NFJ#508 🍂 O que as notícias são? (E o que não são)
Um ano de enchentes no RS. E o jornalismo? | As mudanças climáticas e o Projeto 89% | O dia a dia da IA nas redações americanas | Jornalismo e a cooptação da informação pelas plataformas
Boa tarde!
Moreno aqui, num outono que mais parece um verão ameno. Já era, né, pessoal. Até dois anos atrás nessa época as lareiras já estavam acesas nesta região do Brasil. Agora o que nos resta é torcer pra escapar dos aedes aegypti, que aproveitam a umidade e o calor permanente para infestar este pântano chamado Porto Alegre.
Ok, deu de lamúria climática.
Vamos à news. Aliás, começamos falando de catástrofe climática. Seguimos com IA e fechamos com a cereja do bolo: a Lívia analisa um estudo que perguntou ao público dos EUA o que eles acham que é notícia. E também o que não é.
🍒 Para os nossos apoiadores.
Aquilo que vocês já sabem: eu (MO), Lívia (LV) e Giuliander (GC) assinamos os tópicos.
Antes, deixem em contar pra vocês que no próximo dia 28 vou participar de um webinar dos nossos parceiros da serverdo.in. O assunto é os desafios do jornalismo local e regional. Vai ser online, às 11h, de graça. Dá pra se inscrever aqui.
Semana passada, na NFJ…
Nosso agradecimento de <3 vai para:
Adriana Martorano Vieira, Alexandre Galante, Amaralina Machado Rodrigues Xavier, André Caramante, Andrei Rossetto, Ariane Camilo Pinheiro Alves, Ben Hur Demeneck, Bernardete Melo de Cruz, Bibiana Osório, Bruno Souza de Araujo, Diogo Rodrigues Pinheiro, Edimilson do Amaral Donini, Fabiana Moraes, FêCris Vasconcellos, Filipe Techera, Gabriela Favre, Guilherme Nagamine, João Vicente Ribas, Jonas Gonçalves da Silva, Marcela Duarte, Marco Túlio Pires, Mateus Netzel, Milena Giacomini, Monica de Sousa França, Nadia Leal, Pedro Luiz da Silveira Osório, Priscila dos Santos Pacheco, Rafael Paes Henriques, Roberto Nogueira Gerosa, Roberto Villar Belmonte, Rodrigo Ghedin, Rodrigo Muzell, Rogerio Christofoletti Rosental C Alves, Sérgio Lüdtke, Silvio Sodré, Suzana Oliveira Barbosa, Taís Seibt, Vinicius Luiz Tondolo, Vitor Hugo Brandalise, Washington José de Souza Filho.
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🍂 Um ano de enchentes no RS. E o jornalismo? O jornalismo pouco aprendeu. Renatha Giordani analisa, neste texto para o ObjETHOS, que a cobertura midiática de eventos extremos ainda se mantém predominantemente “reativa e espetacularizada”, ignorando não apenas o que aconteceu (e segue acontecendo) após a tragédia, mas também falhando em deixar o evento isolado no tempo e no espaço – ou seja, sem ligá-lo a uma questão estrutural. O modus operandi da imprensa, segue Giordani, citando Márcia Amaral, é entrar em modo de “cobertura de catástrofe”. Primeiro, há uma grande mobilização, com forte presença nos noticiários e repórteres nas áreas afetadas. Depois de algumas semanas, todo mundo volta pra casa e as manchentes já são outras – e a galera afetada fica à mercê do poder público, que, sem pressão da imprensa, opera pela inércia. O acontecimento volta a ganhar atenção do jornalismo nos aniversários das catástrofes ou quando elas voltam a ocorrer. Escreveu Giordani:
O que se viu e se vê é um jornalismo tradicional marcado por três vícios: o jornalismo de depoimento trágico (centrado em vítimas e perdas individuais); o jornalismo de serviço emergencial (mapa de abrigos, previsão do tempo) e o jornalismo declaratório, dependente de autoridades e especialistas, sem análise crítica nem disputa de narrativas.
Ela ainda aponta a necessidade de desnaturalizar dos comumente chamados “desastres naturais” – escrevi sobre isso no há um ano, em plena enchente. A solução? Ora, acompanhar o desastre no durante, mas também no depois, no processo de reconstrução, responsabilização e fiscalização do poder público. E quem pode fazer esse trabalho? Um jornalismo local capaz de acompanhar a recuperação e as medidas de adaptação e climática pelas comunidades afetadas. Só assim, conclui, é possível transformar uma tragédia em aprendizado e pressão por mudanças”. (MO)
🍂 As mudanças climáticas e o Projeto 89%. No fim de abril, a Covering Climate Now lançou o Projeto 89%. A ideia é reunir histórias globais sobre o clima para demonstrar que a vasta maioria das pessoas se importa com as questões climáticas e querem que seus governos façam algo a respeito. De acordo com estudos citados pela Covering Climate, vem daí o número: entre 80% e 89% da população mundial espera ações do poder público endereçadas às mudanças climáticas. O projeto é aberto editorialmente. Não há a solicitação de um tipo específico de reportagem – embora exista a previsão de webinars para ajudar os veículos a melhorarem suas coberturas e uma lista com sugestões de pautas. Os coordenadores da ideia, Mark Hertsgaard e Kyle Pope, escreveram no Guardian (que, aliás, faz parte do projeto) a propósito do lançamento:
O que significaria se essa maioria silenciosa do clima acordasse – se seus membros compreendessem quantas pessoas, tanto em terras distantes quanto em suas próprias comunidades, pensam e sentem como elas? Como as ações dessa maioria – como cidadãos, consumidores e eleitores – poderiam mudar? Se a narrativa atual nas notícias e nas mídias sociais mudasse de recuo e desespero para autoconfiança e propósito comum, as pessoas deixariam de ser meras observadoras passivas e se tornariam agentes ativos na construção de seu futuro compartilhado? Em caso afirmativo, que tipo de ação climática elas exigiriam de seus líderes?
Na newsletter Climainfo de ontem dá pra observar a inércia dos governos citada por Giordani e o potencial das histórias jornalísticas capazes de demonstrar o desejo das pessoas, mote do Projeto 89%. A edição destaca que o Brasil separou, em 2025, apenas 0,1% do aporte necessário (R$ 100 milhões dos R$ 100 bilhões necessários até 2030, segundo o Instituto Tanaloa) para as adaptações climáticas – o que evitaria uma perda de até R$ 1 trilhão. E que o orçamento da União para gestão de riscos e desastres diminuiu 73% em relação ao ano passado – mesmo com as enchentes históricas no RS. Enquanto isso, “fundos ESG movimentam trilhões globalmente e o Brasil expande linhas de crédito para energia limpa”. Por quê?! Como o jornalismo pode ajudar a reverter essa lógica? O mundo quer mudança, diz esta newsletter-editorial da Sumaúma, anunciando sua participação no Projeto 89%. “A opinião pública é clara. Poucas pessoas, no entanto, têm consciência de que constituem uma maioria tão esmagadora. Muitos sentem timidamente que seus concidadãos se opõem ou são indiferentes. Acabar com essa espiral de silêncio é essencial para impulsionar governos e empresas a um caminho mais seguro para a vida na Terra”, segue o texto. Essa é a ideia do 89%. Além de Guardian, The Nation, Rolling Stone, Scientific American e a Time, só para citar veículos dos EUA, já se juntaram aos esforços globais. Veja como participar do Projeto 89% aqui. (MO)
🍂 O dia a dia da IA nas redações americanas. Olha que interessante: a Columbia Journalism Review perguntou para um time muito forte e diverso de repórteres, editores, executivos e gente com outras funções dentro de redações americanas como eles estavam usando a inteligência artificial no dia a dia. As respostas foram resumidas em 18 textos curtos de no máximo três parágrafos com insights valiosíssimos sobre o assunto. Para o CEO da Atlantic, Nicholas Thompson, que está escrevendo um livro sobre corrida de rua, a inteligência artificial deve ser tratada como um assistente que tende a ser um mentiroso. Meu comentário: ou seja, se fosse um humano, provavelmente você já o teria demitido. Mas sigamos. Muitos dos entrevistados usam o ChatGPT ou outros LLMs concorrentes se não como assistentes como uma persona típica que reflete a audiência do meio de comunicação em que a pessoa trabalha. Para essa persona fazem perguntas com o objetivo de refinar a qualidade do conteúdo (que nunca é escrito diretamente pela ferramenta, diga-se). O incensado Zach Seward, diretor editorial de IA do New York Times, afirma que tenta testar todas os recursos possíveis, porém utiliza apenas um ou dois no seu dia a dia:
“O que não quer dizer que eu seja cético em relação à IA. (...) É uma ferramenta poderosa quando combinada com a expertise tradicional em reportagem e programação. (...) A IA por si só é um truque de salão. Como todo software, é útil somente quando combinada com dados devidamente estruturados e alguém que saiba o que está fazendo. Visões do nosso futuro agêntico podem um dia se tornar realidade, mas, no momento, o que vejo são muitos aplicativos de consumo que não funcionam, recursos que existem apenas em comerciais e assistentes que eu só uso por engano”
Potente. Ao contrário de alguns relatos do especial que são bem superficiais. E outros que parecem autopromoção. Curiosamente, alguns questionam a validade de utilizar esse tipo de ferramentas por razões diversas. Sisi Wei, diretora de impacto na CalMatters e no Markup, instiga-nos a perguntar se o que estamos fazendo vale o custo ambiental. Ela lembra que uma conversa curta com o ChatGPT consome uma garrafa de água de 400 ml, e interagir uma vez com um modelo de linguagem grande consome de três a dez vezes mais energia do que uma pesquisa normal no Google. E cita algumas formas iniciais de tentar diminuir esse impacto negativo. Já Brian Merchant, ex-colunista de tecnologia do Los Angeles Times, considera defensável usar IA para melhorar a eficiência no trabalho jornalístico, porém resolveu não fazê-lo. “Decidi que preciso trabalhar com minhas manchetes e refletir sobre o motivo da minha revisão. Os sistemas de IA são muito pouco confiáveis, e seus vieses são muito bem disfarçados, para serem usados em reportagens de qualquer natureza.” Isso sem falar nas disputas com as grandes empresas de tecnologia que desenvolveram e promovem essas ferramentas através da exploração do trabalho intelectual dos outros, principalmente dos jornalistas. (GC)
🍂 Falando nisso, mais um pouquinho sobre a plataformização do jornalismo. O ex-diretor do Jornal da Tarde e da Agência Estado Rodrigo Lara Mesquita publicou um texto nessa semana na Folha de S. Paulo que afirma que o jornalismo falhou ao não denunciar a “cooptação da informação” pelas grandes plataformas de tecnologia. Ele menciona acadêmicos conhecidos como Shoshana Zuboff, Yochai Benkler e Zeynep Tufekci para dizer que “essas empresas concentraram um poder inédito sobre o fluxo informacional, criando monopólios que sufocam a diversidade e ameaçam a democracia e o capitalismo”. Os algoritmos mandam. E, ao se submeter à lógica deles, o jornalismo vem “transformando redações em fábricas de cliques e assinaturas, sem investir em novas formas de estruturar o espaço público”. Mesquita apela para uma reinvenção do jornalismo sem, no entanto, dar ideias muito precisas de como isso poderia acontecer. O que se compreende, afinal, tarefa fácil não é. Enquanto a gente fica aqui pensando, dá pra ler uma reportagem publicada pela Press Gazette que mostra como o Google forçou os publishers a aceitarem a utilização de seus conteúdos para o treinamento das ferramentas de IA da plataforma: através da milenar estratégia da chantagem. Documentos que estão sendo usados num julgamento do monopólio do Google sobre o mercado de pesquisa na internet revelam que a big tech deu apenas duas opções aos meios de comunicação: colocarem o seu conteúdo totalmente à disposição da plataforma sem receber nenhuma compensação financeira em troca ou deixá-lo completamente indisponível – o que significaria desindexá-lo do Google Search e ferir de morte o tráfego que cada veículo recebe por meio da plataforma. Qual opção você acha que os publishers têm escolhido? Pois é. Por outro lado, um novo relatório aponta uma espécie de renascimento do Facebook para as notícias. Segundo o Newswhip, o engajamento de cerca de 50 marcas de mídia analisadas aumentou 200% na plataforma no primeiro trimestre de 2025 em comparação com o ano passado. O pulo não foi causado por um crescimento no número de posts, que permaneceu constante. Essa aceleração teve início em fevereiro, de acordo com o relatório. A Fox, por exemplo, conseguiu no período um engajamento nove vezes superior ao primeiro trimestre de 2024 – na verdade, os números desse início de ano já são o dobro de 2025 inteiro. Publishers como New York Times, CNN e ABC News estão incluídos na amostra. Logo a gente pode pensar em questões políticas relacionadas ao polêmico segundo mandato de Donald Trump, mas o crescimento no engajamento parece ter sido causado mais por um formato específico (no caso, fotos) do que por um tema. Interessante. (GC)
🍂 Links diversos
Este texto do Reuters Institute conta como três veículos têm alcançado a audiência jovem em plataformas como TikTok, YouTube e Instagram. Eu nunca tinha ouvido falar deles, mas vale mesmo dar uma olhada no que estão fazendo o RocaNews, startup de notícias dos EUA; Genstiri, iniciativa romena criada há 3 anos; e #UseTheNews, projeto alemão focado em alfabetização midiática.
O professor Vitor Belém analisa o “JN em família”, série que levou o telejornal da Globo a ser ancorado, durante uma semana, diretamente da casa de telespectadores em diferentes regiões do Brasil. “Embora não seja a primeira vez que o noticiário sai do estúdio, a proposta se diferencia pelo grau de proximidade simbólica e afetiva com o cotidiano dos telespectadores”, destaca.
O que um jornal de ensino médio pode ensinar sobre jornalismo? Laura Owen conta, no Nieman Lab, como o Theogony, jornal estudantil da Alexandria City High School, na Virgínia (EUA), enfrentou ameaças de censura após a publicação de uma matéria sobre deficiências no transporte escolar, e seguiu lutando por sua independência editorial.
No Laboratorio de Periodismo, cinco tendências para o futuro das newsletters e podcasts jornalísticos: crescimento de produtos exclusivos e premium; menos lançamentos e mais experimentação; mais protagonismo individual; de entrevistas simples a episódios em profundidade; séries para nichos de público.
A propósito do um ano das enchentes no RS, vai rolar em Porto Alegre um evento promovido pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em parceria com a Associação de Jornalismo Digital (AJOR), para refletir sobre o impacto da pior catástrofe enfrentada pelo estado na imprensa local e nacional, e o papel do jornalismo diante da crise climática. Vai ser na próxima terça, dia 21, de forma presencial, no Goethe-Institut. Dá pra se inscrever aqui. É de graça. (LV)
💎 O que as notícias são? Acaba de sair um estudo bem interessante do Pew Research Center que investigou a percepção dos estadunidenses sobre o que ‘notícias’ significam para eles/elas, e como esse consumo se encaixa em suas vidas na era digital. Assinada por Kirsten Eddy, Katerina Eva Matsa, Michael Lipka, Naomi Forman-Katz, Christopher St. Aubin, Luxuan Wang e Kaitlyn Radde, a pesquisa utilizou três metodologias distintas: um fórum de discussão online qualitativo com 57 adultos nos EUA, um questionário nacionalmente representativo com 9.482 pessoas, e entrevistas em profundidade com 13 jornalistas e editores.
Embora circunscrito à realidade dos EUA, o estudo destaca o interesse crescente de pesquisadores de diversos países por entender as notícias sob a perspectiva do público. Com essa abordagem, o conceito de notícia não está necessariamente vinculado ao jornalismo profissional, e o público – e não os jornalistas – é que determina o que é notícia.
A seguir, apresentamos os principais achados e aprofundamos dois tópicos – o que os americanos pensam que as notícias são – e não são; e quais assuntos são considerados notícias. Há ainda outros quatro capítulos – quais fontes são consideradas notícias; o que é e o que não é notícia nas redes sociais; como os americanos se sentem em relação às notícias; o que as pessoas querem das notícias.
Apoiadores escolhem se a gente continua destrinchando o relatório na próxima semana. Antes, um spoiler do depoimento de David Folkenflik, da NPR News:
“A definição do que é notícia está ficando confusa. Notícias são uma combinação do que você precisa saber, do que você quer saber e do que você acha intrigante e não necessariamente sabia que queria saber”.
Nossos apoaiadores seguem conosco. Se o assunto te interessou, comece agora a nos apoiar! (LV)
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