com Trump, isso está acontecendo. Na Rússia atual, segundo Rubin, ou você faz propaganda ou resolve dizer a verdade, o que te leva à prisão. Oficiais russos invadiram casas de seus colegas e a sua, dando um claro sinal para que ele saísse do país. Dieu-Nalio Chery, fotojornalista freelancer do Haiti, destacou que jornalistas têm sido mortos em seu país – só em 2022 foram nove, o pior ano da história. Ele quase fez parte dessa estatística, quando levou um tiro de uma das gangues que dominam o Haiti, o que não o impediu de fazer fotos que o tornaram finalista do prêmio Pulitzer. Gregory Gondwe, diretor da Platform for Investigative Journalism, do Malawi, relatou que seu país viveu 30 anos de ditadura (1964-1994), período em que praticamente não houve imprensa. Entre os principais desafios de ser jornalista no Malawi estão, na visão de Gondwe: influência política (apesar das garantias constitucionais de liberdade de expressão); assédio e ameaças; desinformação; e vulnerabilidade econômica das organizações jornalísticas. Em 2022, Gondwe foi detido por várias horas depois de uma reportagem sobre corrupção. Em 2024, teve que se esconder porque as autoridades planejavam prendê-lo. Ao contar sobre o exercício do jornalismo na Venezuela, Luz Mely Reyes afirmou que o desmantelamento da democracia é lento e consistente. Para a diretora do site de notícias Efecto Cocuyo e fellow do Knight Center, vive-se hoje o momento mais perigoso na Venezuela, de emergência humanitária, autoritarismo, censura e crise financeira do jornalismo. Por fim, mas não menos impactante, foi a fala de Lina Chawaf CEO da Radio Rozana, que enfatizou que a Síria vive sob o regime mais brutal do mundo há 54 anos. Ela contou que, até 2005, não era permitido praticar jornalismo fora da mídia estatal e que, hoje, as mídias privadas que existem são só para entretenimento. Ao criar a Radio Rozana, Chawaf aprendeu a “andar na corda bamba” e decidiu discutir, por meio do entretenimento, as questões mais importantes de seu país: violência contra a mulher, estupro e assédio sexual. Como consequência, ela sofre pressão e ameaças do governo e de religiosos. (LV)
🍂 O estado do fact-checking. Quarta-feira, 2 de abril, um dia depois do dia da mentira, é celebrado o Fact-Checking Day. Nesta data, há sete anos, a International Fact-Checking Network (IFCN) publica um relatório com a situação desse tipo de prática jornalística ao redor do mundo – fruto de uma pesquisa com 141 organizações de 67 países diferentes. E qual é a situação? Desafiadora, as usual. Restrições financeiras, ameaças de assédio e mudanças nos hábitos do público são as principais preocupações dos fact-checkers, segundo esta matéria do Poynter sobre o estudo. Embora o foco do relatório tenha sido o ano de 2024, o questionário foi respondido em fevereiro, semanas depois do anúncio da Meta de encerrar seu programa de fact-checking. A notícia, claro, caiu como uma bomba para iniciativas do mundo inteiro: 90% das organizações ouvidas se disseram preocupadas com sua sustentabilidade financeira, sendo de 60% delas participavam na iniciativa do Mark. A galera da América Latina disse estar particularmente inquieta com a possibilidade de que a torneirinha dos grants se feche. Sobre o segundo ponto, quase 80% dos fact-checkers disseram ter sofrido algum tipo de abuso ou ameaça em 2024 – e a expectativa é que esse número cresça neste ano. “Dois homens que lideram as maiores plataformas de mídia social estão, basicamente, pintando o alvo nas nossas costas”, disse Ana Brakus, diretora executiva da Faktograf, veículo croata de fact-checking, durante uma reunião online com mais de 100 signatárias da IFCN. Para enfrentar as ameaças crescentes, Brakus sublinhou a importância da colaboração. “É a única maneira de nos ajudar a avançar”. Sobre o terceiro ponto, o desafio é apostar em checagens curtas, de preferência em forma de vídeos ou infográficos – formatos preferenciais do público mais jovem. O uso de IA também apareceu no report. Cerca de 50% das organizações já usam IA para pesquisas preliminares, “mas preocupações éticas, altos custos e falta de conhecimento técnico estão entre os principais desafios dos verificadores de fatos quando se trata de integrar IA em suas redações”, diz o texto da reportagem. O relatório na íntegra pode ser conferido aqui. Ainda sobre o dia da checagem de fatos, Angie Drobnic Holan, diretora da IFCN, publicou um artigo defendendo que 2025 é um ano de virada para o fact-checking diante da segunda administração Trump e da guinada das plataformas rumo à desinformação. A saída, diz Holan, será inovar.
“O que acontecer nos próximos 24 meses será crítico para o futuro das informações precisas online. Os verificadores de fatos já enfrentaram críticas, ameaças e desafios financeiros antes. A crise atual, embora séria, levará os verificadores de fatos a inovar. Alguns estão explorando modelos de associação. Outros estão fazendo parcerias com bibliotecas e instituições educacionais. Muitos estão desenvolvendo ferramentas de IA para ajudar a identificar alegações que valem a pena verificar. Eles terão que ter coragem e ser fortes diante do assédio contínuo.”
Pra fechar, evento GlobalFact de 2025, que deve reunir 300 fact-checkers do mundo inteiro, vai ser no Rio de Janeiro neste ano (quem me leva? ops, quem vamos?). E já que estamos no Brasil, Aos Fatos e Lupa estão comemorando 10 anos em 2025. (MO)
🍂 Links diversos.
O Vox, site de notícias explicativas, teve um boom de assinantes desde a eleição de Trump: 350% de aumento de novos membros. “As pessoas estão famintas por contexto e clareza”, afirmou ao Press Gazette Swati Sharma, editora-chefe do Vox.
Aumentar e manter o número de leitores é essencial para a sobrevivência do jornalismo independente. Esta matéria do journalism.co.uk ouviu fundadores de organizações que estão conseguindo atingir esse objetivo, equilibrando conteúdo de qualidade com crescimento.
Com apoio do Pulitzer Center e do Instituto Serrapilheira, a Ambiental Media e o grupo de pesquisa RioNowcast+Green (UFF) acabam de lançar o Rio 60ºC, projeto que investiga os riscos que as mudanças climáticas trazem aos cariocas. Nesta primeira fase, o foco está nos eventos de chuva extrema cada vez mais intensos e frequentes.
Como fazer um vazamento de informação para um jornalista? Este texto do Nieman Lab dá orientações importantes, como o uso do Signal para a comunicação entre informante e jornalista. “O app de mensagens gratuito, de código aberto e criptografado, é visto como uma das melhores e mais seguras maneiras de compartilhar informações com repórteres – quer eles trabalhem de forma independente ou tenham o apoio de um veículo. (LV)
💎 Como colocar um jornalismo mais construtivo em prática? Volta e meia esse assunto aparece aqui na news – logo, nas discussões sobre jornalismo all around. Às vezes em forma de jornalismo de soluções. Outras, como na semana passada, na percepção de que é preciso se aproximar das comunidades para junto com elas entender e construir alternativas aos desafios que vêm se impondo, especialmente os de natureza climática. Mas não é fácil, a gente sabe. Um artigo recém saído do forno procura demonstrar por que a gente tem tanta dificuldade de incorporar práticas que, em tese, beneficiariam a todos – nós e o público. O trabalho, publicado na Journalism por duas pesquisadoras australianas da Universidade de Adelaide apresenta os porquês e ainda dá dicas práticas para implementar um jornalismo construtivo.
Apoiadores seguem com a gente. (MO)
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