Os influenciadores vão mudar o jornalismo ou o jornalismo vai incorporar a influência digital?
Em 2025 veremos crescer a influência digital no jornalismo, por isso vale perguntar: jornalistas sempre foram influenciadores ou estamos acompanhando o surgimento de uma nova categoria?
Ouvimos falar bastante em influenciadores digitais em 2024. O ano, provavelmente, se encerrará com muitas discussões, notícias sobre cancelamentos, processos judiciais, prisões, projeções de novas celebridades e conteúdos afins de muitos nomes que já foram alçados à categoria de influencer. Costumo brincar com meus familiares, amigos e alunos fazendo uma pergunta despretensiosa: você sabe o que é um influenciador digital? Nos últimos anos, quase ninguém responde que não e mais recentemente já percebi que, enquanto me respondem, puxam o celular do bolso para me apresentar ao conteúdo de um influenciador preferido ou já emendam na informação de que alguém conhecido decidiu tornar-se influenciador e "está muito rico".
Como sou jornalista, não raro costumo me deparar com confissões do tipo:
“Sabe fulana? não estava conseguindo se sustentar sendo jornalista e desde que começou a trabalhar como influenciadora tem recebido muitos convites para eventos e está ganhando muito dinheiro. É…Elane, jornalismo não paga as nossas contas. O que fulana ganhava em um mês de trabalho, consegue receber em um post avulso no Instagram”.
Quando eu atuava apenas como jornalista não conseguia fazer muitas reflexões sobre o assunto, por descrença ou vaidade, achava que essas situações eram passageiras e que logo o jornalismo profissional iria encontrar novamente seu rumo, sério, sisudo algumas vezes, movido por propósito e aquela vontade de mudar o mundo. Já na docência, comecei a perceber que a situação é complexa e representa bem mais que somente pagar os boletos no fim do mês. Há uma mudança no perfil da sociedade, principalmente da faixa etária mais jovem ou da chamada geração Z que empurra o jornalismo dito de referência e tradicional para uma reformulação.
Tenho sido interpelada por vários alunos interessados em pesquisar a influência digital. E, quando eu pergunto o motivo do interesse, alguns me respondem que já atuam informalmente como influenciadores, outros me dizem que querem unir as habilidades de jornalista com a atividade de influenciador. Para além dos muros da universidade, sempre me surpreendo quando fico sabendo da demissão de um colega de profissão e tempos depois vejo este mesmo colega atuando nas mídias sociais como influenciador. Quando tenho a oportunidade de perguntar se ele voltaria a atuar em redação, como jornalista, a maioria me responde que não. Como justificativa: os baixos salários, o habitus da redação, o flerte com o marketing, a falta de interesse das pessoas por notícias, a jornada de trabalho, a queda de audiência dos veículos tradicionais de mídia, o descrédito do jornalismo profissional… a lista é longa. Na outra ponta, em sala de aula, quando eu pergunto aos meus alunos quantas horas eles passam no celular ou nas plataformas de mídias sociais, a resposta é assustadora: 8h, 9h, 10h e alguns já disseram que chegam até 12h e 14h. Quando emendo perguntando por onde se informam não tardam em dizer: “Pelo X (antigo twitter), pelo Instagram… TikTok”.
Jornalismo e Influência Digital acampam o mesmo espaço já alguns anos e agora em 2025 estarão ainda mais próximos. Não sei se este é o melhor momento, já que há uma onda de notícias negativas em torno da atividade de influenciador. A minha aposta é para mais uma mudança no campo do jornalismo, tendo em vista que esse modelo que mistura "influência e jornalismo" desperta interesse e é motivo de julgamento por alguns e até vergonha por outros. É nesse contexto nebuloso que os jornalistas se debatem em busca de reinvenção e novos formatos.
Realizamos uma pesquisa na Paraíba1 na qual investigamos perfis de profissionais que atuavam em veículos de mídia tradicionais no Estado e que migraram para a influência digital. Do estudo emergiu a figura do “jornalista-criador de conteúdo” como uma prática crescente. Para chegar aos resultados, entrevistamos profissionais que por motivos diversos deixaram de atuar no jornalismo diário e seguiram para o marketing de influência. As entrevistas revelaram alguns pontos sensíveis nessa coalisão. Quando perguntados sobre os motivos da migração, responderam com muito vigor que não gostam do termo. Não se sentem confortáveis, pois acreditam que as habilidades jornalísticas lhe alçam para um lugar de credibilidade e confiança. Por vezes, pediram para que, na descrição da atividade, fossem nomeados como “jornalistas – criadores de conteúdo” ou “creators”. Na opinião deles, usar o termo influência digital traria descrédito. E também relatavam que, como profissionais com diploma, compreendiam o métier e não podiam ser enquadrados como influenciadores, o que poderia soar como a classificação de um personagem que surge nas redes pelo entretenimento ou por apelo a um nicho específico.
Em entrevista ao Canal Meio, Rosental Alves afirmou que a influência digital vai mudar o setor. O pesquisador encabeça um projeto da Unesco que busca entender as mudanças no perfil do consumo de informação e nos modelos de negócio na comunicação, sobretudo no jornalismo. Segundo ele, até pouco tempo atrás parecia que a tecnologia, os algoritmos e os robôs trariam transformações profundas no jornalismo nos próximos anos. Agora, se diz convencido que a influência digital é que fará esse papel, porque as pessoas estão cansadas do modelo jornalístico tradicional, do lead, dos modos de narrar, e que o maior problema do jornalismo atual é fisgar a Geração Z. E ainda questiona: “O que os jornalistas podem aprender com os influenciadores?” Para ele, os influenciadores digitais conseguem se conectar com os jovens. Trazendo proximidade para discussões, dando visibilidade a assuntos diversos.
Rosental ainda defende o surgimento de uma categoria: “newsfluencers”. O termo gerou inclusive a criação de um e-book que discute a redefinição das notícias e a credibilidade na era digital. Se ele está certo? Ainda não sabemos, mas o movimento está em curso. E, mais do que esperarmos sentados ele acontecer, devemos observar e compreendê-lo principalmente no que tange a preceitos éticos do jornalismo. Logo no começo, citei que muitos alunos do curso de jornalismo da UEPB, onde lecionei, já trabalham com a influência digital e tentam unir as duas pontas e reunir em uma atividade todas as habilidades que aprendem ao longo dos quatro anos na Universidade. E, é este alerta que deve ser ligado. Vamos lembrar da frase de Adelmo Genro Filho: “Se a teoria na prática é outra, está errada a teoria”. O que dá força à ideia de que não deve existir distanciamento entre teoria e prática e que esses modelos que surgem na vida real devem ser refletidos e receber tensão em espaços para tal.
Há quem diga que os jornalistas já nasceram influenciadores. Jornalistas conseguem, por meio da troca simbólica de conteúdo noticioso, nos guiar em tomadas de decisão para a condução da nossa vida ordinária. Assim, se desenha a natureza do jornalismo, orientado pela construção social da realidade. E se configura como parte importante para a compreensão do mundo real. Há alguns anos a imagem clássica transmitida pelos jornalistas tem passado por transformações. O jornalismo tal como o conhecemos está em processo de tornar-se uma profissão pós-industrial. Em permanente estado de fluxo, o campo vive tensões que são acentuadas pelas experiências permitidas no ecossistema digital em que já vivemos plenamente.
A última edição do Digital News Report (DNR), produzido pelo Reuters Institute, traz dados que remetem a uma mudança de cenário no consumo direto de notícias. Uma das mais aparentes é o crescimento de plataformas de vídeo como fontes de informação, principalmente entre os jovens. Outro ponto do relatório que chama atenção é que o ecossistema jornalístico tem se tornado complexo tanto no que diz respeito ao consumo de notícias quanto aos processos referentes à produção de conteúdo noticioso. Os dados detalham uma ascensão da atividade de influenciadores digitais e as observações feitas pelos autores do DNR encaminham para o surgimento de uma competição entre os criadores de conteúdo digital e os veículos tradicionais de mídia. O texto faz referência a esses influenciadores como vozes alternativas de notícias em redes sociais e de vídeo.
Porém, é importante deixar dito que este cenário não surgiu de uma hora para outra. Estas mudanças são percebidas ano a ano com pistas de um possível derretimento do modelo tradicional de jornalismo, alavancado sobretudo pelos jovens e a falta de gosto pelo consumo de notícias em veículos de massa, a exemplo de programas noticiosos da TV aberta. É também possível acompanhar essa desconstrução das idealizações jornalísticas tradicionais a partir da pesquisa realizada por Figaro, Nonato e Grohmann há mais de dez anos. Quanto ao ambiente do jornalismo profissional, a realidade – que é marcada pelo ritmo social acelerado, consumo desenfreado de redes sociais digitais, salários inadequados e o debate a cerca da precarização do trabalho – desconstrói as expectativas iniciais da profissão. É neste contexto de quebra de expectativas que os jornalistas da atualidade buscam se reconfigurar e prosperar, tentando redefinir suas carreiras ao explorar novas oportunidades, inclusive dando abertura para o marketing e assim flertando com a atividade de influenciador digital e/ou criadores de conteúdo.
Em texto recente, os pesquisadores Vítor Belém e Lívia Cirne, analisaram a inclusão de influenciadores digitais em produções tradicionalmente lideradas por jornalistas na televisão. Investigaram as implicações dessa prática em termos de credibilidade e ética. Como argumentação, entendem que a crescente integração entre mídias tradicionais e digitais tem provocado transformações na forma como o público consome e interage com esses conteúdos midiáticos. Para os autores, influenciadores digitais, conhecidos por sua capacidade de engajamento, têm sido convidados a participar das produções ou a substituir a figura do jornalista profissional. Situação que evidencia um alerta para a verificação da informação e retoma os dilemas éticos, de jornalismo/cobertura jornalística feita por não-jornalistas. Como estudo de caso, usaram a cobertura do carnaval 2024 pela TV Globo.
É nesse contexto que a profissão de jornalista sofre. No dossiê sobre práticas jornalísticas, publicada pela Revista Parágrafo lá em 2016, os autores Mark Deuze e Tamara Witschge, explicam que atualmente a experiência vivida por jornalistas é considerada precária, fragmentada e em rede. Nesse vai e vem, os profissionais são empurrados a desenvolver novas táticas, adaptar-se a recém-formadas estruturas organizacionais e a criarem outras concepções sobre sua identidade profissional.
Debater sobre o jornalismo de hoje e o que esperar dele já em 2025 é uma tarefa complexa e mais que teorizar ou realizar um exercício para adivinhar o futuro, refletir sobre o campo jornalístico é importante para perceber movimentos da prática que sinalizam mudanças que devem ser trabalhadas e discutidas, indicando pistas e tendências para o (re)direcionamento da profissão. Observamos quatro movimentos:
A atividade do jornalismo, que sempre foi tratada de forma social e institucional, tem sido levada para uma instância mais individualizada. Os jornalistas têm sido aconselhados a desenvolverem uma consciência empreendedora, na qual cada indivíduo se torna um “nome”, uma “marca”, uma “empresa”. Assim, estes jornalistas tornam-se mais “flexíveis”, “editores” de si mesmo e são responsáveis por suas próprias ações. Isto impacta na identidade de jornalista enquanto classe: negociar seus próprios contratos incide em salários mais baixos, insegurança nos empregos, horários inconstantes e alta rotatividade nos postos de trabalho.
O pós-pandemia tornou o quadro de produção de notícias ainda mais fragmentado. Tanto faz produzir notícias dentro ou fora de uma redação “clássica”. As práticas “redacionais" foram facilitadas pela terceirização de serviços e outras profissões passaram a agregar valor às atividades jornalísticas: designer, social media, marketing e publicidade.
Um “inchaço" de espaços onde se pode encontrar conteúdo informativo. Antes, as pessoas eram levadas a usar os meios de comunicação para se informarem sobre a vida e o mundo ao redor. Hoje, elas precisam aprender técnicas (que eram habilidades e competências típicas do jornalismo) para poder processar a quantidade de informações disponíveis no universo digital. É importante que as pessoas desenvolvam essas técnicas jornalísticas para sobreviverem nesta imensidão de conteúdo informativo.
A ubiquidade da tecnologia refletida pelo professor Fernando Firmino é mais que consistente em 2024 e será ainda mais em 2025. O jornalismo está em todos os lugares e em todos os suportes. O que facilita a produção de conteúdo jornalístico, mas colabora para o surgimento de um perfil profissional que deve ser multitarefa. Isso nos remete ao conceito de polivalência profissional defendido por Salaverría, em que ele propõe três dimensões dessa polivalência na área jornalística: acúmulo de funções, jornalismo não especializado e midiática (trabalhar para várias mídias simultaneamente). “A tendência da produção multiplataforma em torno dos veículos de uma mesma marca leva as empresas a darem preferência ao profissional polivalente”.
Esses movimentos favorecem o surgimento de um profissional atravessado por técnicas vindas dessas outras disciplinas da área da comunicação. Isso acaba borrando as práticas tradicionais, incentivando uma mescla de atividades. Assim, precisamos e devemos compreender 1) as fissuras e fraturas na identidade profissional do jornalista que se torna um “influencer” ou assume a postura de um influenciador digital, 2) qual ou quais os fatores financiam essa mudança, identificando as atuais condições do mercado de trabalho e 3) de que maneira isso pode reverberar no jornalismo tradicional (considerando tanto a qualidade das informações repassadas para o público quanto o mercado de notícias).
Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2025. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.
Estudo ainda não disponível ao público no repositório da UEPB
Acesse meu LinkedIn, RODRIGO BARBOSA VERÍSSIMO , e leia a repostagem deste artigo lá na minha página e o longo comentário/desabafo meu junto a este link...