NFJ#503 🍂 Dia do jornalista, Felipe Neto e a imprensa acrítica
Leitores preferem textos escritos por IA | Ansiedade climática pegando. E o jornalismo não ajuda | ESPN suspende jornalistas que criticaram o presidente da CBF | Notícias de Perugia
E aí!
Hoje direto ao assunto. Até porque estamos meio azedos. Mas também, PLMDD!
Aquilo que vocês já sabem: eu (MO), Lívia (LV) e Giuliander (GC) assinamos os tópicos.
Antes, no blog dos nossos parceiros da serverdo.in, entenda as vantagens da plataforma Carbonio para gerir o trabalho de uma equipe.
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Suzana Oliveira Barbosa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
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🍂 Leitores preferem textos escritos por IA. É o que disse a editora do diário britânico The Independent, Chloe Hubbard, em um painel da Advertising Week em Londres esses dias. Ela estava se referindo ao serviço de resumos de notícias da empresa chamado Bulletin. De acordo com Hubbard, os textos gerados pela ferramenta costumam ter melhores números de audiência do que as reportagens e artigos originais escritos por jornalistas humanos que foram usadas como base para os sumários. “É como se a ferramenta de IA estivesse se tornando uma jornalista muito boa”, brincou ela. O serviço, que usa o Google Gemini para reescrever histórias do Independent em cinco a dez tópicos, foi lançado oficialmente no início do mês depois de um período de testes durante algumas semanas. Segundo a editora, já na sua primeira semana, o Bulletin gerou em um dia mais de 1 milhão de visualizações. Os resumos não aparecem no topo dos artigos originais como acontece com versões brasileiras da ferramenta como a Leia do Estadão e o Irineu d’O Globo. No Bulletin, eles são destacados em agregadores como o Google Discover e ficam acessíveis aos leitores do Independent como artigos independentes (com o perdão da redundância) na página do jornal. Em breve o serviço deve ganhar um site próprio e talvez um aplicativo onde os usuários terão a opção de ouvir os resumos também. Os resumos são assinados pelos mesmos jornalistas que escreveram os textos originais, pois eles também são os responsáveis por editar o material gerado por IA e fazer ajustes antes da publicação final. A ideia do Bulletin não é nada muito inovador, apenas uma percepção do Independent de que muitas pessoas não têm tempo para ler artigos mais longos. “Então decidimos analisar como poderíamos oferecer às pessoas nosso conteúdo – totalmente confiável, verificado e com checagem de fatos – de uma forma mais condensada, que potencialmente rivalizasse com os resumos que você também pode ver ao pesquisar no Google, por exemplo. Mas saberíamos que a fonte desse conteúdo seria o nosso próprio jornalismo”, afirmou Hubbard. (GC)
🍂 Ansiedade climática pegando. E o jornalismo? O jornalismo não ajuda. Esses dias eu “furtei” uma conversa (em meados dos anos 2000, um colega aqui do sul tinha um blog genial chamado “conversas furtadas” em que ele postava pedaços de conversas aleatórias ouvidas nas mais diversas situações) de duas pessoas comentando uma manchete de um grande veículo aqui do sul sobre a primeira onda de frio que chegaria ao estado depois de um verão de altíssimas temperaturas. A manchete dizia algo como “RS vai ter frio abaixo de 10 graus” apenas um ou dois dias de ter registrado perto de 40. Aí tu ia ler a notícia e os 10 graus da manchete, se rolassem, iriam ser lááá nos campos de cima da serra, uma das regiões mais frias do estado – e do país. Ok, não há nada incorreto na manchete, alguém poderia me dizer. E o jornalismo sempre funcionou assim, outro poderia acrescentar. O inusitado sempre foi um dos critérios de noticiabilidade mais acionados, um terceiro me lembraria. Olha, eu sei, mas acho que tá na hora de mudar. As pessoas percebem quando a gente força a barra. E passou da hora de a gente começar a pensar sobre o que as nossas manchetes fazem com quem as lê. Me lembrei dessa história lendo este artigo publicado no OI sobre como nasceu uma desinformação a partir de um dado errado publicado pela USP (sim!) e usada (e replicada) pelo jornalismo em uma manchete que puxa pelo inusitado sensacionalista. A manchete é esta: Sensação térmica pode chegar a 70ºC nos próximos dias; entenda. Quente, né? O problema é que tá errado. Vou deixar as autoras do texto, Laura Cristina e Germana Barata, da Unicamp, explicarem.
O prestígio da USP chancela qualquer dado. Faltou ao jornalismo checar a fonte primária da informação. A tabela utilizada como referência para projeção de sensação térmica foi citada em postagem de autoria de um doutorando da USP, em 2019, que erroneamente adaptou os dados originais da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), dos Estados Unidos. A tabela da postagem converte os graus de Fahrenheit para Celsius de forma incorreta e causou distorções como o valor máximo de 137°F (58°C), na tabela original, para 80°C (176°F), na versão traduzida.
Na sequência do artigo, as integrantes do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas analisam a repercussão da matéria, que foi replicada por outros veículos brasileiros, além de Argentina e México. Elas ressaltam a necessidade de que os profissionais reflitam sobre a cobertura e sejam cautelosos ao abordar o tema. Também chamam a atenção para a importância de treinamento na área. Só assim dá pra chegar perto do conselho que Christiana Figueres, diplomata costa-riquenha conhecida por ser uma das arquitetas do Acordo de Paris, deu aos integrantes do Oxford Climate Journalism Network, iniciativa ligada ao Instituto Reuters. “Abordem a complexidade [climática] e comuniquem-na com simplicidade. [...] Essa é uma tarefa enorme. Eu diria que essa é a sua tarefa mais importante.” A complexidade, diria eu, não está apenas no tema, mas em entender as consequências de uma apuração apressada e voltada ao inusitado circulando em um ecossistema de jornalismo em rede. Conectando com a nossa análise das semanas anteriores (NFJ#502, NFJ#501), ao nos aproximarmos das comunidades, fica mais fácil introjetar questões como “o que o nosso jornalismo vai produzir nas pessoas?” ou “qual é o propósito da nossa abordagem?”. É muito fácil largar uma manchete sensacionalista no ar quando a audiência não é um público, e sim um número. (MO)
🍂 ESPN suspende jornalistas que criticaram o presidente da CBF. No final da semana passada, a revista Piauí publicou uma excelente reportagem sobre as extravagâncias do presidente recém reeleito da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o baiano Ednaldo Rodrigues – por exemplo, a comitiva de convidados pessoais dele na Copa do Catar, em 2022, ter 49 pessoas e custar R$ 3 milhões aos cofres da entidade. Como seria de se esperar, na última segunda-feira, os integrantes do programa Linha de Passe, da ESPN, repercutiram a reportagem. A emissora, conhecida por seu jornalismo tradicionalmente crítico aos cartolas do futebol, dessa vez resolveu suspender por dois dias os seis jornalistas que participaram do debate: Dimas Coppede, Gian Oddi, Paulo Calçade, Pedro Ivo Almeida, Victor Birner e William Tavares. Segundo apuração do UOL, a direção da ESPN foi procurada pela direção da CBF, que teria pedido satisfações sobre as críticas feitas no programa. Os chefes da emissora teriam se irritado por não terem sido comunicados previamente sobre a discussão do assunto no Linha de Passe. A ESPN agora transmite a Série B do Campeonato Brasileiro, organizado pela CBF – o contrato, no entanto, não foi assinado diretamente por ambas, mas através do intermédio da Liga Forte União do Futebol Brasileiro (LFU), grupo que tem 33 times, entre eles o atual campeão brasileiro Botafogo, o Corinthians, o Cruzeiro, o Internacional e o Fluminense.
A CBF negou que tenha procurado a ESPN, mas o comentarista Gian Oddi confirmou no Instagram a suspensão pelo motivo informado na reportagem do UOL: falta de comunicação prévia à direção da empresa sobre o teor da discussão que seria realizada no Linha de Passe. O post dele na rede social recebeu mais de 13 mil curtidas. No entanto, Oddi minimizou a intervenção da chefia:
“Se eu volto ao Linha de Passe, é porque eu tenho a consciência de que a gente vai poder continuar falando as coisas da maneira como a gente sempre falou, com a liberdade que eu sempre tive desde que eu entrei na ESPN há mais de 15 anos, contratado pelo José Trajano.”
Ex-diretor de jornalismo e um dos fundadores da ESPN, o próprio Trajano criticou a atitude da empresa no X numa publicação em que postou uma foto da mesa do Linha de Passe com os jornalistas suspensos.
“Sou do tempo em que a Informação era o nosso esporte! A ESPN censurar e suspender jornalistas que repercutiam no Linha de passe a reportagem da Piauí, que revela com dados e informações verdadeiras da farra do boi da gestão Ednaldo, é um absurdo. Minha solidariedade aos colegas.”
A medida da ESPN recebeu diversas críticas de jornalistas nas redes sociais, entre eles o comentarista Mauro Beting, que foi bem duro no Instagram: “Nunca houve liberdade de imprensa. Em firma alguma. Apenas liberdade de empresa. Em todas.” A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) publicou uma nota de repúdio à medida da emissora. A entidade afirmou que houve “um ataque direto à liberdade de imprensa e expressão, ao livre exercício da profissão e ao direito à informação, além de representar uma submissão inaceitável às pressões da CBF e aos famosos e costumeiros pedidos de cabeça de jornalistas que ousam criticar e contrariar os interesses dos poderosos donos do futebol brasileiro”. (GC)
🍂 Dia do jornalista, Felipe Neto e a imprensa acrítica. Na mesma semana em que se comemorou o dia do jornalista, o influencer Felipe Neto divulgou um vídeo, com referências visuais e textuais ao romance 1984, dizendo que seria candidato à presidência da república. Sobre a efeméride, a professora e articulista do grupo Metrópole, Malu Fontes, notou uma contradição, para dizer o mínimo: “No fluxo do feed que exibia jornalistas em carrosséis de fotos provando o tamanho do orgulho e da realização profissional, liam-se coisas como ‘viraliza adestramento de pessoas que se identificam como cães’”. Para Malu, o discurso de orgulho e o conteúdo entregue parecem mundos separados. E, embora não se resuma a isso, é inegável que o jornalismo se distancia da função de mediar o debate público enquanto se aproxima do “like fácil, descartável e vulgar”. O caso do vídeo de Felipe Neto parece ilustrar perfeitamente essa realidade. Em sua coluna na Matinal, o professor Juremir Machado afirma que o influencer “deitou e rolou” na mídia tradicional e que “qualquer leitor de orelha de livro ou de verbete da Wikipédia poderia perceber a pegadinha e as referências embutidas no discurso”. E lista diversos veículos que repercutiram o vídeo de Neto sem verificar sua veracidade, naquele jornalismo declaratório preguiçoso. O G1 chegou a incluir no título que “fãs perguntam se anúncio é real”. “Os fãs talvez estivessem mais atentos”, destaca Juremir. Horas depois, quando Felipe Neto anunciou que se tratava de uma estratégia de marketing para vender a versão em audiolivro de 1984, os veículos simplesmente lavaram as mãos de qualquer responsabilidade por terem chancelado e espalhado a desinformação, que deve ter rendido muitos cliques. “A arrogância da velha mídia não permitiu admitir a barrigada”, disse o professor, acrescentando que a Veja ainda creditou a Felipe Neto o “papelão”. Eu conto ou vocês? Na Infomoney, o jornalista Flávio Moreira afirma que as metas de audiência estão minando o propósito da profissão. “Redações inteiras passaram a operar com base em metas rígidas de page views. A consequência direta disso é a substituição de matérias relevantes por conteúdos otimizados para clique. O jornalista deixa de produzir com propósito e passa a escrever para agradar o algoritmo. A frustração vira regra e o esgotamento é inevitável”. Talvez isso explique a repercussão do vídeo de Felipe Neto pelo jornalismo profissional e mostre que não temos muito o que comemorar. (LV)
🍂 Links diversos.
A Abraji acaba de lançar o curso online e gratuito “COP30 em pauta”, para apoiar jornalistas, estudantes de jornalismo e comunicadores na tarefa de cobrir o evento de forma qualificada. O curso será realizado entre abril e maio e as inscrições estão abertas até o próximo dia 22.
Outro lançamento: o site jornalístico Ambiental Media desenvolveu o chatbot Capí, um programa baseado em IA que responde, por texto, perguntas sobre clima e meio ambiente a partir de evidências factuais. O banco de dados do chatbot é alimentado por reportagens da Ambiental e por artigos científicos.
Vocês viram que nós cobrimos algumas mesas do International Symposium on Online Journalism (ISOJ), né? A LatAm Journalism Review fez um resumo de todas, para quem quiser saber exatamente o que rolou em Austin.
Falando em ISOJ, me impactou muito os relatos de jornalistas em exílio pelo mundo. Por isso, achei genial a criação do periodismolibre.org, plataforma de apoio - legal, financeiro e profissional - a jornalistas em exílio na América Latina e Caribe. Trata-se de uma iniciativa da DW Akademie, em colaboração com a Unesco e outras entidades de defesa da liberdade de imprensa. (LV)
💎 Notícias de Perugia. Não estou na Itália, infelizmente, mas conseguir dar uma olhada na mesa Digital content creators and journalists: shaping the future of news together (Criadores de conteúdo digital e jornalistas: moldando juntos o futuro das notícias), do International Journalism Festival, que tá rolando em Perugia até domingo. Eu sigo curioso sobre esse tema, às vezes mais aberto, às vezes um tanto cético sobre essa relação em potencial. A conversa teve a participação de Adeline Hulin, da Unisco, Hannah Ajakaiye, fundador da iniciativa nigeriana FactsMatterNG, e de V Spehar, TikToker, com a mediação de Summer Harlow, diretora associada do Knight Center.
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