NFJ#500 🍂 Usos equivocados da IA: o jornalismo insiste
O que estava acontecendo no jornalismo nas NFJ 100, 200, 300 e 400 | A taxa de diversidade em cargos de alta liderança no jornalismo brasileiro é 0% | Wired enfrenta Trump |
E aí, gente.
Recordar é viver.
Piegas, eu sei, mas quem não gosta de lembrar e recontar os momentos pelos quais passou e as coisas que fez? Hoje completamos 500 edições da NFJ. Quase 11 anos a serviço de quem faz o jornalismo – vocês. Como parte de uma pequena celebração, decidimos voltar ao passado e ver o que estávamos falando nas quatro edições centenárias que antecederam a quingentésima Newsletter Farol Jornalismo.
Além do jornalismo, também é um momento legal de voltar no tempo e saber onde andávamos nas nossas vidas, o que estávamos fazendo, o que estava acontecendo na cidade, no país…
Vamos?
Ah, lembrando que essas e as outras 496 edições da NFJ estão à disposição dos nossos apoiadores. Apoiem o Farol Jornalismo pra gente conseguir chegar na edição 1000!
Hoje estamos todos: eu (MO), Lívia (LV) e Giuliander (GC).
Antes, no blog dos nossos parceiros da serverdo.in, saiba o que é como funciona a Native Ads. Deem play no Red Hot e bora.
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Carlos Alberto Silva, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Suzana Oliveira Barbosa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
Quer fazer parte dessa seleta lista? Apoie o Farol Jornalismo no Apoia-se ou escolha o plano Conselheiros, no Substack. Essas modalidades de apoio dão direito a informar uma URL para inserir um link ativo no seu nome.
🍂 Por onde andava o jornalismo nas edições 100 e 200? A centésima edição foi ar no dia 15 de julho de 2016. Patrocinada pelo grande Volt Data Lab – que hoje se transformou no Núcleo Jornalismo, o boletim trazia a seguinte manchete: Vídeos ao vivo: jornalismo cidadão e breaking news no Twitter e Facebook; o frenesi Pokémon GO e o jornalismo (naquela época eu ainda fazia títulos com mais de um assunto). Vejam que interessante, a principal discussão girava em torno do protagonismo do Facebook e do Twitter na repercussão de eventos ao vivo ao redor do mundo. Era época do Facebook Live, recurso que permitia que qualquer usuário fizesse uma transmissão ao vivo em vídeo pelo seu perfil (isso era novidade há menos de 10 anos!). Foi usando o FB Live que uma mulher negra norte-americana chamada Diamond Reynolds informou o mundo que seu marido havia sido morto pela polícia antes que as autoridades impusessem sua própria versão dos fatos. “Sua transmissão pegou o Facebook de surpresa”, escrevi na época. Por aqueles dias, outro episódio afirmava a relevância do Twitter durante cobertura de breaking news em rede: um mass shooting em Dallas. A análise que destaquei à época era assinada pelo repórter do BuzzFeed Charlie Warzel. Ele dizia que o Twitter, apesar de não viver uma boa fase, ainda era “indispensável” “quando a coisa fica intensa, quando o breaking news complica”.
Pro fim da análise (nessa época a edição era gigante – bons tempos de bolsista de doutorado), eu escrevi o seguinte:
“Enquanto o Facebook precisa aguentar a dor e a delícia de ser o que é ao lidar com a responsabilidade de oferecer aos seus usuários ferramentas capazes de proporcionar momentos tão históricos quanto perturbadores como o de Reynolds, o Twitter reafirma sua importância e talvez sua especificidade em meio à luta pela própria vida.”
Ai, ai.
Queria falar sobre a relação entre Pokémon GO e jornalismo, mas não vou me alongar. Só deixem eu dizer que a análise começa com um diálogo de família em que o meu cunhado, então com 11 anos, falava sobre a dificuldade de se caçar pokémons nas ruas das cidades brasileiras por conta da insegurança. Hoje o guri está na faculdade estudando Engenharia Física. E quem caça pokémons é o meu filho, que na época ainda era só um projeto.
Coincidentemente, a NFJ#200 trazia mapas – o ambiente de jogo do Pokémon GO – como seu principal destaque. A manchete: Mapas, a nova fronteira da desinformação; notícias do Intercom; Facebook e a violência. Ah, na época desta edição – que circulou em 7 de setembro de 2018 (pleno feriado!) – a Lívia já fazia parte da equipe. (Pra quem não sabe, ela entrou pro Farol no segundo semestre de 2017, quando eu estava na Holanda fazendo o sanduíche e o Santiago não tinha nem seis meses.) Foi ela quem trouxe as notícias do congresso da Intercom. Já que estamos na parte das lembranças, a abertura trazia muito entusiasmo com o US Open, informações sobre o Festival 3i (naquela época, o evento hoje capitaneado pela Ajor acontecia regionalmente, e a edição de Porto Alegre iria rolar dali uns dias) e atualizações sobre a nossa campanha de financiamento coletivo no Apoia-se. Campanha, aliás, que ainda está no ar é segue sendo uma modalidade de apoio ao nosso trabalho.
Bom, quanto ao conteúdo, os mapas citados na manchete estavam relacionados a um estudo que analisou a repercussão de uma publicação no Twitter de Nate Silver, do finado Five Thirty Eight, com mapas antecipando tendências para as fatídicas eleições de 2016. O conteúdo viralizou e, consequentemente, também se transformou em desinformação – o atual ecossistema de desinformação engatinhava naquela época. A edição também traz dados de um estudo do Pew sobre retração no uso do Facebook pelos norte-americanos: 26% dos entrevistados haviam deletado o app do Face de seus telefones nas semanas anteriores à pesquisa. E eu complementei com um link sobre o ciclo vicioso de deletar, instalar, deletar, instalar o app do Instagram. Em 2018! (MO)
🍂 Por onde andava o jornalismo nas edições 300 e 400? A tricentésima edição da NFJ chegou para os nossos assinantes no dia 9 de outubro de 2020. Em plena pandemia. Eu e minha família estávamos retirados durante um mês em uma casa no alto de um morro de Garopaba, litoral de Santa Catarina. Pra mim, tempos de aulas online, filho em casa e braçadas no oceano. E vocês, onde estavam, como estavam, o que faziam neste momento da história? Naquela época, a nossa news era patrocinada pelo Science Pulse (mais uma parceria com o amigo Sérgio Spagnuolo), que cumpria um papel fundamental ao fazer social listening num momento em que a divulgação científica assumia extrema relevância no debate social.
Já com a formatação atual de seis tópicos, a NFJ#300 trazia na manchente a necessidade do jornalismo confrontar seu passado racista para construir um futuro com mais equilidade. A referência era uma matéria do Nieman Lab sobre um movimento realizado dentro da redação do Los Angeles Times. Também falamos das eleições municipais que estavam por vir. Destaque para uma nova investigação da Patrícia Campos Mello sobre a já conhecida indústria de disparos em massa de mensagens eleitorais. O primeiro bloco da news trazia – lá em 2020 – um assunto quente seis anos depois: regulação das big tech. “Estamos vendo crescer, em diversas partes do mundo, mobilizações em torno de uma regulação para as grandes plataformas”, escrevi. Falamos sobre os movimentos no Brasil (capitaneado pela Fenaj), Austrália, Reino Unido e França; e citamos o Dilema das Redes, documentário lançado naquele ano e que nos deu claramente, talvez pela primeira vez, uma noção de como essas plataformas se transformaram em máquinas de desinformação.
E a NFJ#400? Bom, a família Farol Jornalismo estava prestes a aumentar: Diego estava na barriga da Lívia, que naquele 9 de dezembro de 2022 desfilava seu barrigão em Havana. Era dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo. Não é lá uma data muito boa de lembrar, mas na hora do envio ainda estávamos entusiasmados. Enfim, vamos ao que interessa. A manchete era a seguinte: Como Geração Z e Millennials se informam. Naquela oportunidade – quantos estudos sobre o tema destacamos de lá pra cá, hein –, o foco estava nas temáticas mais consumidas pelos jovens (crime e segurança pública, covid-19 e saúde mental, trânsito e clima) e nos canais onde se dava esse consumo. O Facebook ainda era a plataforma mais usada, seguido pelo YouTube. TikTok já dava sinais de força. Final de ano também é momento de relatórios de tendências. O Media Moments daquele ano destacava, entre outras coisas, o renascimento das newsletters para o jornalismo local. E deu. NFJ foi curtinha por motivos de Copa do Mundo.
Totalmente justificado. (MO)
🍂 Cobertura sobre política e tecnologia rende dividendos à Wired. A revista Wired não era muito reconhecida pela cobertura política. Tudo mudou quando a diretora global Katie Drummond percebeu indícios de um novo mandato de Donald Trump ainda antes da última campanha eleitoral americana. De lá para cá, não só o bilionário voltou para a Casa Branca como firmou uma aliança cujos termos não estão ainda totalmente claros com os donos e CEOs das principais plataformas de tecnologia americanas e colocou um deles, Elon Musk, para liderar o departamento de eficiência governamental – cortando gastos com a demissão de funcionários públicos e a extinção de suas funções. A Wired tem seguido de perto essas movimentações com reportagens que deixam claros os prejuízos que a administração Trump/Musk tem causado à cidadania. Segundo uma matéria da AP, a Wired ganhou 62,5 mil assinantes nos Estados Unidos somente nas duas primeiras semanas de fevereiro. A cobertura da revista tem recebido elogios de analistas simpatizantes do chamado “adversarial journalism” (poderíamos aportuguesar para jornalismo combativo?) e, obviamente, críticas de partidários de Trump e da extrema direita. Surpresa que os outros meios de comunicação tenham demorado para subir nesse barco, Drummond defende que a Wired está apenas fazendo jornalismo:
“Nós estamos cobrindo desdobramentos dignos de notícia. E nossa cobertura fala por si. Ela é resultado de reportagens rigorosas e verificação de fatos.”
A medida mais recente da revista em relação a essa cobertura foi liberar de paywall todas as notícias produzidas a partir de dados públicos – ou seja, informações pedidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) deles, o Freedom of Information Act (FOIA). A Fundação para a Liberdade de Imprensa apelou que outros meios de comunicação sigam o mesmo caminho. No Nieman Lab, Joshua Benton saudou a iniciativa e lembrou quando fazia a cobertura de educação no Texas logo no início de sua carreira:
“Grandes áreas até mesmo das políticas educacionais mais locais são influenciadas por dados federais, tanto abrangentes quanto granulares. É uma grande parte de como uma escola descobre onde está entre seus pares. A maior parte desses dados foi produzida pelo National Center for Education Statistics, que até 20 de janeiro tinha cerca de 100 funcionários, incluindo muitos estatísticos com doutorado. Hoje, tem três. Nenhuma parte do Departamento de Educação foi mais cortada, até onde os repórteres podem dizer. É inconcebível que três funcionários zeladores restantes possam produzir sozinhos os dados e análises que o NCES costumava fazer — o que significa que as escolas públicas americanas vão ser um pouco mais ignorantes sobre como estão ensinando nossas crianças.”
Nenhum sucateamento governamental é por acaso e o papel do jornalismo é monitorá-lo atentamente e reportá-lo sempre que houver danos à cidadania. (GC)
🍂 IA, imprecisão e a insistência do jornalismo em usos equivocados da tecnologia. Semana passada, falamos sobre mais alguns exemplos de problemas do uso da inteligência artificial no jornalismo, principalmente quando se trata de gerar conteúdo. Pois bem, o Núcleo publicou ontem um levantamento sobre a incidência cada vez maior de incidentes com sistemas de IA pelo mundo desde 2016 – o que é até meio óbvio que aconteceria, já que houve um boom incrível no número de modelos, investimentos e usuários desse tipo de tecnologia nos últimos anos. Talvez os dados mais importantes da matéria, feita a partir de uma iniciativa chamada AIAAIC (sigla para AI, Algorithmic and Automation Incidents and Controversies) que faz um monitoramento independente desses incidentes e os cataloga numa base de dados aberta, seja a proeminência desses eventos indesejados na mídia e no entretenimento (288 registros contra 115 do segundo setor mais afetado, a política) e em sistemas amplamente utilizados por jornalistas como aqueles disponibilizados por big techs como Microsoft/OpenAI (80 casos), Google (58) e Meta/Facebook (38). As categorias que lideram a lista de incidentes são “precisão e confiabilidade” (361 registros) e “segurança” (268), o que diz muito sobre falhas existenciais dessas ferramentas que têm sido apontadas por especialistas com frequência e mencionadas aqui nesta newsletter.
Mesmo assim, esse setor maravilhoso chamado jornalismo insiste em usos equivocados e, por que não?, irresponsáveis da IA. Muitas vezes o objetivo é menos atender alguma necessidade da redação ou do público, mas dar a aparência de vanguardismo no uso da tecnologia. Parece ser o caso do jornal conservador italiano Il Foglio, que anunciou ter sido o primeiro do mundo a publicar uma edição completa produzida por inteligência artificial. Segundo seu editor Claudio Cerasa, a IA foi usada “para tudo: na escrita, nas manchetes, nas citações, nos resumos. E, às vezes, até na ironia.” Nossa, que moderno. O editor acrescentou ainda que o papel dos jornalistas na edição ficou limitado “a fazer perguntas [a uma ferramenta de IA] e ler as respostas”. O Guardian, que noticiou o feito do Il Foglio, se limitou a descrever a edição do jornal, sem tecer opiniões mais aprofundadas sobre sua qualidade. Tinha uma matéria sobre trumpistas italianos, uma lista sobre 10 traições de Putin, uma reportagem baseada em dados do IBGE italiano que fala sobre redistribuição de riqueza no país e um texto sobre o fato de os europeus estarem evitando relacionamentos amorosos mais sérios e duradouros. “Os artigos eram estruturados, diretos e claros, sem erros gramaticais óbvios. No entanto, nenhum dos artigos publicados nas páginas de notícias usa aspas com afirmações de qualquer ser humano”, pontuou o Guardian. Uma edição realmente memorável (essa ironia não foi criada por IA). (GC)
🍂 Links diversos
Gravíssimo o que aconteceu com o repórter e colunista do UOL, Thiago Herdy, vocês viram? Ele foi seguido e teve dados fiscais, endereço e informações de sua família expostos em um texto apócrifo. Em março de 2024, Herdy e outros repórteres publicaram matérias com indícios de irregularidades em contratos emergenciais assinados pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. Em nota, a Abraji disse que “é urgente que as autoridades públicas investiguem o caso, identifiquem os mandantes da estratégia de perseguição e façam cessar as ameaças sofridas pelo repórter”.
Esta matéria da LatAm Jornalism Review repercute os dados do Projeto Oásis sobre os meios nativos digitais brasileiros (falamos sobre ele na NFJ #498). O resultado do relatório surpreendeu o líder da pesquisa, Marcelo Fontoura. “Eu fiquei surpreso que havia uma perspectiva positiva de modo geral. […] Perguntamos como é a perspectiva financeira para o próximo ano, se eles esperavam que os seus rendimentos aumentassem mais de 20%, e a maioria disse que sim”. Um ponto de atenção é a dependência da publicidade: 69 dos 164 veículos analisados têm nos recursos de propaganda sua maior fonte de renda. (Eu só juro por deus que não entendi a foto que ilustra a reportagem.)
O Bluesky fez uma atualização técnica, mas muito útil para jornalistas que trabalham com métricas editoriais. O objetivo foi facilitar a identificação do tráfego que vem da rede social, o chamado tráfego de referência. Agora, o referenciador da Bluesky é go.bsky.app, conforme explica esta matéria do TechCrunch. Ao contrário do X e do Threads, que tendem a exibir menos as notícias, o Bluesky quer “conquistar” os publishers, e essa atualização é mais um sinal disso.
Está aberta a chamada de trabalhos para o XII Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo, evento que integra a programação do 20º Congresso Internacional da Abraji, que ocorrerá em São Paulo, de 10 a 13 de julho de 2025. Pesquisadores e estudantes de Jornalismo têm até 31/3 para enviarem TCCs e reportagens; e até 30/4 para artigos científicos. (LV)
💎 Menos diversidade de raça em cargos de liderança, no Brasil e em mais 4 países. Saiu a versão de 2025 do relatório do Reuters Institute sobre raça e liderança na indústria jornalística. Nesta edição foi analisado o percentual de pessoas não-brancas em cargos de liderança em 100 veículos de grande alcance, online e offline, de Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos, África do Sul e Brasil. Vamos dar uma olhada nos principais resultados? Apoiadores seguem com a gente. Ainda não nos apoia? Atualize sua assinatura e tenha acesso às nossas análises semanais. (MO)
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