NFJ#511 🍂 "Precisamos nos tornar atores políticos", diz Natalia Viana
Diretora executiva da Pública defende posicionamento do jornalismo para sociedade compreender importância da profissão e lamenta não termos previsto a situação da nossa relação com as plataformas
Boa tarde!
Moreno aqui, de olho em Sinner vs Djoko e às vésperas de um final de semana especial. Amanhã e domingo 25 mil atletas vão às ruas de Porto Alegre para a 40º edição da maratona da cidade. Eu serei um deles: vou para os 42k pela terceira vez com o corazón hambriento. Quem estiver em Porto Alegre, pega teu mate e vai pra rua dar um incentivo pra quem estiver fazendo força. Faz uma baita diferença. 🏃🏻♂️❤️
Eu (MO), Lívia (LV) e Giuliander (GC) assinamos os tópicos.
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Semana passada, na NFJ…
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
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🍂 “Make journalism great again”. Semana passada, estive no XII Congresso dos Jornalistas do Ceará, representando o Farol Jornalismo em uma mesa sobre o futuro do jornalismo e da organização coletiva. Na conferência de abertura, Natalia Viana, diretora executiva da Agência Pública, defendeu que nós, jornalistas, precisamos nos tornar atores políticos e mobilizar a sociedade na compreensão da importância da verdade para a democracia. Em resumo, precisamos “tornar o jornalismo grande de novo”. A fala de Natalia foi muito influenciada pelo que ela havia visto poucas horas antes, no 2º Seminário Nacional de Comunicação do Partido Liberal. Segundo seu relato, Google, Meta e outras empresas de tecnologia tiveram muito destaque, ministrando oficinas que ensinaram à extrema-direita técnicas de engajamento. Sobre isso, aliás, vale ler este texto de Sérgio de Sousa no Intercept, também com um relato do que ele presenciou no seminário bolsonarista. Natalia Viana fez um retrospecto da relação do jornalismo com as plataformas, que foi do encantamento à dependência – “não sei como não vimos que isso não ia acabar bem”, disse. Destacou a queda vertiginosa do tráfego vindo das redes sociais para o site da Agência Pública, comum a praticamente todas as organizações de notícias, mas insistiu que existe vida no jornalismo para além das plataformas. E que nunca foi tão importante ter profissionais comprometidos com a investigação dos poderosos, citando sua própria experiência no caso Wikileaks, contada no livro “O vazamento”.
A mesa “O trabalho do jornalista hoje: vínculos, precarização e resistência” teve a participação de Fernando Lima, economista do Dieese, e de Samira de Castro, presidente da Fenaj. Lima trouxe dados nada animadores: de 2013 a 2024, houve uma queda de 18% nas funções ocupadas por jornalistas CLT e estaturários no Brasil. Hoje, são aproximadamente 50 mil jornalistas com esses vínculos empregatícios. Ao olhar os dados dos microempreendedores individuais (MEIs), Lima mostra que há quase o mesmo número – 47 mil –, enquadrados nas funções “edição de jornais diários”, “edição de jornais não-diários” e “edição de revistas”. Samira de Castro fez análise política dos dados do Dieese: “A carreira de jornalista não está desaparecendo. O que existe é a precarização do vínculo de trabalho”. O relatório do Dieese também mostrou a realidade da atuação de jornalistas como assessores de imprensa. No Ceará, por exemplo, 40,1% dos profissionais estão em assessorias. Segundo Samira de Castro, esse quadro reforça a luta histórica da categoria pelo reconhecimento de que assessores de imprensa devem ser jornalistas. (LV)
🍂 Ética como elemento distintivo da atividade jornalística. Minha fala no Congresso dos Jornalistas do Ceará começou com uma apresentação do Farol Jornalismo: há quase 11 anos, enviamos semanalmente uma newsletter que acompanha os movimentos da profissão para mais de 7 mil assinantes, entre jornalistas, executivos, professores, pesquisadores e estudantes. É claro que vocês sabem disso, mas acho interessante reforçar que nós (eu, Moreno, Giuliander e Marcela) vemos a NJF como um produto de metajornalismo, que faz uma curadoria analítica que tem como resultado uma economia de tempo para nossos assinantes. Nós lemos, selecionamos, conectamos os assuntos de maneira crítica e entregamos o que é mais importante em um tom de conversa. Eu até brinquei que, embora qualquer IA hoje faça curadoria, nenhuma ainda consegue fazer o que nós fazemos, do nosso jeito. E é muito legal quando vemos o Farol nos agradecimentos de teses e dissertações ou como objeto empírico de pesquisas acadêmicas. Métricas de impacto que nos enchem de orgulho.
Feita a propaganda, destaquei que a criação do Farol, em 2014, aconteceu em um momento de efervescência no surgimento de veículos jornalísticos nativos digitais no Brasil. E citei o relatório do Project Oasis que, em parceria com a Ajor e Sembra Media, mapeou 164 iniciativas no país (incluindo o Farol). Assim, embora o ecossistema digital tenha complexificado e muitas vezes desafiado a produção do jornalismo de qualidade, podemos seguramente afirmar que a internet também possibilitou o surgimento de um jornalismo digital independente pujante, com veículos que cobrem lacunas historicamente deixadas pela imprensa tradicional. Hoje há iniciativas especializadas em direitos humanos, clima, questões de gênero, raciais, meio ambiente, periferias. Isso é muito inovador, não?
Há jornalistas experientes que saíram de grandes redações para criar suas organizações (alguns exemplos são o Canal Meio, Matinal Jornalismo, Poder360, Nexo, Agência Pública e Jota); e há também iniciativas que fazem jornalismo hiperlocal, nem sempre criadas por jornalistas, mas por moradores de comunidades que começam a reportar o que não veem na imprensa (Voz das Comunidades, Nordeste Eusou e Agência Mural são exemplos).
Ao invés de classificar essas práticas na caixinha de “jornalismo profissional” ou “não-profissional”, eu defendo que o elemento que distingue o que é ou não jornalismo e quem é ou não jornalista é a boa e velha ética. E não necessariamente uma ética normativa – se cumpre ou não o código de ética dos jornalistas – mas uma ética baseada na prática profissional, olhando para a propriedade desses veículos, conflitos de interesse, independência editorial, formas de financiamento, transparência, conexão com a verdade factual e pluralidade de fontes. A lente da ética inclui veículos tradicionais e nativos digitais na produção de jornalismo de qualidade, ao passo que exclui veículos que, mesmo utilizando técnicas e estética do jornalismo, produzem pura desinformação. (LV)
🍂 Amadores a uma IA de distância de se tornarem colunistas do Washington Post. Segundo o NYT, o Washington Post está planejando deixar que autores amadores submitam colunas de opinião com a ajuda de uma plataforma de IA chamada Ember, que guiaria essas pessoas na realização da tarefa. O movimento faz parte de uma iniciativa mais ampla “para abrir o jornal a artigos de opinião externos, incluindo de outras publicações, escritores do Substack e colunistas amadores”, afirma a publicação. Numa tentativa de oxigenar seu modelo de negócios, o dono do WaPo (e da Amazon), Jeff Bezos, pretende aumentar o seu alcance para além das elites da costa leste dos Estados Unidos, atingindo também audiências mais jovens. Os executivos do jornal falam em pesquisas que apontam um incremento de 38 milhões de novos leitores adultos com a implantação do projeto. Então tá. Vamos tentar entender como funciona(ria) o tal Ember. De acordo com a reportagem, trata-se de uma ferramenta que poderia automatizar diversas funções normalmente realizadas por editores humanos, incluindo uma indicação de como estaria progredindo um texto, uma barra lateral que mostra as partes fundamentais de uma história – algo como “tese inicial”, “pontos de apoio” e um "gran finale” – e um assistente de IA que auxiliaria os autores com lembretes e “perguntas de desenvolvimento". Tem tudo pra dar muito certo, né? (GC)
🍂 (Mais) lições sobre o uso errado da IA no jornalismo. Melissa Bell, CEO da Chicago Public Media, empresa que publica o Chicago Sun-Times, publicou esses dias um texto com o que a redação aprendeu com a repercussão negativa de um dos casos mais recentes de má utilização da inteligência artificial. Para quem não lembra ou não tinha nem visto (afinal, é difícil acompanhar tantas pataquadas), trata-se de uma lista com a indicação de 15 livros para o verão no hemisfério norte. O problema é que praticamente nenhum dos livros existe de fato, embora os escritores atribuídos a eles, sim, sejam reais. Uma clássica alucinação do ChatGPT que só foi percebida pela primeira vez cerca de 24 horas depois da publicação. O jornal ainda demorou mais oito horas para fazer uma primeira correção. Bell lamentou que jornalistas de renome e premiados pelo seu trabalho tenham passado vergonha por causa de um erro exemplar relacionado ao mau uso da IA:
“A seção foi licenciada por uma provedora de conteúdo terceirizada chamada King Features, uma divisão da Hearst Media. O conteúdo não foi produzido por jornalistas do Sun-Times, nem foi revisado pela redação antes de ser publicado no jornal. O Sun-Times e a King Features não permitem que repórteres usem IA para escrever artigos. Mesmo assim, o conteúdo foi incluído em um encarte do Sun-Times para os assinantes lerem num domingo pela manhã.”
Os primeiros erros foram cometidos por um freelancer que trabalhava para a King Features. Ele usou um agente de IA para produzir o material e o enviou para a chefia sem revisão. Os editores claramente não checaram os livros e suas autorias antes de passá-lo adiante para a publisher do Sun-Times. O especial não chegou a passar pela redação do jornal, tendo sido encartado numa edição impressa e enviado diretamente pelo departamento de circulação – uma prática recorrente desde metade de 2024, quando o jornal resolveu utilizar o serviço da King Features para cortar custos de produção deste tipo de material com uma equipe própria.
Enfim, quais as lições aprendidas pelo jornal, segundo sua CEO?
A redação não vai deixar de experimentar e buscar maneiras de inovar usando IA, mas uma política de uso está sendo elaborada e deverá ser seguida à risca para evitar novos problemas;
Conteúdo licenciado não será mais apresentado como produção da própria redação do jornal, porém deverá ser revisado por ela;
Erros vão continuar ocorrendo e correções devem ser realizadas com mais agilidade.
É isso. (GC)
🍂 Coisas interessantes.
O jornalismo pode ser uma ferramenta para rehabilitação? Katie Fraser acredita que sim. Ela é editora da Still I Rise, revista produzida por apenadas e distribuída para todas as mulheres que cumprem pena no Reino Unido. Nos últimos três anos, ela vem trabalhando nas prisões, produzindo junto às detentas o conteúdo de cada publicação, da pauta à redação, passando pelas entrevistas. “Acho que ir para a prisão abriu meus olhos. Me fez perceber que existem mulheres realmente vulneráveis cujas vozes nunca são ouvidas, pois muitas vezes as mulheres são demonizadas pelos crimes que cometeram”, disse Katie ao Journo Resources.
Quando percebeu que a BBC parecia estar enviando muitas notificações push por dia, Matt Taylor, um gerente de produto do Financial Times, não desativou os avisos, como muitos de nós faríamos – escreveu Neel Dhanesha no Nieman. Ele fez o contrário: decidiu comparar a BBC com outros veículos. Baixou 61 apps de notícias em um telefone e começou a arquivar as notificações de todos eles. Da ideia nasceu o Project Push, um script que recolhe as notificações e sobe para um servidor conectado a um perfil no Bluesky. O resultado, diz o texto do Nieman, é um retrato do noticiário atualmente: muitos pushes trazem breaking news tradicionais, mas alguns veículos usam as notificações de maneiras incomuns. Também há diferenças geográficas no uso da ferramenta. Vale conferir.
O jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram assassinados no dia 5 de junho de 2022, na Amazônia. Três anos depois temos a oportunidade de ler o livro que o repórter escrevia quando foi morto. “Não se pode parar um importante trabalho jornalístico e de qualidade”, disse Alessandra Sampaio, viúva de Dom Phillips, ao Mongabay. Como salvar a Amazônia — Uma busca mortal por respostas resume, segundo Alessandra, a “essência e o apelo ao trabalho coletivo e colaborativo para salvar” a floresta. No prefácio da obra, Dom escreveu que “as pessoas precisam aprender com os povos indígenas que só o pensamento coletivo, comunitário — e não a ganância individual — pode salvar a Amazônia. Precisamos nos unir, não nos separar”. Ontem, aliás, foi lançado um manifesto nacional em homenagem a Bruno e Dom. (MO)
💎 Jornalismo & IA: primeiro, o amor; depois, o desencanto. Hoje vamos seguir com a análise do relatório do Tow Center sobre o uso de IA pelo jornalismo, Journalism Zero: How Platforms and Publishers are Navigating AI. Na semana passada exploramos o capítulo 2, em que os autores Peter Brown e Klaudia Jaźwińska apresentam as primeiras impressões dos entrevistados (34 pessoas foram ouvidas entre maio e outubro de 2024) em relação à tecnologia. Hoje vamos dar uma olhada no capítulo 3. Nomeado The Generative AI Era (A Era da IA Generativa), ele explora a percepção de editores, executivos de notícias, gerentes de produtos e especialistas em IA sobre o caminho que vai da experimentação à implantação de soluções baseadas em IA generativa para as redações. Apoiadores seguem conosco. (MO)
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